O papa Francisco publicou no dia 24 de outubro a sua quarta carta encíclica, o documento papal mais relevante, sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus. Chamou-lhe Dilexit nos, Amou-nos (em latim). O título é tirado da Carta aos Romanos (8, 37).
O documento está dividido em cinco capítulos: 1) A importância do coração; 2) Gestos e palavras de amor; 3) Este é o coração que tanto amou; 4) Amor que dá de beber; 5) Amor por amor. A encíclica abre com uma pequena introdução e tem a respetiva conclusão.
A encíclica é formada por 220 parágrafos e 227 notas. Entre os autores citados encontra-se São Daniel Comboni (o fundador das Missionárias e Missionários Combonianos) e a Regra de Vida dos Missionários Combonianos. O património espiritual comboniano de alguma forma pertence também ao Magistério da Igreja.
«Dizia um santo missionário, que “este Coração divino, que suportou ser trespassado por uma lança inimiga para poder derramar por aquela ferida sagrada os Sacramentos, onde se formou a Igreja, jamais deixou de amar”, escreve o papa no nº 149.
O Papa repropõe a devoção ao Coração humano e divino de Jesus – gosto do sublinhar das vertentes humana e divina – como resposta à falta de coração e de poesia no mundo de hoje. A sociedade de hoje é anti-coração porque narcisista, autorreferencial e artificial. «A poesia e o amor são necessários para salvar o humano» (nº 20), sublinha ao mesmo tempo que lança uma pergunta provocadora: «Tenho coração?» (nº 23).
DIMENSÃO MISSIONÁRIA DO AMOR A CRISTO
Neste apontamento debruço-me sobre a conclusão do último capítulo da encíclica onde o papa explora a dimensão missionária da devoção ao Coração de Jesus sob o subtítulo «Fazer o mundo enamorar-se» (nºs 205-216), um cabeçalho que expõe a essência da missão. O nosso amor a Cristo tem uma dimensão missionária.
Francisco começa por expor dois pensamentos de São João Paulo II sobre a devoção ao Coração de Jesus: a reparação ao Coração de Cristo «é a reparação apostólica para a salvação do mundo» e a consagração ao Coração de Cristo é «uma aproximação à ação missionária da própria Igreja» (nº 206).
O papa recorda que a obra missionária da Igreja prolonga o fogo do amor do Coração de Jesus «que leva o anúncio do amor de Deus manifestado em Cristo» (nº 207).
«À luz do Sagrado Coração, a missão torna-se uma questão de amor, e o maior risco desta missão é que se digam e façam muitas coisas, mas não se consiga promover o encontro feliz com o amor de Cristo que abraça e salva» (nº 208), alerta.
Uma missão que nasce do encontro com o amor de Jesus «requer missionários apaixonados, que se deixem cativar por Cristo e que inevitavelmente transmitam esse amor que mudou as suas vidas» (nº 209).
Francisco propõe um simplex missionário: «Falar de Cristo, pelo testemunho ou pela palavra, de tal modo que os outros não tenham de fazer um grande esforço para o amar, é o maior desejo de um missionário da alma» (nº 210).
Adverte a Igreja não faz proselitismo, mas insere as pessoas na experiência do amor de Deus com respeito pela liberdade e dignidade, sem imposições, recordando que «Cristo pede-te que não tenhas vergonha de reconhecer a tua amizade com Ele» (nº 211).
Avisando contra intimismos individualistas, o papa explica que comunicar Cristo não é uma questão entre mim e Ele, mas faz-se sempre em comunhão. «[A missão] é vivida em comunhão com a própria comunidade e com a Igreja. Se nos afastarmos da comunidade, afastamo-nos também de Jesus» (nº 212).
E alerta: «Nunca se deve esquecer este segredo: o amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial, diocesana, etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus. Os atos de amor para com os irmãos e irmãs da comunidade podem ser a melhor ou, por vezes, a única forma possível de exprimir aos outros o amor de Jesus Cristo» (nº 212).
Os missionários são os mensageiros do amor de Deus sobretudo para os mais pobres, desprezados e abandonados. No encontro com os outros, os missionários encontram Cristo que coopera com eles (Marcos16, 20). «Que lindo encontro!» (nº 213), exclama.
«De uma forma misteriosa, é o seu amor que se manifesta através do nosso serviço, é Ele próprio que fala ao mundo naquela linguagem que por vezes não tem palavras» (nº 214), explica o papa argentino.
Francisco retoma o tema recorrente «eu sou uma missão» – que apresentou pela primeira vez na Exortação Apostólica A alegria do Evangelho – e explica que a missão é fundamental para o amadurecimento da relação pessoal com Jesus: «Para que essa amizade amadureça, é preciso que te deixes enviar por Ele para cumprir uma missão neste mundo, com confiança, com generosidade, com liberdade, sem medo. [...] Quem não cumpre a sua missão nesta terra não pode ser feliz» (nº 215).
Logo, desafia: «Deixa-te enviar, deixa-te conduzir por Ele para onde Ele quiser. Não te esqueças que Ele vai contigo» (nº 215) ao mesmo tempo que celebra que ser missionário «é uma experiência preciosa» (nº 216).
É, sim! Uma experiência preciosa e um privilégio.
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