29 de agosto de 2019

PRIMEIRO MÊS NO REGRESSO À MISSÃO


Um mês passou, desde que parti de Portugal e cheguei de regresso à Missão na Zâmbia. Tanto e tão pouco! Sentimentos que me invadem…

DIAS FELIZES tenho vivido, dificuldades vão aparecer…

Não há missão Sem CRUZ, ensinou-nos Comboni!

Um Mês é pouco, mas é tempo para muita Alegria, Amor, Renovação…

Dias felizes eu tenho vivido, Graças ao Senhor da Missão e a todos e todas que fazem parte desta missão que partilhamos! Sinto uma vida nova!

Ela tem sido assim:

MISSÃO É PARTIR! Partir eu aceitei. Partir era o meu dever. Partir era a minha vida, vocação e missão. Não parti sozinho, senti isso ao re-partir!

Parti com tantos e tantas no coração. Parti com Aquele que envia!

Parti e recebi o «OLÁ» doce do encontro!

MISSÃO É ENCONTRO! O encontro veio ter comigo. As circunstâncias assim o permitiram.

Havia festa; ordenação, primeira missa, crianças a sorrir. O encontro que ultrapassa o tempo: dez anos de distância pareceram uma semana apenas terminada. No Amor, o encontro vence o tempo. O encontro não tem distâncias.

MISSÃO É AMOR E ALEGRIA! A única verdade é Amar, lembro Raul Follereau proclamar.

A missão é amar, é ser, é partilhar. É encontrar a alegria do Amor que não tem medida.

Dizem-me «Mas não esqueceste Cinyanja». Vem-me natural a resposta: «O que se ama, nunca se esquece!»

Amar traz a alegria no serviço.

MISSÃO É SERVIR! Servir o irmão e irmã, o pobre, a criança ou velho, o doente, o que sofre.

É sentir e experimentar que a minha vida, foi-me dada, não é minha, pertence aos que dela precisam…

MISSÃO É CRUZ…

Fico com o pensamento: «A lua-de-mel» vai passar. A Cruz vai aparecer. Mas o amor no serviço será sempre fonte de alegria e coragem. Planos para o futuro já há. Responsabilidades novas, nunca tidas. Gabei-me de nunca ter embarcado em construções, mas apenas vivido a amizade da fé, na formação, no relacionamento com todos.

Vou ter agora que «construir». Somos uma comunidade nova. Temos um projecto novo! Nele eu acredito!

Por isso, não quero perder a alegria do momento, preparando-me para a responsabilidade que espreita.

Missão é de Deus. Missão sou eu. Missão és tu! Todos somos missão! Juntos viveremos muitos meses de partir, de encontro, de amor e alegria no serviço…com a CRUZ que as obras de Deus comportam!

OBRIGADO SENHOR POR UM MÊS DE MISSÃO! OBRIGADO A TI, AMIGA, AMIGO EM MISSÃO!

CONTINUAMOS JUNTOS, UNIDOS EM MISSÃO!
P. Carlos A. Nunes, mccj 
Zâmbia

26 de agosto de 2019

VENCEMOS! VIVA A DEMOCRACIA!


As conversas cruzavam-se e misturavam-se na fila que se prolongava cada vez mais, até que uma voz se distinguiu claramente. «Hoje, 4 de Agosto, é um dia histórico para o Sudão: está a ser assinado o acordo constitucional pelas duas forças-líderes contendentes do governo, os militares e civis» – disse com voz nobre e segura.

Alguém pegou, espontânea e instintivamente, na palavra que tinha ficado no ar: «Já não é sem tempo, estamos atrasados mais de 30 anos por causa daquele que adulterou o seu próprio nome e tratou os sudaneses sem honra nem dignidade humana. Esse homem – El Bashir, (em árabe significa alegre notícia) – não merece tão lindo e expressivo nome. Por causa dele é que estamos nós a agora aqui a aguentar durante horas para levar um pouco de pão, miserável ração para tantas bocas a quem tenho que dar de comer lá em casa…»

Assim ia a conversa enquanto esperávamos na fila da padaria que ocupava e estorvava boa parte da rua. Eu sei que é inútil olhar para o relógio mas o hábito foi mais forte. E logo ouvi uma voz amigável que me sussurrou: «Khauaja, Estrangeiro, tu que vives neste nosso país, tens que ter paciência, como nós».

Entretanto, tocou o telemóvel: «… Abuna, Padre, temos sorte, tu e nós, pois a missa aqui é só à tardinha; caso contrário, não chegarias cá a tempo; só se eu tivesse que fazer a celebração da Palavra enquanto tu aguentasses aí na fila».

Quem falava era o catequista daquela povoação onde estava previsto eu ir celebrar a Eucaristia.

Inesperadamente, a nossa longa fila do pão foi invadida e um tanto descomposta pelo numeroso grupo de pessoas que vinha avançando. Dançavam de alegria, cantando palavras de ordem conhecidas da revolução, destacando, sobretudo, um refrão pela primeira vez: «Vencemos, viva a democracia! Vencemos, viva a democracia!».

Iam cantarolando e marcando o ritmo com as panelas, tachos e outros utensílios, novos em folha, que iam encontrando e que estavam à venda ao passar na rua do mercado.

Um senhor idoso a quem um jovem ofereceu um lugar mais à frente na fila suspirou: «Foi longa a espera. Suor, sangue e lágrimas misturaram-se em dias sem fim. Não me saem da memória os massacres bárbaros onde caíram tantos nossos mártires. Mas pelo que estamos a ouvir hoje, valeu a pena».

Do outro lado, na fila das mulheres, o eco respondeu: «Tantos sofrimentos para, finalmente, ver hoje o feliz resultado, a assinatura do acordo na constituição do governo. Pelo menos, no papel. É só um começo de outros sacrifícios que nos serão pedidos, aos sudaneses. Mas é muito importante que, desde o início, como hoje, se tente o futuro caminhando juntos».

Não longe de nós, ia aumentando a alegre vozearia. No meio daquela algazarra, uma voz sobressaía entre o cantarolar ritmado pelos utensílios de latas e alumínios: «El hamdu lillah, Graças a Deus, a cerimónia do acordo constitucional, neste momento, está a acontecer em Cartum».

Viam-se algumas pessoas, de facto, que acompanhavam, pelo telemóvel, o tão importante evento. E a mesma voz continuava: «Alf mabruk, Parabéns, caros compatriotas! Coragem, temos futuro!».

Distraído com a marcha da gente inebriada de alegria, vi, finalmente, que a fila das mulheres tinha terminado e a dos homens tinha diminuído bastante. Se tudo correr bem e a farinha não terminar, de aqui a pouco já estarei aviado, pensei com a alma a sorrir. E teremos pão em casa para hoje e amanhã.

Regressando a casa, passei pela bomba de combustível. Embora invisível aos meus olhos, eu sei que na longa e interminável fila dos carros está também o P. Luigi com a velha carrinha Toyota da missão. Mal de mim que se cumprisse na pessoa dele o conhecido provérbio «quem espera desespera». 

Certamente que o colega missionário, além da água e do rosário que sempre leva consigo terá, hoje, incluído também algum livro ou revistas e uma sandes. Porque a experiência é mestra na vida. Mas, para além de tudo disso, o P. Luigi também sabe – e é o mais importante – que «a paciência tudo alcança».
Feliz da Costa Martins
El Obeid, Sudão
4 Agosto 2019

6 de agosto de 2019

INFLUENCIADORA DE DEUS



O Papa publicou em março uma exortação apostólica dirigida aos jovens e a todo o povo de Deus. Chamou-lhe Christus vivit, Cristo vive! E diz aos jovens cristãos: «Ele vive e quer-te vivo». Porque Jesus veio para termos vida e vida em abundância (João 10, 10), vida para partilhar, para vivificar o nosso tempo tão morto de amor.

Francisco dedica meia dúzia de parágrafos a Maria, a jovem de Nazaré. Meio milhar de palavras sobre as quais quero reflectir convosco, porque nos ensinam muito.

O Papa chama Maria de «influenciadora de Deus», recuperando um discurso que fez em janeiro no Panamá durante as Jornadas Mundiais da Juventude.

Na vigília com os jovens disse: «a jovem de Nazaré não aparecia nas «redes sociais» de então; Ela não era um «influenciador» (influencer, em sentido digital) mas, sem querer nem procurá-lo, tornou-Se a mulher que maior influência teve na história».

Os influenciadores digitais são figuras públicas que conseguem influenciar comportamentos e opinião através dos conteúdos originais que publicam nas redes sociais (YouTube, Facebook, Instagram, Twitter…). Usam vídeos, fotos e textos.

As grandes marcas pagam fortunas para os influenciadores recomendarem os seus produtos. Os influenciadores cobrem todas as áreas da vida: da moda à alimentação, da beleza ao desporto, dos jogos digitais à mudança de comportamentos.

Maria, a influenciadora de Deus, não usa a net nem nos impõe padrões de consumo. Antes, ensina-nos o caminho do sim a Deus através dos sins da sua vida.

O Papa continuou com o discurso: «Poderíamos, com confiança de filhos, defini-La: Maria, a influenciadora [às ordens] de Deus. Com poucas palavras, teve a coragem de dizer «sim», confiando no amor, confiando nas promessas de Deus, que é a única força capaz de renovar, de fazer novas todas as coisas».

Nossa Senhora do Sim, ensina-nos a dizer sim ao amor como a força da vida na vontade de servir a todos, sobretudo aos mais necessitados.

Depois, arrematou a reflexão: «Maria embarcou no jogo e, por isso, é forte, é uma “influenciadora”, é a “influenciadora” de Deus! O “sim” e o desejo de servir foram mais fortes do que as dúvidas e dificuldades».

Sandra Amado, uma comboniana brasileira minha amiga, comentou que Maria é influenciadora porque «não teve medo nem reservas de se expor, mostrando a sua fragilidade. Então ficou livre para influenciar todos os que têm medo daquilo que outros pensem de si. É uma mulher de fibra».

O nº 44 da exortação apostólica é uma transcrição deste discurso.

Mas antes Francisco escreveu: «No coração da Igreja resplandece Maria. Ela é o grande modelo para uma Igreja jovem, que quer seguir Cristo com frescura e docilidade. Quando era muito jovem, recebeu o anúncio do anjo e não se coibiu de fazer perguntas. Contudo, tinha uma alma disponível e disse: “Eis a serva do Senhor”» (nº 43).

É esta mulher resplandecente que segue o Filho de Belém até Jerusalém, da manjedoura ao túmulo, e que com os discípulos se entrega à oração na sala de cima depois da Ressurreição, que celebramos e contemplamos para aprendermos também nós a sermos influenciadores dos nossos dias; sermos sal, luz e fermento num mundo que precisa de redenção para não cair no abismo do egoísmo globalizado que mata as pessoas e a natureza, que mata a vida!

A jovem de Nazaré sentiu-se perturbada, colocou questões, tirou dúvidas a limpo, fez perguntas, expressou perplexidades. Mas no fim disse com a força que lhe veio de Deus: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lucas 1, 38).

Maria segue Jesus com frescura e docilidade e coloca-nos nesse caminho se aprendermos dela e com ela a estar sempre prontos para ir ao encontro dos que precisam.

O relato da anunciação – ou da evangelização de Maria como os nossos irmãos ortodoxos lhe gostam de chamar – termina com uma frase breve mas tremenda: «E o anjo retirou-se de junto dela» (Lucas 1, 38).

Outra missionária amiga comentou: «na vocação há uma grande solidão». Há, se ficarmos apartados a gozar a mística do instante. Maria, essa pôs-se a caminho, apressada, fazendo frente aos perigos da montanha, urgente para ajudar Isabel.

A solidão cura-se no encontro com o outro, nas relações interpessoais. «O inferno não são os outros. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti», escreveu Valter Hugo Mãe em A Desumanização.

Francisco descreve o percurso de vida da Mãe do Céu num breve parágrafo: «Sem ceder a evasões nem a miragens, “ela soube acompanhar a dor do seu Filho [...], sustentá-lo com o seu olhar, abrigá-lo no coração. Dor essa que sofreu, mas que não a deixou resignada. Foi a mulher forte do ‘sim, que sustém e acompanha, protege e abraça». (nº 45).

Ela ensina-nos a sermos acompanhadores, cuidadores das dores de uns dos outros, lutadores contra a resignação ou a demissão, a dizer sim à vida, às suas alegrias e dificuldades.

E também é a acompanhadora, a cuidadora de cada um de nós «neste vale de lágrimas» que, com o seu abraço e a sua intercessão, se transforma em planície de alegria.

Tudo porque se escancarou ao Espírito Santo que a fecundou com a força do altíssimo. Por isso, Francisco a descreve como «a jovenzinha de olhos iluminados pelo Espírito Santo que contemplava a vida com fé e tudo guardava no seu coração de menina» (nº 46).

É este Espírito consolador que precisamos para fazer face aos dias que correm: aos medos do outro, do diferente que fecha o coração e não nos deixa ser solidários a ponto de menorizar a bondade e criminalizar o resgate de pessoas naufragadas no mar…

E para contemplarmos as maravilhas que Deus continua a fazer, a sua bondade presente na nossa história.

O Papa argentino termina a sua breve mas profunda reflexão sobre o modo como Maria nos influencia nos caminhos de Deus, encomendando-nos à sua protecção.

«Aquela jovenzinha, hoje, é a Mãe que vela pelos filhos, estes filhos que caminhamos pela vida muitas vezes cansados, carentes, mas querendo que a luz da esperança não se apague. É isso o que nós queremos: que a luz da esperança não se apague», escreve no (nº 48).

Sim! Somos filhas e filhos de Maria. Jesus deu-no-la como Mãe através do discípulo amado aos pés da Cruz (João 19, 26-27). Esse discípulo sem nome, que Jesus amava, é cada um de nós.

Neste mundo confuso, agitado, violento podemos estar cansados, carentes, mas queremos continuar a alimentar a luz da esperança que mantém vivo em nós o sonho de Deus de novos céus e nova terra, de um reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo, como Paulo explicou na carta que escreveu aos cristãos de Roma (14, 17).

O Papa remata: «A nossa Mãe olha este povo peregrino, povo de jovens querido por ela, que a procura fazendo silêncio no coração, mesmo que no caminho haja muito ruído, conversas e distrações. Contudo, diante dos olhos da Mãe só cabe o silêncio esperançado. E assim Maria ilumina de novo a nossa juventude».

É este silêncio esperançoso que escancaramos à Mãe de misericórdia que como no casamento de Canã, repete a cada um de nós: «Fazei o que Ele vos disser!» (João 2, 5).