29 de julho de 2021

DANÇA DA REDENÇÃO


Qualquer pecado que fizemos ou que fizermos já foi redimido pelo sangue de Cristo uma vez para sempre!

O que nos condena, mata não é o pecado, é o cerrar-se à graça salvífica de Deus.

Teimamos em tentarmos ser felizes sozinhos.

Em sermos infelizes sozinhos!

Porque a solidão não faz ninguém feliz.

Teimamos em ficar à margem do processo de conversão: passar da razão que tudo justifica ao coração que tudo ama!

O que nos espera à hora da morte não é a lista completa das nossas falhas, do nosso pecado em formato excell guardada nos arquivos do Paraíso.

Espera-nos, sim, o abraço terno e eterno do nosso Pai.

26 de julho de 2021

PÃO PARTILHADO, PÃO MULTIPLICADO


Os quatro evangelistas reportam o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes e são unânimes nos detalhes: Jesus com cinco pães e dois peixes mata a fome a 5000 homens – sem contar mulheres e crianças – num piquenicão num ermo verdejante. Foi, sem dúvida, um sinal muito importante.

Jesus, primeiro, explorou a solução de mercado: perguntou quanto custava comprar pão para toda a gente em vez de os mandar para casa de barriga vazia. Duzentos denários – duzentos dias de trabalho – não chegavam e a bolsa de Judas não comportava tal despesa.

Optou então pela solução local. Os discípulos trouxeram-lhe o que encontraram: cinco pães e dois peixes que – João explica – era a merenda de um rapazito. Os pães, feitos de farinha de cevada, eram o alimento dos pobres.

Jesus manda aos discípulos que sentem a multidão em grupos. Que se reclinem no prado – como nos banquetes romanos! Quer que a multidão seja tratada com dignidade, que sejam seus convidados.

Depois pegou nos pães, deu graças e distribuiu-os por todos. Três gestos eucarísticos. Fez o mesmo com os peixes. Todos comeram até ficarem fartos. Jesus mandou recolher as sobras: 12 cestos!

O milagre aconteceu, porque o rapazito partilhou o que tinha. O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus nada – nota o povo na sua sabedoria milenar.

Este milagre é muito atual. Em termos de calorias, o Planeta produz comida suficiente para as mais de sete mil milhões de bocas que o habitam. Três quartos da comida são produzidos por pequenos agricultores, pastores e pescadores. Os pobres!

Contudo, todos os dias 811 milhões de pessoas vão dormir com fome por duas razões: açambarcamento de comida e o seu desperdício. Um terço dos alimentos acaba no lixo, porque ou foi mal armazenado e se estragou ou simplesmente porque foi deitado fora.

Jesus ensina que a solução para a fome no mundo está na partilha e na recolha das sobras. O Refood e o Banco Alimentar são dois gestos evangélicos.

19 de julho de 2021

DESCANSO E COMPAIXÃO


Os apóstolos reuniram-se junto de Jesus e anunciaram-lhe tudo quanto tinham feito e ensinado. E Ele disse-lhes: «Vinde a sós para um lugar deserto e descansai um pouco». De facto, eram tantos os que chegavam e partiam que eles nem sequer tinham tempo para comer. Partiram, então, a sós no barco, para um lugar deserto. Porém, citam-nos partir e muitos perceberam para onde iam; e de todas as cidades para lá acorreram a pé e chegaram antes deles. Ao sair, viu uma numerosa multidão e compadeceu-se profundamente deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas — conta o evangelista Marcos.

Esta porção do evangelho tem uma atualidade extraordinária.

Em plena estação de férias Jesus diz-nos o que disse aos apóstolos: «Vinde a sós para um lugar deserto e descansai um pouco».

Habituamo-nos a contabilizar o tempo em termos económicos — os ingleses dizem que tempo é dinheiro — e os nossos dias transformaram-se numa exaustiva etapa de contra-relógio.

Por outro lado, o próprio descanso tornou-se numa indústria que gera milhões.

Urge redescobrir e reencontrar o sentido do descanso, do ócio, do doce fazer nada — como dizem os italianos.

Aliás, o Salmo 95 apresenta a vida eterna, a salvação como participação no repouso de Deus.

Repousar não é entrar numas férias frenéticas onde tentamos enfiar todas as experiências possíveis.

Repousar é parar, criar um espaço ermo no coração para contemplar a natureza, ouvir a vida, sentir Deus que passa no sussurro ligeiro da brisa da tarde.

Voltamos ao texto evangélico: as pessoas conheciam bem as rotinas de Jesus e anteciparam-se na chegada. Jesus quando viu a multidão numerosa «compadeceu-se profundamente deles» porque eram como ovelhas sem pastor.

Os evangelhos usam uma dezena de vezes o verbo compadecer-se para sublinhar os sentimentos de Jesus.

A compaixão é a capacidade de sofrer com. Jesus comovia-se até às entranhas com a realidade das multidões. O biblista António Couto propõe traduzir o verbo compadecer-se por tripar. Um sentimento avassalador.

Os meios de comunicação social mediatizaram e banalizaram o sofrimento e a morte transformando-os em espetáculo e cada espectador num mirone a banquetear-se com os problemas de terceiros.

Urge recuperar o sentimento de compaixão, a solidariedade na dor e na alegria.

A Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo atual abre com estas palavras desafiadoras: «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo e não há realidade alguma verdadeiramente humanasse não encontre eco no seu coração».

Todos somos pastores, temos uma relação de liderança e de cuidado com terceiros. A compaixão afigura-se como método para guiar os outros. Não dispersar nem dividir para reinar mas unir, juntar, cuidar!

14 de julho de 2021

A ESTRELA QUE NÃO SE APAGA


Na madrugada do Sábado Santo, correu a voz de que a gasolina tinha chegado. Finalmente! Não posso perder a ocasião, vou tentar mais uma vez, pensei decididamente. Morto de sede, o todo-o-terreno da missão comboniana estava imobilizado há cerca de dois meses. 

Ao nascer do sol eu já estava a chegar ao local anunciado para a distribuição. Outros dias como este vêm-me à mente: oxalá que hoje corra melhor do que aquele dia em que tive que passar a noite no carro, só tendo sido atendido ao meio-dia do dia seguinte.

De todos os modos, há que ser otimista e arriscar. Junto com o breviário e algum material de leitura, tenho comigo pão, tâmaras e água que me asseguram o essencial para o dia inteiro. 

À minha frente, vejo uma fila de carros que se estende por mais de um quilómetro. Aqui e ali, debaixo da jalabia, a longa túnica de alguns homens, entrevejo um facalhão atado ao braço, coisa tradicional entre muitos sudaneses. 

Chegam vozes de que há muito rebuliço e até mesmo bulha ao pé da bomba da gasolina a ponto de esta quase ter de parar de funcionar. Isso não seria grande novidade, pois tem acontecido noutras ocasiões. Mas desta o exército chegou bem a tempo de evitar o pior. 

Por volta das dez e meia da manhã, um dos motoristas aparece à janela do meu carro, na mão uma caçarola de ful, um prato tradicional de favas acabado de sair da cozinha improvisada aí ao lado, à sombra da frondosa nima, uma árvore muito comum neste país. Com um aceno de cabeça, apontou para o carro da frente e, antes de colocar o tacho em cima do capô, disse: «Itfaddal maana, ia khauaja», «Estrangeiro, faça favor de se juntar a nós».

Também não faltou o chá de hortelã que a mesma cozinheira trouxe para nós os quatro comensais. Apreciei o esforço encorajador e reconfortante de um deles: «Que Deus continue a dar-nos paciência para estar na fila». Engoliu o último trago e concluiu: «In shá Allah, se Deus quiser, amanhã antes do meio-dia já teremos sido despachados».

«Amanhã?! E a Vigília Pascal? E o domingo de Páscoa? De maneira nenhuma! Absolutamente… A gasolina é muito necessária, mas a Páscoa é a Páscoa». Depois de explicar aos meus amigos motoristas o sério motivo do meu gesto inesperado, abandonei a fila dos carros.

Ao entrar em casa, acolheu-me um ambiente de quietude e silêncio. O irmão Agostino, meu colega de missão, na capela improvisada para aquele dia, estava sentado no tapete, em adoração. Quase não deu por mim quando entrei naquele pequeno espaço sagrado.

A um dado momento, mostrou-me o livro da liturgia que tinha na mão, apontando-me a frase do Pregão Pascal em que meditava: «El kaukab elladhi la iaghib», «A estrela que não se apaga». Para nós, cristãos, a mensagem desta frase é uma verdade profunda e extraordinária: Jesus Cristo Ressuscitado é, na verdade, esse astro incomparável, único e insubstituível.

A noite está a chegar. A noite sagrada à qual a nossa liturgia árabe dá o belo nome de Sabt en Nour, Sábado da Luz. Talvez, quem sabe, hoje não vai haver electricidade. Uma noite escura. Nada de estranho, imaginei, pois já vem acontecendo também em noites anteriores. No entanto, também pode ser uma oportunidade que nos ajudará a entrar profundamente na Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como a chamou Santo Agostinho.

O céu estrelado é mais visível no deserto livre, sem ser estorvado pelas luzes artificiais da cidade, disse-me de forma convincente o colega Irmão missionário. Para ele, falar de astros não é uma conversa banal. Encontra um grande prazer em dormir ao ar livre, mesmo nas noites frias de inverno. Contempla a abóbada do céu salpicada de pontos de luz e adormece falando com as estrelas (o inverno no Sudão é frio mas seco, sem chuva). O Agostino conhece cada uma das constelações pelo nome. Eu não estava acostumado a olhar para o céu dessa forma, mas fico feliz por ele ter despertado em mim esse mesmo prazer.

Pensamentos luminosos habitaram-me durante o resto daquele dia. A minha mente continuava absorvida de astros e constelações das mais variadas formas e tamanhos. Tenho-as como distracções de que beneficiei como fonte e motivo de adoração naquele dia de Sábado da Luz.

Mas eu sei que não estava sozinho nesta forma de meditação. Prova disso era a voz do Agostino, que não se cansava de lançar para o ar o que não conseguia conter dentro de si. Porque é eterno. O refrão pascal saía de seus lábios em graciosas melodias e tons.

Chegou o momento em que a multidão de fiéis se reunia à volta da fogueira para o início da celebração da grande vigília.

O Círio Pascal, aceso no lume recém-benzido, ocupou o seu lugar diante dos fiéis que, por sua vez, começaram a cantar a luz de Cristo. Momentos depois, o mesmo Círio pousava no seu posto de honra ao lado do ambão, de onde o Padre Faustin cantou brilhante e solenemente o Pregão Pascal. E a grandiosa frase do Sábado da Luz soou com todo o seu elevado e profundo significado: «El kaukab elladhi la iaghib», «A estrela que não desvanece». Instantaneamente, os meus olhos procuraram o Agostino, que prontamente me respondeu com um sorriso afirmativo.

Depois da celebração da Vigília Pascal, enquanto saboreávamos em casa os khabáiz (doces típicos da festa) saímos para o pátio. Como tantas outras vezes, contemplámos a maravilha do céu estrelado. A sério ou a brincar, sentia-me suficientemente à vontade para provocar o meu colega missionário: a estrela do Pregão Pascal que tão bem acabámos de ouvir cantar, essa não a vês tu nas tuas noites estreladas, gracejei.

Ao que ele respondeu imediatamente e sem hesitar: «Pelo contrário, vejo-a sempre. Não é apenas o luzeiro mais brilhante, mas também a rainha de todas as estrelas. E a maravilha é que não é preciso esperar a noite para a contemplar. É sempre visível e oferece-nos a alegria da sua presença. Ela não depende do tempo e do espaço. Está em todo lugar. A qualquer momento. ‘El kaukab elladhi la iaghib’. A estrela que não se apaga. O astro que nunca desaparece».

Feliz C Martins 
El Obeid, Sudão, 2021 

11 de julho de 2021

DE CAJADO E SANDÁLIAS



Marcos narra a missão dos Doze Apóstolos em meia dúzia de versículos (Mc 6, 7-13).

Diz que Jesus os chamou — a vocação é sempre um ato de amor e de confiança da parte de Jesus — e os enviou dois a dois.

Se os enviasse um a um chegariam ao dobro das localidades. Mas Jesus não se preocupa com a eficiência, mas com a eficácia: os apóstolos, enviados aos pares, vivem e testemunham a fraternidade global que Jesus instaura com o seu ministério.

Jesus empoderou os apóstolos contra os poderes do mal para realizarem a sua missão. Deu-lhes a graça necessária, a energia do seu amor.

A lista de bens-base para a viagem missionária é curta: um bastão e sandálias. Os meios necessários para fazer caminho. A missão é sair — do umbigo, do sofá, do medo — para ir ao encontro do outro onde ele está. É pôr-se a caminho, em direção ao outro. Uma jornada que é psicológica antes de ser física.

Jesus quer que os Doze viagem ligeiro: sem pão, alforge, dinheiro ou muda de roupa. O sucesso da missão não está na tralha que se leva, nas seguranças pessoais, mas no poder de quem envia: Jesus que convoca para a missão.

E explica os verbos que conjugam a gramática da missão: partir, pregar o arrependimento, expulsar demónios, ungir doentes, curar.

A missão que Jesus partilha com os apóstolos é a manifestação do Amor da Trindade Santa por cada criatura, convocando as pessoas para uma vida melhor em Jesus que veio para nos dar a vida plena.

O Papa Francisco explica que evangelizar «é o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente esse amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida».

Dizer Deus ama-te é amar o outro como ele é! Deus ama através do teu e do meu coração.

Daniel Comboni define a missão como levar «o ósculo da paz e do amor» aos mais pobres e abandonados.

Essa é a tua e a minha missão!

9 de julho de 2021

SUDÃO DO SUL: DEZ ANOS DE INDEPENDÊNCIA MUITO COMPLICADOS

 


O Sudão do Sul celebrou a sua independência do Sudão a nove de julho de 2011. Um acontecimento que vivi em primeira pessoa e trago tatuado na memória.

Reli o registo no meu diário desse dia histórico:

Eram 13h19 quando o presidente da Assembleia do Sudão do Sul começou a ler a declaração de independência. O texto de nove pontos tinha sido aprovado na quinta-feira pela assembleia e levou doze minutos a ler.

Quando James Wani Igga, usando uma veste branca africana, pronunciou as palavras mágicas «Declaro o Sudão do Sul independente» a multidão que apinhava o recinto junto ao túmulo do Dr. John Garang desde as oito da manhã a aturar um sol inclemente, irrompeu numa exclamação de júbilo misturando gritos de alegria com lágrimas, palmas e tambores.

Depois, o São Pedro também quis participar com chuva e trovoada no final do programa.

A celebração, essa tinha começado depois das nove da noite do dia 8 com milhares de pessoas nas ruas a pé, de carro ou de motorizada a buzinar, cantar, dançar, bater bombos e chapas e a atirar água e fogo de artifício. À meia-noite ouviu-se um grito de regozijo por toda a cidade e perto da minha casa alguém pôs a tocar o hino nacional.

As festas passarem sem incidentes de maior e as pessoas viveram estes dois dias de uma forma impressionante de euforia incontida. Perguntei a muita gente como se sentiam. As respostas eram as mesmas: Não tenho palavras; Estou imensamente feliz; Estou muito alegre; Conseguimos.


Dez anos depois, as memórias da festa que varreu o país de lés a lés foram apagadas pelo pesadelo da guerra que se colou ao país em 1955.

As expectativas de um futuro abençoado foram defraudadas por uma elite cleptocrata de senhores da guerra que sequestrou a nação.



VOLTA A GUERRA

Dois anos e meio depois da independência, a 15 de dezembro de 2013, o país voltou à guerra civil depois de oito anos de alguma paz. A razão? Uma luta intestina pelo controle do poder e o ajuste de agravos antigos entre o presidente Salva Kiir Mayardit (dinca) e o vice-presidente Riek Machar Teny (nuer).

A guerra brutal começou por opor dincas a nueres, mas alastrou-se a todo o país abatendo-se sobretudo sobre civis indefesos.

Em cinco anos, mais de 400 mil pessoas foram mortas, 2,2 milhões procuraram refúgio nos países vizinhos e 1,6 milhões foram deslocados.

O relatório da União Africana sobre o conflito é um rol de horrores chocantes.



ACORDO DE PAZ

Os dois arcerrivais assinaram um acordo de paz em 2018 e formaram um governo de unidade nacional em fevereiro de 2020.

Os elementos da oposição que ficaram de fora da partilha de poder continuam em negociações através da Comunidade romana de Santo Egídio.

A Assembleia Constituinte — que vai escrever a constituição que substitui a carta transicional em vigor desde o dia de independência e que centra o poder na presidência — já foi constituída.

O país deve ir a votos em 2023. Será bom que Kiir e Machar aceitem retirar-se da contenda para abrir caminho a candidatos novos…

O Tribunal Híbrido União Africana-Sudão do Sul para julgar os crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no conflito também já está aprovado.

Falta a peça mais importante: a formação de umas forças armadas independentes das milícias que apoiam os respetivos líderes e que formam o atual exército.



CRISE HUMANITÁRIA

O país mais jovem da África celebra uma década de independência numa crise humanitária sem precedentes: sete em cada dez dos habitantes vivem em insegurança alimentar aguda. A guerra civil, os conflitos locais e as grandes inundações afetaram a produção agrícola.

O país encontra-se na cauda do índice de desenvolvimento humano.

A infância, o futuro do país, está hipotecada: 70 por cento das crianças em idade escolar está fora da escola; 4,5 milhões das 6,8 milhões de crianças têm necessidade urgente de ajuda humanitária para sobreviver; 1,4 milhões sofre de malnutrição agravada.

A economia do Sudão do Sul depende sobretudo da produção de petróleo que caiu dos mais de 350 mil barris diários de há uma década para os 150 mil de agora. O petróleo é explorado sobretudo pela China, Índia e Malásia. Uma grande parte da produção está hipotecada à China para pagar empréstimos que acabaram nas contas da elite que se assenhoreou dos parcos recursos do país.

O Sudão do Sul partilha com a Somália a glória dúbia de país mais corrupto do planeta.



FUTURO

O Presidente Kiir — que está em poder desde 2005 — anunciou que as celebrações da primeira década de independência vão ser muito contidas, porque os recursos são poucos para ajudar os cidadãos em necessidade.

Mas o P. Louis Okot, provincial dos Combonianos no Sudão do Sul, mantém viva a esperança.

«A independência do Sudão do Sul tem sido um presente e uma bênção para todos os sul-sudaneses e continua a sê-lo», assinala.

E continua: «É lamentável que tenha tomado uma via diferente que tornou o futuro incerto à medida que a instabilidade política e económica persistem. No entanto, no meio de toda esta estagnação, com os olhos da fé vejo grandes possibilidades de progresso e desenvolvimento. Só precisamos de um esforço colectivo e individual para deitar fora a nossa falta de vontade e desconfiança mútua».

O hino nacional termina com uma oração: «Ó Deus, abençoa o Sudão do Sul». Que assim seja.

8 de julho de 2021

BUGANVÍLIA


O meu coração buganvília encarnada de amor; laranja de fogo; branca de paz; amarela de ternura; roxa da dor. Está sempre em flor! Os espinhos defendem; as verdes folhas bandeiras de esperança desfraldadas no mar imenso
azul do céu
que o sol faz o dia
e a lua faseia noite.
O meu coração é buganvília
de três brácteas coloridas,
companheiras da minúscula flor creme
no grande arranjo da criação,
obra sempre recriada de Deus,
o florista-mor.


5 de julho de 2021

CAIM E ABEL

 


O conflito entre agricultores e pastores cresce.

A agricultura e o pastoreio são dois modos de vida que surgiram há uns dez mil anos com a revolução agrícola. A competição pelos recursos tem oposto pastores e agricultores ao longo dos tempos. A Bíblia representa esta tensão primordial por meio de um episódio entre Caim e Abel, os filhos de Eva e Adão. Conta o Livro do Génesis no capítulo quarto que Abel (o pastor) e Caim (o agricultor) apresentaram ao Senhor os respectivos dons: primícias do rebanho e respectivas gorduras e uma oferta dos frutos da terra. O Senhor gostou mais da oferta de Abel, e Caim, zangado, matou o irmão.

A narrativa do homicídio de Abel é testemunho da violência latente entre as comunidades que se dedicam à agricultura e à pastorícia, embora nas minhas observações tanto na Etiópia como no Sudão do Sul sejam os pastores os mais violentos.

Esta tensão tem aumentado na última década sobretudo na zona semiárida do Sahel, devido aos conflitos agro-pastoris e aos muçulmanos radicais. O deserto avança cerca de 3600 quilómetros quadrados por ano devido ao aquecimento e à diminuição das chuvas e a competição pela terra e pela água é feroz. A violência nas zonas rurais do Mali, Níger, Burquina Faso, Nigéria e Camarões fez no ano passado mais de dez mil mortes.

A União Africana estima que no continente um quarto da população – cerca de 268 milhões de pessoas – se dedique à criação de gado usando cerca de 43 por cento da terra. Muitos são povos nómadas transnacionais que deslocam manadas enormes à procura de pastagens.

O conflito no Darfur é exemplar. Pastores da etnia árabe baggara – com mais de três milhões de pessoas que vivem nos Camarões, Nigéria, Chade, Sudão, Níger, República Centro-Africana e Sudão do Sul – disputam aos agricultores negros fures, masalites e zaghanas locais o controlo da água e das terras férteis desde 2003. A ONU calcula que esse conflito, que foi politizado pelo governo de El Bashir, já matou cerca de 300 mil pessoas e deslocou 2,7 milhões.

O cenário repete-se na Nigéria e nos países vizinhos entre os pastores fulanis – cerca de 20 milhões de nómadas que se espalham pelos países da África Central e Ocidental – e as comunidades agrícolas. Em Março, cerca de 300 mil pessoas foram forçadas a abandonar o vale de Benue, no Centro da Nigéria, devido aos ataques.

O acentuar do conflito entre pastores e agricultores está ligado à disponibilidade de armas ligeiras, ao aumento demográfico, à degradação ambiental. Embora os pastores sejam vistos como os vilões, a agricultura industrial e o arrendamento ou venda de grandes extensões a multinacionais ou a governos estrangeiros interfere com áreas tradicionais de pastoreio.

A competição pelos recursos e o conflito têm de dar lugar à cooperação no uso dos bens naturais cada vez menos abundantes para pacificar as relações entre as comunidades que vivem da terra e apoiar modos de vida e oportunidades económicas para lavradores e criadores de gado. As autoridades tradicionais têm um papel importante na mediação.