15 de outubro de 2019

VIVE!



«Cristo vive e quer-te vivo!». Este é o tema que a Família Comboniana escolheu para as atividades conjuntas durante o corrente ano pastoral.

Esta voz de comando, este imperativo foi tirado do nº 1 da Exortação Apostólica Cristo vive que o Papa Francisco escreveu aos jovens e a todo o povo de Deus.

«CRISTO, NOSSA ESPERANÇA, ESTÁ VIVO e é a mais formosa juventude deste mundo. Tudo aquilo que Ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-

-se de vida. Então, as primeiras palavras que quero dirigir a cada um dos jovens cristãos são: Ele vive e quer-te vivo!», nota o romano pontífice.

A exortação Cristo vive é um pregão pascal dirigida aos jovens e a cada um de nós. O papa argentino escreve no nº 2: «Por mais que tu te afastes, lá está o Ressuscitado, chamando-te e esperando-te para recomeçar. Quando te sentires envelhecido pela tristeza, pelos rancores, pelos medos, pelas dúvidas ou pelos fracassos, Ele estará presente para te devolver a força e a esperança.»

A vida que vivemos, a vida de cada um é participação concreta e ativa na Vida do Senhor ressuscitado, o Vivente (Lucas 24, 5).

Jesus resume a sua missão nestes termos: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10, 10).

É desta abundância de vida que participamos no nosso quotidiano, é esta abundância de vida que partilhamos como discípulos missionários. A nascente encontra-se no lado aberto do Crucificado, no Espírito do Ressuscitado, na comunhão de dois ou três reunidos em seu nome, o «cenáculo de apóstolos» da mística comboniana.

Por isso, na seara, na vinha do Senhor não há desempregados nem reformados: há pessoas que, segundo a sua idade e a sua saúde, proclamam as maravilhas do Senhor de acordo com a sua condição.

O Salmo 92 recorda que «até os cabelos brancos continuam viçosos e hão de manter sempre a seiva e o vigor, para proclamar que o SENHOR é reto, é o meu rochedo e nele não há falsidade.»

É este o estado permanente de missão a que somos chamados a viver como discípulos missionários combonianos em Portugal, hoje, saindo das nossas zonas privadas de conforto e, como comunidades apostólicas, testemunhando a vida nova do Reino já presente dentro e entre nós: «reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Romanos 14, 17).

São Daniel Comboni, nosso Pai e Fundador, escreve ao primo no início do seu serviço missionário em Santa Cruz, hoje Sudão do Sul: «A nossa vida, a vida do missionário, é uma mistura de dor e gozo, de preocupações e esperanças, de sofrimentos e consolações. Trabalha-se com as mãos e com a cabeça, viaja-se a pé e em piroga, estuda-se, sua-se, sofre-se, goza-se: é isto o que de nós quer a Providência» (Escritos 314).

O Papa Francisco, nas vésperas início do Outubro Missionário Extraordinário, disse aos representantes dos Institutos Missionários nascidos na Itália: «o missionário precisa da alegria do Evangelho: sem ela não se faz missão, anuncia-se um Evangelho que não atrai. O núcleo da missão é esta atração de Cristo: é o único que atrai. Os homens e as mulheres de hoje, na Itália e no mundo, precisam de pessoas que tragam nos seus corações a alegria do Ressuscitado».

Por isso, repito o desafio que deixei no encerramento da Assembleia Provincial: não deixes que te roubem a alegria de seres comboniano.

Abraço-te com carinho e abençoo-te para que vivas no Vivente recordando que «a glória de Deus é o homem vivo» (Ireneu de Lião).

10 de outubro de 2019

DISPOSTOS A TUDO



 Quero enquadrar a minha reflexão na Solenidade de São Daniel Comboni com duas citações tiradas do vasto epistolário do nosso fundador como mensagem de fundo desta celebração. 

A primeira foi escrita no início do seu serviço missionário em Santa Cruz, no Sudão.

Numa carta ao pai com data de 5 de março de 1858, uns meros 20 dias depois de chegar entre os Dincas Kich, diz: «O missionário deve estar disposto a tudo: à alegria e à tristeza, à vida e à morte, ao abraço e à despedida. E a tudo isso estou disposto também eu» (Escritos 218).

A segunda foi escrita a 4 de outubro de 1881 – portanto, seis dias antes de morrer – ao P. José Sembianti, seu reitor em Verona. Diz: «Eu sou feliz na cruz, que levada de boa vontade por amor de Deus gera o triunfo e a vida eterna» (Escritos 7246).

A primeira citação ilustra bem a visão do nosso Pai para a sua missão: uma disponibilidade total, integral que inclui os binómios da alegria e da tristeza, da vida e da morte, do abraço e da despedida, que ele abraça durante toda a sua vida em modo heróico a ponto de ser canonizado.

Esta visão holística, que concebe a realidade como um todo em contraponto à fragmentação do viver, é fundamental para uma vida sadia, integrada, sem esquizofrenias nem bipolaridades.

Vai na linha do sermão que Comboni pregou a 11 de março de 1873 em Cartum quando tomou posse como provigário apostólico da África Central.

«Tende a certeza de que a minha alma vos corresponde com um amor ilimitado para todo o tempo e para todas as pessoas. Eu volto para o meio de vós para nunca mais deixar de ser vosso e totalmente consagrado para sempre ao vosso maior bem. O dia e a noite, o Sol e a chuva encontrar-me-ão igualmente e sempre disposto a atender as vossas necessidades espirituais; o rico e o pobre, o são e o doente, o jovem e o velho, o patrão e o servo terão sempre igual acesso ao meu coração. O vosso bem será o meu e as vossas penas serão também as minhas» (Escritos 3158), proclamou.

Este sermão inspirou gerações de missionários e continua a convocar-nos desde a Eternidade onde Comboni vive no seio de Deus-Pai.

A segunda citação é a última frase escrita por Daniel Comboni que temos. Por isso, sabe a testamento espiritual e remete-nos para o coração da espiritualidade cristã e comboniana: o mistério da cruz.

Comboni escreve: «Eu sou feliz na cruz, – e sublinha a palavra cruz – que levada de boa vontade por amor de Deus gera o triunfo e a vida eterna».

Esta citação leva-me ao capítulo 12 da Carta aos Hebreus. A Bíblia dos Capuchinhos traduz: «Tendo os olhos postos em Jesus, autor e consumador da fé. Ele, renunciando à alegria que lhe fora proposta, sofreu a cruz, desprezando a ignomínia, e sentou-se à direita do trono de Deus» (Hebreus 12, 2).

Detesto esta tradução, porque parece desvirtuar o texto grego. A tradução da Sociedade Bíblica de Portugal em português corrente é mais consensual: «Tenhamos os olhos postos em Jesus, de quem a nossa fé depende do princípio ao fim. Ele suportou a morte na cruz, sem se importar com a vergonha que nisso havia, sabendo a alegria que o esperava».

Jesus não renunciou à alegria. A alegria esperava-o e deu-lhe a força para viver o seu mistério pascal amando até ao fim com amor extremado.

A espiritualidade da cruz – tão forte na mística do nosso fundador – não é uma beatice piedosa do século XIX. É uma maneira concreta de entender e integrar a vulnerabilidade e o sofrimento que são parte da nossa vida e que tendemos a esconder.

Não é masoquismo, ter prazer em sofrer! É a capacidade para aceitar de boa vontade e por amor contrariedades, fragilidades, dificuldades, quedas e vulnerabilidades que não são desperdícios emocionais para jogar nos aterros sanitários dos interstícios das nossas entranhas.

São cruzes que podem gerar vitória e vida, se recicladas pela graça de Deus.

São Paulo notou com muita acutilância e visão teológica que «tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Romanos 8, 28). Daí a cruz – e as cruzes – ser fonte de felicidade, glória e vida para o nosso fundador e para cada um de nós.

A Igreja deu-nos uma porção do Capítulo 10 do Evangelho segundo São João – mais concretamente os versículos 11 a 16 – para celebrarmos a solenidade do nosso Fundador.

Ele foi um pastor segundo o coração de Cristo.

Jesus apresenta-se-nos como o pastor bom e belo que dá a vida pelas ovelhas.

Usa o verbo conhecer quatro vezes: Ele conhece as ovelhas e as ovelhas conhecem-no como Ele conhece o Pai e o Pai conhece-o.

É interessante notar que a relação com as ovelhas brota da relação com o Pai: o conhecimento mútuo das ovelhas nasce do conhecimento mútuo do Pai.

Um conhecimento que, mais que acumulação de informação, é relação, ternura.

No tempo de Jesus, Deus era sobretudo chamado Adonai, Senhor, a palavra-passe usada em vez de Yahweh, o inefável nome de Deus.

Jesus chama Abba – Papá a Deus: mantém uma relação filial, íntima. Daí vem a grande novidade e autoridade de Jesus que tanto impactou nos seus ouvintes.

Os Documentos Capitulares 2015 dizem a este respeito: «Nós somos discípulos de Jesus, chamados a realizar o seu projecto. Característica do discípulo é o encontro pessoal com o Bom Pastor e a escuta da sua voz, saboreando o seu amor e caminhando atrás d’Ele (Jo 10,1-21). Jesus chama-nos a viver e a promover vida plena para todos, conscientes de que trabalhamos num mundo em que forças poderosas levam por diante um plano de morte e destruição» (nº 2).

Esta citação remete-nos para o tema que nos guia este ano como família comboniana: «Cristo vive e quer-te vivo».

A Regra de Vida define o noviciado como «a primeira experiência profunda do modo de vida dos missionários combonianos e tem a finalidade de preparar o candidato para a consagração a Deus para o serviço missionário» (RV 92).

O Directório coloca alguns objectivos concretos: «aprofundamento da comunhão pessoal com Cristo; melhor compreensão da Palavra de Deus, da liturgia e dos sacramentos; equilíbrio entre acção e contemplação; aprofundamento da teologia dos votos e da sua incidência no crescimento humano-cristão da personalidade, para uma maior disponibilidade em ordem ao serviço missionário; experiência de vida comunitária; mais amplo conhecimento da vida e do carisma do Fundador e do Instituto, e estudo aprofundado das constituições» (RV 92. 3).

É este o trabalho que vos espera durante os próximos dois anos, queridos noviços. Um caderno de encargos bastante extenso, mas – estou seguro – que ides cumprir com alegria e dedicação.

Esta folha de serviço é expressão da mística comboniana do sair.

Os nossos irmãos maiores escreveram na mensagem para a celebração do Dia de Comboni que «partir é essencial para o nosso ser missionários, é abandonar o nosso espaço de segurança para renascer numa nova cultura, no seio de outra família humana com a qual partilhamos alegrias, dores e esperanças».

Invoco sobre cada um de vós o Espírito do Ressuscitado para que vos entregueis, de alma e coração, com generosidade e alegria, a esta etapa formativa fundamental para a construção da vossa identidade de discípulos missionários combonianos com a ajuda do mestre, da comunidade comboniana e da comunidade cristã do Jardim de Cima.

Que o Senhor abençoe os vossos intentos no início desta caminhada. Amen.

9 de outubro de 2019

PARTIR É ESSENCIAL



Roma, 10 de outubro de 2019
Festa de São Daniel Comboni

Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória,
é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!
(1 Coríntios 9, 16)

Mas o missionário confia na misericórdia de Deus e, disposto à luta,
parte para o campo de trabalho guiado pela esperança, que não o abandona nunca.
Entretanto, sopra sobre a embarcação um vento favorável e a viagem começa.
(Escritos 4946)

Caros Confrades, 

saudações e orações desde Roma.

Este mês de outubro está marcado por dois acontecimentos eclesiais muito significativos: o mês missionário extraordinário e o Sínodo especial para a Amazónia. Para nós, missionários combonianos, é também assinalado pela grata recordação do nosso Pai e Fundador, São Daniel Comboni. No dia 30 de setembro, como Conselho Geral, tivemos a graça de participar, juntamente com outros Institutos missionários de fundação italiana, numa audiência com o Papa Francisco, na qual fomos encorajados a viver a nossa missão evangelizadora com a mesma paixão e com a mesma coragem dos nossos fundadores. A vida de São Daniel Comboni roda sobre a urgência de levar o Evangelho ao coração da África. A sua espiritualidade e a sua antropologia estão enraizadas no Coração de Cristo, do qual nasce a profunda convicção do amor de Deus por toda a humanidade, especialmente pelos mais necessitados. São Daniel Comboni soube conjugar espiritualidade e missão de um modo formidável: vive aquilo em que acredita e consegue materializá-lo num projeto que apresenta a visão do Reino no contexto do seu tempo. 

Também nós, hoje, vivemos numa época de grandes perturbações, que nos apresenta muitos desafios, mas também muitas oportunidades para viver em plenitude a nossa vocação. Este é o tempo da graça que somos chamados a viver e que nos pede um comportamento de permanente conversão na fidelidade ao Evangelho. O Papa recordou-nos que a ação missionária só pode ser vivida numa relação de confiança com Jesus. Quando lemos os escritos de Comboni notamos que, apesar de todos os sofrimentos, ele sempre encontrou um enorme apoio na fé do Pai que jamais o abandonaria. Cada um de nós é chamado a encarnar, na sua vida, o carisma do qual somos testemunhas apesar dos nossos limites porque, quando nos deixamos curar na experiência do perdão do Pai, deixam de ser um obstáculo.

A vocação ad gentes, ad vitam, ad extra e ad pauperes é o sinal da nossa identidade dentro da Igreja, mas também para a sociedade em geral. Deixamos a família, a pátria, os amigos e a cultura por Cristo ressuscitado. Partir é essencial para o nosso ser missionários, é abandonar o nosso espaço de segurança para renascer numa nova cultura, no seio de outra família humana com a qual partilhamos alegrias, dores e esperanças. Viver com os outros povos deixa-nos numa situação de vulnerabilidade que é, ao mesmo tempo, testemunho de que a nossa escolha de vida é mantida pela fé e se manifesta na paixão pelo Reino. É ainda um convite ao povo de Deus a manter a consciência de que é continuamente um povo «em saída» para fazer da sua vida um dom para os outros.

Este ano celebramos o ano da inculturalidade e, de facto, o nosso Instituto está cada vez mais internacional, sinal do nosso desejo de crescer como fraternidade ao redor do Evangelho, como o queria Comboni. Viver em comunidades internacionais é uma autêntica escola de humanidade que nos ajuda a desenvolver novas aptidões, como a capacidade de relação, essencial para o anúncio do Evangelho. Os escritos do nosso fundador revelam a sua capacidade de construir pontes com todos os tipos de pessoas, independentemente do seu estado social ou da sua nacionalidade. O Plano para a Regeneração de África mostra-nos essa paixão pelos mais pequenos e a plena confiança nas pessoas como artífices da própria história e membros corresponsáveis da Igreja. O exemplo de Comboni ilumina-nos a viver como família intercultural em fraternidade, sinal de que Deus está presente no meio de nós.

Unimo-nos a todos vós pela intercessão de Maria, nossa Mãe e Estrela da Evangelização, e de São Daniel Comboni e vos desejamos uma boa festa.
O Conselho Geral

7 de outubro de 2019

MISSIONÁRIOS A VOAR



Não tem o feitio de contar os anos ao certo.
Mas já lá vão umas décadas
Desde quando se enamorou da missão,
Deixando tudo e partindo na mais bela e nobre aventura.
 
Não lhe importa que tenha que reduzir o peso da bagagem.
Porque o essencial não tem lugar em mala ou cacifo.
O Ressuscitado é parte da sua pessoa.
Leva-o no seu coração.
 
Pobre e titubeante, balbucia meias-palavras.
Porém, confiado, e orgulhoso
Por seguir a voz do Mestre Fiel
Ao jeito de S. Daniel Comboni.
 
Da janela do avião
Vai observando a constante infinitude pálida do deserto.
Na sua imaginação pululam multidões de gentes variadas.
Jovens e velhinhos, mulheres e crianças.
O povo que quer enxergar Deus
Na pessoa do missionário que chega.
 
No meio da multidão virtual que o rodeia
Surge, natural e espontâneo, o jovem Comboni.
Naquele então, há um século atrás,
Tinha alcançado, montado em camelo,
Estas terras de deserto escaldante.
Consumiu-se em larga sementeira
Com a vontade firme de servir fielmente a Deus.
Seu corpo entregou nas margens do Nilo, em Cartum.
Seu corpo, mas não a sua vida.
Ele está vivo com o Ressuscitado
E há-de viver para sempre nos seus seguidores.
 
Retirando o olhar da pequena janela
Achou-se companheiro de viagem,
Com alguém a seu lado, vestido de branco sem mancha: jalabia e turbante.
Recitava, devotamente, versos do Santo Alcorão.
Longe de mim, pensou o missionário, estorvar a sua oração.
Humildemente, preferiu o respeito e silêncio...
 
Todavia, momentos depois, ouviu a agradável saudação:
- Al salamu aleicum, a paz esteja contigo.
- Ua aleicum al salam, e contigo também.
Entraram em fácil e bela simpatia.
 
- Tenho pena mas ainda não sou capaz de usar fluentemente a tua bela língua árabe…
- Isso não é problema. Deus te ajude a realizar o teu sonho.
- In chá Allah (se Deus quiser).
Escavaram as suas identidades.
 
Acendeu-se uma polémica a não mais terminar.
Por fim, o Espírito mostrou o rosto alegre de Deus.
Afinal, não eram mal-intencionados. Inimigos… isso, então, muito menos.
Juntos, evidenciaram e desmascararam verdades adormecidas.
Deus, meu Criador.
Deus, teu Criador.
Deus, nosso Criador.
Deus, um só.
Somos família. Somos irmãos.
 
Dois livros sagrados se cruzaram,
Passando de mão para mão:
El kitab El muqaddas e El Qor’an El Karim,
A Bíblia e o Alcorão.
 
Dois ignotos viajantes que, com delicadeza e coragem,
Amaciaram as rugas da velhice, da suspeita e da ignorância.
Dois peregrinos, caminhando caminhos andados por seu pai Abraão.
Reconheceram-se evangelizadores de um só Deus e mesmo Senhor.
Sem antagonismos, nem fanatismos, sem outros ismos.
 
O avião aterrou em Cartum.
O missionário comboniano tinha chegado ao seu destino.
Depois de uma breve pausa, o missionário muçulmano continuaria rumo ao Sul: Juba.
 
Despediram-se com um desejo e uma promessa:
Falar com Deus.
Falar de Deus.
Escutar quem lhes fala de Deus.
Sem antagonismos. Sem fanatismos. Sem outros ismos.
  
                                                                Feliz da Costa Martins
                                                                               Missionário comboniano
El Obeid
Sudão

2 de outubro de 2019

VIAGEM 3 M



O Papa Francisco levou mensagem de paz à África Austral.

Não, Viagem 3 M não é nome de código: é apenas a indicação de que o Papa Francisco visitou entre 4 e 10 de Setembro três países da África Austral que começam por M: Moçambique, Madagáscar e Maurícia. As viagens apostólicas tinham em comum o tema da paz: em Moçambique, «Esperança, paz e reconciliação»; em Madagáscar, «Semeador de paz e esperança»; e na Maurícia, «Peregrino de paz».

E a paz, juntamente com a alegria, também estiveram presentes nos encontros do pontífice com os jovens. Em Maputo, o encontro foi inter-religioso: uma resposta às tensões alegadamente religiosas na província nortenha de Cabo Delgado? As populações têm sido chacinadas por grupos armados supostamente ligados ao extremismo islâmico, mas que alguns observadores dizem ser comandados por elites nacionais, a «guerra dos compadres».

O papa agradeceu aos jovens que enchiam o Estádio de Maxaquene, a primeira casa do Eusébio: «Obrigado por estarem aqui as diferentes confissões religiosas. Obrigado por vos animardes a viver o desafio da paz e a celebrá-la hoje como família que somos, incluindo aqueles que, não fazendo parte de nenhuma tradição religiosa, também estão a participar... Estais a fazer a experiência de que todos somos necessários: com as nossas diferenças, mas necessários. As nossas diferenças são necessárias.»

E instou os jovens a empenharem-se com a paz: «A paz é um processo que também vós sois chamados a fazer avançar, estendendo sempre as vossas mãos especialmente àqueles que estão a passar momentos difíceis.»

Francisco deixou um grande desafio aos jovens moçambicanos: «Não deixeis que vos roubem a alegria». Sublinhou que a alegria de viver é uma das características primeiras dos jovens, «alegria partilhada e celebrada que reconcilia e se torna o melhor antídoto capaz de desmentir todos aqueles que vos querem dividir – atenção àqueles que vos querem dividir! –, que vos querem fragmentar, que vos querem contrapor».

Em Madagáscar, o papa fez uma vigília de oração com os jovens em Antananarivo, a capital do país. Voltou a ligar juventude com alegria. Depois de notar «uma alegria e um entusiasmo extraordinários» nos jovens malgaxes, disse: «Vós sereis os construtores do futuro! Convido-vos a contribuir para ele como só vós podeis fazer com a alegria e o frescor da vossa fé.»

Em Maurícia, Francisco não se encontrou com os jovens. Contudo, na missa em Port Louis, falou deles: notou com tristeza que os jovens mauricianos continuam à margem do crescimento económico, desempregados e com futuro incerto. E sublinhou: «O impulso missionário tem um rosto jovem e capaz de fazer rejuvenescer. São precisamente os jovens que, pela sua vitalidade e dedicação, lhe podem dar a beleza e o frescor próprios da juventude, quando desafiam a comunidade cristã a renovar-se e nos convidam a partir para novos horizontes.»

A quarta viagem apostólica de Francisco à África foi um êxito e trouxe-nos a alegria exuberante das liturgias africanas, parentes apartados das nossas missas sisudas. Houve, contudo, um senão: a prometida visita ao Sudão do Sul foi adiada pela segunda vez por causa da insegurança. Começaram mesmo a construir o altar para a missa papal, que vai servir para a celebração do Centenário da Fé em Juba, a 1 de Novembro.