Salva Kiir Mayardit | Riek Machar Teny
O Sudão do Sul voltou
a descer aos infernos da guerra depois de oito anos de paz: 700 mil deslocados
e mais de dez mil mortos é o resultado de uma luta pelo poder com contornos
étnicos.
Diz um ditado
africano que quando dois elefantes lutam, o capim é que sofre. Esta era a
triste realidade dos sul-sudaneses no virar de ano. A violência estalou a 15 de
Dezembro em Juba quando soldados das etnias Dinca e Nuer, da Guarda
Republicana, se envolveram em confrontos violentos. O conflito galgou os
quartéis e transformou-se numa verdadeira caça ao nuer nos bairros populares da
capital. De Juba, a violência étnica alastrou a três Estados com populações
mistas de dincas e nueres, os dois grupos étnicos maioritários no Sudão do Sul
com um historial de confrontos, incluindo a chacina de 2000 dincas por milícias
nueres em 1991, em Bor, a capital de Jonglei.
O rastilho da
violência começou a arder em Fevereiro de 2013 durante uma reunião do Bureau
Político do SPLM, o partido que detém o poder no Sudão do Sul desde a
assinatura de paz com o Sudão, em Janeiro de 2005. Da agenda constava a
discussão da Constituição, Programa, Código de Disciplina e Regras e
Regulamentos do partido. Mas tudo mudou quando o vice-presidente, Riek Machar,
o secretário-geral, Pagam Amum, e Rebecca Nyandeng, viúva de John Garang, o
fundador do partido, disseram que iam disputar a liderança do SPLM na Convenção
Nacional de Maio. Os pretendentes estavam convencidos, como a maioria dos
analistas, que o presidente Salva Kiir, uma personalidade cinzenta, não ia
concorrer às eleições de 2015. Mas Kiir, talvez mal aconselhado pelo círculo de
interesses que se move à sua volta, decidiu manter-se no poder e começou a
manobrar para acantonar os históricos do partido que contestavam a linha
autoritária que estava a impor ao SPLM. Em finais de Julho, demitiu o Governo
em bloco e destituiu o vice-presidente Machar, que durante a guerra civil tinha
alinhado por algum tempo com Cartum depois de um desacordo com Garang.
Kiir também destituiu
os órgãos políticos do partido alegando que a sua validade tinha caducado com o
adiamento da Convenção Nacional. Entretanto, convocou o Conselho de Libertação
Nacional em meados de Dezembro, passando por cima do Bureau Político que
estatutariamente é o órgão que prepara a agenda do Conselho.
Os confrontos entre
tropas dincas e nueres da Guarda Republicana aconteceram no final do Conselho,
a 15 de Dezembro. Para a maioria dos analistas, tratou-se de uma rixa entre
soldados por causa de uma ordem de desarmamento dada pelo presidente. Kiir
apareceu na TV vestido de general – apesar de ter deixado as Forças Armadas
para se candidatar à presidência em 2010 – e acusou Machar de ter tentado
derrubá-lo com o apoio de uma dúzia de ex-ministros e outras figuras cimeiras
do SPLM, usando a oportunidade para mandar prender os históricos que lhe faziam
sombra.
Os confrontos
alastraram-se a mais três Estados numa deriva étnica entre Nueres e Dincas, que
para o bispo católico Paride Taban, vice-presidente da Comissão Nacional de
Reconciliação, são tribos primas e vizinhas, instrumentalizadas pelos
políticos. Os confrontos registam já dez mil mortos.
A Igreja e a comunidade
internacional foram rápidas a exigir a Kiir e Machar que abandonassem a via da
violência e remetessem a luta pelo poder para dentro dos órgãos do partido. A
Missão da ONU para o Sudão do Sul dobrou o número de capacetes azuis de seis
para 12 mil para proteger os cerca de 700 mil civis, deslocados internos, que
se refugiaram nas bases da missão, nos adros das igrejas, nas ilhas do Nilo
Branco e nos Estados e países vizinhos.
O
processo nacional de reconciliação pós-independência, já de si muito complicado,
encontrou agora novas dificuldades que vão adiar ainda mais a construção de uma
identidade nacional supratribal. E o espectro de uma guerra civil paira sobre o
Sudão do Sul, três anos depois da independência.
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