A morte de Mandela
revelou que o líder sul-africano continua a ser inspiração e luzeiro num mundo
que mais que nunca precisa de reconciliadores.
De Nelson Rolihlahla
Mandela entesouro uma memória especial: acompanhei através da TV a sua saída da
prisão a 11 de Fevereiro 1990 – em 1964 tinha sido condenado a prisão perpétua
por sabotagem – e surpreendeu-me a magnanimidade com que caminhava para a
liberdade e o resplendor de paz que irradiava, de quem estava de bem com a vida
e com os seus carcereiros. Tinha passado 18 anos na prisão da ilha de Robben,
desde 13 de Junho de 1964, literalmente a partir pedra, e os maus tratos
provocaram-lhe uma doença pulmonar que acabou por o matar. Em 1982, Mandela foi
transferido para a prisão de Pollsmoor e em 1988 para a Prisão de Victor
Verster, de onde foi libertado.
Mandela, de fundador
do braço armado do ANC, o Congresso Nacional Africano, evoluiu para
reconciliador nacional. Aos 16 anos, durante a iniciação tradicional xhosa,
recebeu o nome de Dalibhunga, «criador ou fundador da conciliação, do diálogo».
Depois da sua libertação em 1990 até à eleição como primeiro presidente negro
sul-africano em 1994, Mandela fez jus aos nome de adulto, segurou a maioria
negra da vingança e evitou uma guerra civil sangrenta apesar das provocações
dos supremacistas brancos que tentavam descarrilar as negociações entre o
regime de Pretória e os dirigentes negros com assassínios mediáticos.
Quando Mandela
faleceu a 5 de Dezembro de 2013, aos 96 anos, depois de doença prolongada, os
tributos não se fizeram esperar. O Papa Francisco louvou «o compromisso
permanente na promoção da dignidade humana para todos os cidadãos da nação e no
forjar uma nova África do Sul construída nos alicerces firmes da não-violência,
reconciliação e verdade».
Os bispos católicos
da África do Sul, por seu turno, expressaram «a gratidão pelo sacrifício que
fez por todas as pessoas da África do Sul e pela liderança e inspiração que ele
deu em nos guiar no caminho da reconciliação».
Durante o memorial no
Estádio FNB de Soweto, onde se destacava uma bandeira portuguesa entra a
multidão que desafiava a chuva grossa – sinal de bênção na cultura
sul-africana, Barack Obama disse que Mandela continua «a mostrar-nos que o
impossível só é impossível até ser concretizado. Ele ensinou-nos que podemos
escolher o mundo em que vivemos». O primeiro-ministro britânico, David Cameron,
confessou-se tocado «pela sua graça e perdão». O presidente Jacob Zuma disse
que «a África do Sul perdeu o seu maior filho». Um jovem anónimo foi mais
longe: «Tata – pai em xhosa – é um segundo Jesus para nós.»
Mandela costumava
dizer: «Eu sou o mestre do meu destino, o capitão da minha alma», citando um
poema de William Ernest Henley. Ele explicou que ao conseguir ultrapassar o
complexo de inferioridade dos negros da África do Sul, também ajudou os brancos
a irem além do seu complexo de superioridade para todos formarem a nação
arco-íris. «Eu aprendi que a coragem não era ausência de medo, mas o triunfo
sobre isso. O homem valente não é quem não sente medo, mas o que conquista esse
medo.»
Madiba passou a vida
a juntar gentes. Em 2007, fundou o Grupo dos Anciãos, com um número de
ex-chefes de Estado e líderes mundiais independentes para usarem a sua
experiência na promoção da paz e dos direitos humanos. A morte deste
reconciliador incansável juntou quase uma centena de estadistas. E levou o
presidente Barack Obama a cumprimentar pela primeira vez o chefe cubano Raúl
Castro em público e Winnie Mandela, a ex-esposa, a beijar Graça Machel, a
viúva.
Mandela conseguiu a
união política e a reconciliação da África do Sul pondo termo a um regime que
segregava as pessoas de acordo com a percentagem de melanina presente nas suas
peles. Na economia, contudo, dois terços dos jovens negros com menos de 35 anos
continuam no desemprego e perdidos na violência urbana, enquanto os dirigentes
políticos usam e abusam dos bens públicos para fins privados. A libertação
económica da maioria negra é ainda uma miragem.
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