13 de janeiro de 2023

QUERIDO ABBA GIUSEPPE, A DEUS


A notícia deixou-me parvo: o Abba (Padre) Giuseppe Detomaso faleceu esta tarde, inesperadamente, num hospital de Adis-Abeba, a capital da Etiópia. Faria 81 anos no último dia do mês. O Ir. Desu, que vivia com ele em Hawassa, tinha comprado um carneiro para lhe fazermos a festa que merecia. Em outubro tinha completado meio século de serviço missionário na Etiópia.

Natural das montanhas Dolomites no Norte da Itália, o missionário comboniano aterrou pela primeira vez na Etiópia a 12 de outubro de 1972 e por cá ficou. Tinha 30 anos. Os primeiros quatro anos de ministério sacerdotal passou-os na Itália a fazer animação missionária e promoção vocacional. Dedicou-se à evangelização e educação dos povos guedeo e sidama, no Vicariato de Hawassa, sul da Etiópia.

Há três semanas, quando pernoitei em Hawassa a caminho do Conselho Provincial em Adis-Abeba, acheio-o bastante abatido. Quando regressei, semana e meia depois, estava muito melhor. Tinha de volta o sorriso acolhedor. Disse-me que estava a tomar medicamentos para o tifo, que se sentia muito melhor.

Antes de ontem o superior provincial foi vê-lo a Hawassa e decidiu levá-lo de avião para a capital para receber uma assistência médica mais qualificada Ficou internado no hospital. Os médicos descobriram que o cancro na próstata estava espalhado por todo o corpo. Esta tarde regressou à Casa do Pai.

Em novembro fiz-lhe uma longa entrevista de retrospectiva de meio século de serviço missionário que vai ser publicada revista Além-Mar de fevereiro.

«Durante esta longa viagem de 50 anos, tive sempre um Companheiro que, em todas as minhas obras pastorais e sociais e em todos os serviços que fiz, foi a minha inspiração e realização. A Ele honra e glória», disse-me.

E concluiu: «Tive a oportunidade de ver o início de muitas missões e depois de testemunhar a sua entrega ao clero local. O meu serviço missionário é resumido nas palavras de São Daniel Comboni “Salvar a África com a África”».

Um homem bom, simples, tranquilo, cheio de Deus e de amor para o Seu povo. Foi o meu confessor entre 1993 e 2000, durante o meu primeiro período de serviço entre os Gujis, e desde novembro de há dois anos, depois do meu regresso.

Ajudou-me a ver o dedo de Deus na minha vida e no meu pecado. Estou-lhe eternamente grato pela amizade, sabedoria e testemunho de dedicação missionária.

Encomendo-o à misericórdia do Senhor. Sei que está no abraço terno e eterno de Deus, a interceder pela Etiópia e pela família comboniana.

A Deus, meu irmão maior. Reza também por mim.

6 de janeiro de 2023

CARTA AO JESUS MENINO


Meu querido Jesus Menino,

Hoje, 7 de janeiro, celebramos o teu nascimento na Etiópia com muitos cânticos e danças, roupa limpa (e nova para quem puder), comida melhorada apesar da inflação que baralha as contas. Os católicos de Qillenso fizeram uma vaquinha para comprarem uma toira para a refeição comum do teu Natal. Tu também nasces nestes montes tranquilos e verdejantes de Qillenso e na cidade agitada, poeirenta e quente de Adola.

Obrigado por teres encarnado a nossa vida, a nossa história. Assim, sabes como é o humano viver: conheces as nossas alegrias e tristezas, angústias e esperanças. Por isso não te vou falar delas. Confio-as à tua ternura amorosa.

É costume pedir-te coisas através das cartas de Natal se nos portarmos bem durante o ano. Deixo aqui as minhas solicitações, confiado na tua misericórdia.

Hoje, só te quero pedir paz para a Etiópia — e especialmente paz para a Oromia onde vivo — e para o mundo inteiro. Tu és o Príncipe da Paz: monta a tua tenda de novo entre nós. Pacifica os corações violentos, os desmandos egoístas, a sede louca de vingança e de sangue.

Agradeço as bênçãos do primeiro ano de regresso à Etiópia. vOferceço-te todas as pessoas que trago no coração. São tantas, mas ficam em boas mãos.

Este foi um ano especial!

Regressei onde fui muito feliz e continuo a viver a benção de estar com esta gente simples, boa, acolhedora, simpática, às vezes exigente e desmedida, mas sempre sorridente.

Agradeço-te por abba Hippolyte, o meu companheiro de serviço missionário entre os gujis; por Guyyate, que nos traz nutridos e limpos; por Sholango, que com a sua sabedoria nos ajuda a navegar as dificuldades inerentes à nossa presença. Agradeço-te por Marta, que partiu feliz para o noviciado das Irmãs da Caridade na Zâmbia; por Duretti, que apesar dos achaques dos anos acumulados mantém o sorriso lindo e vem fielmente à missa apesar de ter de caminhar mais de três quilómetros para cada lado.

Agradeço-te pelos catequistas e pelos anciãos, que se esforçam por animar as comunidades locais; pelas professoras e professores que ajudam os alunos a gizar um futuro melhor. Agradeço-te pelas irmãs e irmãos combonianos que partilham a sorte das Etíopes e dos Etíopes apesar das dificuldades das línguas, do custo de vida, da insegurança da guerra, das tensões inter-étnicas…

Agradeço-te teres transformado os medos que toldaram o meu regresso em alegrias e estupefação, por me manteres tranquilo e feliz, satisfeito entre este povo que também é meu e eu sou deles.

Agradeço o colinho que me dás através da amizade, orações e ofertas dos familiares, amigos e benfeitores.

Peço a sabedoria de te ver nas coisas pequeninas do quotidiano, de te adorar nos mais pobres e abandonados, de te encontrar encarnado nas pessoas com quem partilho a vida, sem preferências nem escolhas.

Bom Natal etíope, meu querido Jesus Menino. Nasce no nosso coração para sermos presépios viventes de justiça, paz e alegria.

Que a alegria que leio nos olhos enormes dos meus vizinhos seja a companheira de viagem durante este ano de 2023 de cada uma e de cada um deles. E minha também.

1 de janeiro de 2023

MARIA E OS QUATRO PILARES DE 2023

A liturgia deste primeiro dia do novo ano é particularmente evocativa e seria uma pena não compreender a riqueza da mensagem das três breves leituras que a transmitem. Trata-se da primeira Palavra do ano, portadora de graça e bênção. 

As duas palavras mais recorrentes nas leituras são abençoar/bênção (primeira leitura e Salmo 66) e filho/filhos (segunda leitura). Poderíamos acrescentar uma terceira, retirada do Evangelho e de toda a celebração: Maria, a quem se consagra este primeiro dia do ano. Maria, Mãe de Deus, tão solenemente proclamada e celebrada pela Igreja. Associado a ela vem o de Jesus, o seu filho, a criança que hoje é circuncidada e recebe o nome de Jesus.

Gostaria de reflectir sobre a Palavra a partir precisamente destas quatro "palavras": Maria, Jesus, bênção e filhos. O cenário é o início do novo ano e o Dia da Paz. Estas quatro palavras são os alicerces, os quatro ângulos, ou se quiserem, os quatro pilares sobre os quais construir a casa das nossas vidas durante este novo ano. 365 tijolos são colocados à nossa disposição para o fazer. A Palavra dá-nos o plano ou projecto.


1. MARIA e o escândalo da manjedoura.

"Todos os que ouviram ficaram surpreendidos com as coisas que os pastores lhes disseram. Maria, pela sua parte, guardou todas estas coisas, ponderando-as no seu coração".

Entramos no Ano Novo sob os auspícios de Maria, a Mãe de Deus. Se nesta época natalícia a nossa atenção vai principalmente para a Criança, como é natural, hoje a Igreja convida-nos a levantar o nosso olhar para a Mãe. Com ela aprendemos como olhar, acolher e aprofundar o Mistério do nascimento da Criança. 

Os pastores encontram a criança "deitada na manjedoura". E o facto é motivo de alegria para eles, porque confirma a palavra do anjo, mas também porque o Salvador nasce no seu ambiente, ele é um deles. Para todos, o testemunho dos pastores é motivo de admiração. Mas para Maria? "Para Maria, a Santa Mãe de Deus, não foi assim. Ela teve de suportar "o escândalo da manjedoura" (Papa Francisco, 1 de Janeiro de 2022).

Gostaria de lhe propor que encontrasse um espaço de tempo nestes dias para parar diante de um ícone de Maria ou, melhor ainda, para a visitar numa das suas muitas "moradas", os santuários dedicados a ela, para lhe pedir a sua "paciência meditativa". Os 365 tijolos do novo ano não serão todos bonitos e suaves, bem quadrados e fáceis de encaixar na construção das nossas vidas. Talvez! Alguns ficarão bastante deformados e difíceis de encaixar. Sim, receio que não nos faltem problemas, dificuldades, escuridão e - Deus nos livre! - situações trágicas! São os tijolos do desânimo, da tristeza ou mesmo do escândalo face a certos acontecimentos da vida. Sentir-nos-íamos tentados a descartá-los como inúteis. Só este olhar de Maria que "guardava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração" nos pode ajudar. Só a sua "paciência meditativa" nos permitirá conseguir integrar certos blocos de construção no puzzle das nossas vidas. O que não é compreendido, e que seríamos tentados a descartar, deve ser mais valorizado. 

Vamos entrar no Ano Novo pela Porta de Maria, ou pela janela dos seus olhos!


2. JESUS, o Nome e os Nomes

"Quando os oito dias prescritos para a circuncisão foram completados, foi-lhe dado o nome de Jesus, como tinha sido chamado pelo anjo antes de ser concebido no ventre.”

Hoje, no oitavo dia de nascimento, o menino é circuncidado e recebe um nome: Jesus, isto é, "o Senhor salva", o nome designado pelo Céu através do anjo. O nome Jesus é a forma portuguesa do Iesoûs grego, em latim Jesus. A palavra aramaica original era Yeshua, uma forma contratada do Yehoshua hebraico. Josué, o sucessor de Moisés, tem este nome. Era um nome muito comum, como uma profissão de fé. Agora, porém, este nome dado à pessoa de Jesus revela a sua identidade. É uma profissão de fé nos lábios daqueles que o invocam. De facto, São Pedro dirá: "Não há outro nome sob o céu dado aos homens, no qual é estabelecido que devemos ser salvos". (Actos dos Apóstolos 4:12)

Agora Deus tem um nome: Jesus, 'O Senhor salva'. E podemos nomeá-lo e estabelecer uma relação pessoal com Ele. O nome de Jesus aparece 566 vezes nos evangelhos. É o Nome que dá valor a todos os outros nomes, aos nossos próprios. 

Como seria bom se durante este Ano Novo o nome de Jesus fosse o mais comum nos nossos lábios e o mais vivo nos nossos corações! Isto sugere-me outro exercício espiritual: porque não fazer nossa a chamada "Oração do Coração", que consiste em repetir continuamente o nome de Jesus, ao ritmo da nossa respiração, como se repete o nome de um ente querido. Uma bela forma de oração consiste precisamente na simples repetição do nome de Jesus, estabelecendo uma corrente entre mim e Ele e entre Ele e eu, até que dois corações batem em uníssono.


3. BENÇÃOS: Abençoados, abençoemos!

"Que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor faça brilhar o seu rosto sobre ti e seja gracioso para contigo. Que o Senhor te mostre o seu rosto, e te conceda a paz". (Números 6: 22-27, primeira leitura)

É especialmente consolador e inspirador perceber que este novo ano começa sob o signo da bênção. Entramos em 2023 abençoados. Mas temos de permanecer na bênção! E para isso abençoar Aquele que é o Bendito, fonte de toda a bênção, para abençoar a minha vida, para bem-dizer a minha história... mesmo quando eu não vejo esta Sua bênção, antes pelo contrário! 

Abençoar especialmente aqueles que encontramos ao longo dos nossos dias. "Abençoai e não amaldiçoeis!" (Romanos 12:14). Temos de confessar que nos chega mais naturalmente, frequentemente e de bom grado, amaldiçoar em lugar de abençoar. Dizer mal da vida, dos políticos, dos padres (infelizmente, por vezes com boas razões!), do gerente do escritório, dos colegas, do autocarro atrasado, do trânsito, do vizinho no andar de cima que é demasiado barulhento ou que atira as beatas os cigarros para o meu terraço... E assim arriscamo-nos a viver uma vida amaldiçoada!

Quando eu era criança - e o hábito permaneceu comigo como adulto - fui habituado a pedir a bênção aos meus pais, avós e tios. E eles invocavam a bênção de Deus sobre mim. Como alguns de vós, suponho eu. Hoje em dia, não ocorreria a ninguém pedir tal coisa. Talvez com a excepção de a pedir ao padre: essa é a sua função! Precisamos de "bênçãos" mais tangíveis. 

No entanto, se tantas coisas correm mal, é porque falta a bênção! Já não abençoamos! Esquecemos que abençoar é a vocação do cristão: "Não render o mal com o mal ou o insulto com o insulto, mas responder desejando o bem. Pois a isto fostes chamados por Deus para herdar a sua bênção". (1 Pedro 3:9)

Aqui está um terceiro exercício para 2023: sair de casa, todos os dias, abençoar e dar bênçãos à esquerda e à direita!


4. FILHOS, adoptados no Filho

"Irmãos, quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para redimir aqueles que estavam sob a Lei, para que pudéssemos receber a adopção como filhos... Então já não és um escravo, mas um filho" (Gálatas 4:4-7, 2ª leitura)

Aqui está a suprema bênção: ser filhos! Para começar o Ano Novo com o pé ou o passo certo, é preciso começar como filho, não como escravo medroso, sob a tirania da lei! Se eu sou um filho, o que posso temer? Sim, a vida é uma luta constante, mas lutamos como vencedores e não como perdedores, à partida!

Apresso-me a concluir para... me fazer abençoar, a convite de alguns de vós! Feliz Ano Novo!


P. Manuel João, Castel d'Azzano, 30 de Dezembro de 2022 

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