29 de dezembro de 2021

TENTAÇÕES DE NATAL

Caros amigos,

O Natal chegou pontualmente, como todos os anos. Um acontecimento que desafia e provoca a rotina cinzenta do nosso quotidiano. Uma graça que encontra resistência em nós e é ameaçada por tentações particulares. Este ano venho compartilhar com vocês ... precisamente as minhas tentações! Me ajudareis a vencê-las!

A primeira é a imobilidade. Esperei por este Natal na minha cadeira de rodas. Ele chegou e receio que vá embora e eu permaneça aqui imóvel, sem que nada mude. A ESPERANÇA de alguma mudança foi desapontada muitas vezes. Peço boleia, deixando-me levar pela comunidade, pelos ritos, pelas celebrações ... Mas sei que sem caminhar como os pastores e os Reis Magos não há Natal. Paralisado, peço ao Espírito Santo que me conceda as suas asas de águia. (Isaías 40,31)

Mas existe uma tentação ainda mais insidiosa. A do escândalo! Se a distância de Deus era um obstáculo para mim, agora sua proximidade me escandaliza! Um Deus criança, frágil, indefeso, mortal, é demais para a minha frágil . Um Deus que tem fome e chora, enquanto eu esperava que ele enxugasse as nossas lágrimas! Um Deus juiz que, em vez disso, se torna um réu! Aquele que deveria acabar com a injustiça, ao invés, a sofre! Que Deus é ele ?! Nós realmente teríamos esperado outro! Na minha consternação, peço ao Senhor Jesus a primeira bem-aventurança: Bem-aventurado aquele que não se escandalizar de mim (Mateus 11,6).

Mas não para por aí! Deus põe à prova também o meu AMOR instável! Ele chega mascarado, incógnito! Torna-se o estrangeiro que afirma ter o direito da cidadania em meu coração! Proclama a fraternidade universal! Mas como é possível?! Este Natal dele é definitivamente demasiado revolucionário e subversivo! Com o coração petrificado, a única esperança que me resta é pedir ao Pai que cumpra a sua promessa: Dar-vos-ei um coração novo e introduzirei em vós um espírito novo: arrancarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne (Ezequiel 36,26).

Pai, não nos deixeis cair na tentação de desperdiçar a graça deste Natal!

Mesmo se Cristo nascesse mil ou dez mil vezes em Belém, de nada servirá se Ele não nascer pelo menos uma vez no teu coração (Angelus Silesius,1624-1677).

P. Manuel João, comboniano
Natal de 2021 
Castel d'Azzano (Verona) - Itália

13 de dezembro de 2021

ALEGRAI-VOS


No meio do advento e da quaresma a liturgia convida os católicos à alegria. No terceiro domingo do advento e no quarto domingo da quaresma, tempos litúrgicos penitenciais de roxo vestidos, os paramentos podem ser cor-de-rosa para alegrar as celebrações!

«Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos» — exorta Paulo a comunidade grega de Filipos e cada um de nós.

Estamos habituados a rezar a vida como um vale de lágrimas. O grande amor e a grande dor são o caminho que leva à transformação pessoal, escreve Richard Rohr, o místico franciscano norte-americano.

Contudo, as lágrimas e o sofrimento não são a estação derradeira do peregrinar cristão. «Aqueles que semeiam com lágrimas, vão recolher com alegria. À ida vão a chorar, carregando e lançando as sementes; no regresso cantam de alegria, transportando os feixes de espigas», proclama o salmista.

A alegria do Senhor — que é a nossa fortaleza — é o destino final de cada um! Não é por acaso que o Papa Francisco colocou a palavra alegria no título de três das suas exortações apostólicas: A alegria do Evangelho (o seu programa pontifical), A alegria do amor (sobre o matrimónio cristão), Alegrai-vos e exultai (sobre a santidade nos dias de hoje). 

O advento é tempo de espera alegre. Vivi as duas primeiras semanas deste tempo litúrgico numa espera dupla: a espera do Senhor que vem e a espera do visto ONG para poder voltar à Etiópia. Cada vez que o alarme do telemóvel tocava ia logo à caixa do correio, mas ou era mais um golo do FC Porto, uma atualização da situação da Covid, mensagens via Facebook, Messenger, WhatsApp ou Twitter…

Enquanto esperava tive oportunidade de encontrar ou re-encontrar muitas pessoas — como o Ababayo na foto, de rever lugares…

No advento, não esperamos sentados na berma da vida à espera do milagre do encontro: esperamos vivendo o dia-a-dia com alegria e disponibilidade.

A minha espera não terminou com a chegada do visto uma dezena de dias depois da data em que era esperado. Continuou quando cheguei ao aeroporto internacional de Bole munido de passaporte português e visto ONG na mão.

O oficial de fronteira que me recebeu — que aqui tem o nome pomposo de Agência Etíope para a Imigração, Nacionalidade e Eventos Vitais — mandou-me esperar. Deixou o guichê apressado e foi consultar o supervisor. Parecia que os dois documentos lhe queimavam as mãos.

O supervisor veio com ele e perguntou para que ONG trabalhava. Expliquei que tinha contrato de trabalho como professor voluntário com a Igreja Católica. Apresentei os respetivos documentos.

«Espera ali» — disse, brusco, apontado para um espaço onde não havia ninguém. Esperei uma meia hora. Ainda imaginei que me fossem deportar!

Finalmente o oficial chamou por mim, quis saber a que nível ensinava, carimbou o passaporte e disse para ir-me embora. Que alívio!

Em casa explicaram-me que, uma vez que muitos europeus e norte-americanos deixaram o país com receio de que o conflito com os tigrinos atingisse Adis-Abeba, a chegada de cidadãos desses países é tratada com suspeição!

Hoje entreguei o passaporte e o visto no Secretariado Católico e amanhã prossigo a viagem até Hawassa. Quarta-feira, se Deus quiser, almoço em casa com o P. Hipólito! Entretanto, não reconheceram a minha carta de condução — tinha caducado há dez anos — e ter de fazer exame de código e de condução. De novo! Desaja-me sorte.

10 de dezembro de 2021

FÉRIAS FORÇADAS







Viajei para a Etiópia com um visto de turista, mas, para obter a licença de residência e a autorização de trabalho — oficialmente sou professor voluntário, preciso de um visto ONG. A Igreja Católica na Etiópia — o meu empregador legal — é classificada como organização não governamental.

No fim do mês de novembro viajei para Nairobi, Quénia com um colega da R. D. do Congo que estava nas mesmas circunstâncias para pedir um visto ONG.

O processo — que normalmente leva dois a três dias (no caso do colega) — demorou quase duas semanas para mim. O governo etíope acusa o Oeste de apoiar os rebeldes tigrinos no confronto com o governo federal e pode ser que tenham demorado a passar o visto em retaliação.

Fomos acolhidos em Nairobi — uma cidade em crescimento constante, verde e agradável — na sede provincial dos combonianos. Os colegas receberam-nos fazendo jus à proverbial hospitalidade africana.

Nas duas semanas que aqui passei tive oportunidade de visitar cinco comunidades na capital e inteirar-me de algumas iniciativas da província.

Há dez anos tinha visitado o início da nova missão de Embakasi, numa zona residencial a tomar forma na planície do aeroporto.

Hoje, a paróquia está a funcionar a todo o gas e abriu uma escola secundária em Utawala. A escola, iniciada há quatro anos, tem 125 estudantes divididos por quatro turmas do oitavo ao décimo segundo anos e oito professores. O complexo conta com laboratórios de informática, fisico-química e biologia e um refeitório.

Os missionários planeiam alargar a oferta ao ensino infantil e primário e querem melhorar as instalações desportivas.

O programa de reabilitação Napenda Kuisishi é outro desenvolvimento interessante. Iniciado em 2006, destina-se a tratar e reintegrar jovens dos 13 aos 19 anos com dependência de drogas provenientes do bairro de lata de Korogocho, Nairobi. O programa tem em Kibiko uma quinta para acolher até 26 rapazes que precisam de internamento para serem tratados e reintegrados na sociedade.

Os que estão em idade escolar, voltam para a escola. Em 2017, os combonianos abriram na quinta um centro de formação para garantir um futuro profissional aos jovens recuperados nas áreas de carpintaria, eletricidade, pichelaria, construção civil e serralharia. A formação dura um ano e é totalmente gratuita.

Também visitei a comunidade de Kariobangi onde missionárias e missionários combonianos desenvolvem diversos programas pastorais e sociais, tendo inclusive com um pequeno banco. A igreja paroquial foi alargada e os trabalhos de decoração estão a ser ultimados.

Durante estas duas semanas, tive oportunidade de visitar a Universidade de Tangaza — que nasceu como faculdade de teologia e cresceu noutras áreas do saber — e o centro de estudos de teologia dos combonianos na área. Além de reencontrar o P. Silvestre Hategek’Imana, comboniano ugandês com quem trabalhei largos anos na Etiópia, descobri com surpresa e muita alegria que Ababayo Garramu — um jovem de Haro Waro, a missão onde servi durante seis lindos anos — está no segundo ano de teologia!

Celebrei a solenidade da Imaculada Conceição na casa das combonianas que trabalham no Sudão do Sul, uma oportunidade para rever três missionárias que conheci em Juba. E visitei o Centro de Kivuli no bairro de Riruta, que promove muitas pessoas necessitadas através do ensino, da saúde e do artesanato.

Nestas ferias forçadas também encontrei algumas pessoas amigas que não via há muito e que o acaso nos juntou na capital do Quénia.

Sábado, 11 de dezembro, voo para Adis-Abeba para retomar o meu serviço missionário em Qillenso. Sem mais férias forçadas, espero!