O diretor da revista Além-Mar enviou um
questionário a alguns combonianos a trabalhar em África para um especial sobre
a Igreja no continente a publicar no número de Outubro.
Deixo aqui as minhas respostas.
DESAFIOS
O Sudão do Sul enfrenta uma série importante
de questões.
Antes de mais tem que se construir como estado
independente, democrático e funcional a partir do zero: não há indústria para
além de uma cervejeira, algumas engarrafadoras de água e muitos hotéis.
Salva-se a produção do petróleo que está pela
primeira vez sob o controlo do estado mas que precisa da infra-estrutura do
Sudão para colocar o crude nos mercados internacionais.
A agricultura está completamente parada. O
país vive do que importa. E a economia está muito inflacionada.
Educação e saúde não funcionam direito. A rede
de estradas é muito pobre.
Depois há a corrupção oficial, o nepotismo e o
tribalismo.
Há também que construir a ideia de nação e a
identidade de nacionalidade: as pessoas não estão habituadas a ver pare além do
grupo étnico a que pertencem.
Há ainda o problema da partilha do poder que
neste momento está nas mãos de uma elite, sobretudo da tribo dinca.
IGREJA
A Igreja está ainda a ajustar-se à nova
realidade da paz. Foi muito activa na guerra mas perdeu-se depois na paz. O
arcebispo de Juba disse que a Igreja não devia pôr-se ao lado das questões
nacionais como aconteceu na África do Sul depois do fim do apartheid. Que devia
redimir as instituições governamentais.
Também disse que os bispos que conduziram a
Igreja durante a guerra deviam passar o testemunho a uma nova geração para
levar a Igreja por diante no tempo da paz!
Houve actividades pontuais de grande alcance como
a preparação para as eleições, referendo e independência com um plano pastoral
bem conseguido e executado a nível nacional misturando oração, celebrações
litúrgicas e formação cívica.
Há também alguma participação com outras
igrejas sob a coordenação do Conselho das Igrejas do Sudão, mas os bispos
querem rever o seu papel no organismo ecuménico.
Padres e bispos fazem homilias muito críticas,
mas a corrupção que afecta o governo também afecta a Igreja, embora numa escala
muito menor.
ABERTURA
Os povos do Sudão do Sul têm uma grande
abertura ao Evangelho e um espírito ecuménico muito forte. Também são muito
tolerantes porque numa família pode haver católicos, protestantes, muçulmanos e
seguidores das tradições africanas.
Os jovens aderem muito e bem a actividades
eclesiais sobretudo através dos acólitos, bailarinos litúrgicos, coros e grupos
como os YCS (Young Christian Students) que se reúnem nas escolas secundárias
para rezarem o Evangelho e organizar algumas actividades sócio-caritativas.
METODOLOGIA
Neste momento a pastoral que se pratica no
Sudão do Sul é muito tradicional, sacramentalista e completamente desenraizada
das grandes questões do país. Há pouca formação para leigos, catecismo para
crianças e jovens. Os padres não são muito criativos: ainda usam os mesmos esquemas
pastorais do tempo da guerra em que eram sobretudo uma igreja de resistência.
Em Juba, Palica (Centro de pastoral, liturgia
e catequese) está paralisado. Havia uma escola de teologia para leigos que fechou.
O Conselho pastoral limita-se a uma assembleia cada dois anos.
ALEGRIAS E DIFICULDADES
O que me dá mais satisfação é o feed back da
comunidade durante a missa dominical. Algumas pessoas chegam a telefonar para
comentarem a homilia.
A maior dificuldade que sinto é aceitar o
estilo de liderança de muitos bispos e padres: comportam-se mais como chefes
tradicionais que como líderes eclesiais. Há alguma corrupção e secretismo na
administração e falta de respostas aos desafios concretos que as comunidades
cristãs vivem. Alguns padres têm filhos, porque a pressão social para que gerem
prole é muito grande.
Como jornalista, dá-me uma satisfação especial
ser capaz de poder abordar os assuntos que acho pertinentes como os direitos
humanos, da mulher e da criança, corrupção, má governação, questões de
ecologia, economia, cultura, novas formas de ser igreja … É uma maneira de
expor as pessoas a realidades diferentes bem ao jeito africano: a notícia via rádio
é uma forma de tradição oral, de contar as histórias que fazem o Sudão do Sul
de hoje e dos países vizinhos.
FUTURO
A Igreja tem um grande futuro no Sudão do Sul porque
os Sulistas amam a Igreja e são gente de uma enorme fé: aguentaram quase 50
anos de guerras e humilhações porque sabiam que o Senhor estava com eles.
Tiraram da fé a consistência e a constância para seguirem em frente e
conseguirem a independência.
O futuro da missão passa pela capacidade de
recursos para atender aos grandes desafios: uma grande parte do Sudão do Sul,
sobretudo sob a diocese de Malakal, está completamente abandonada.
O desafio maior é deixar missões mais ou menos
estabelecidas e começar de novo sobretudo junto à fronteira com a Etiópia, onde
as pessoas vivem completamente à margem do país em actos constantes de
violência e retaliação.
O velho bispo de Torit Dom Paride Taban
disse-me que a gente de Jonglei Oriental conseguirá ultrapassar os conflitos
inter-étnicos por causa do gado que tem feito milhares de vítimas através da
educação e do desenvolvimento e de uma presença mais sólida da Igreja.
Os missionários têm que ter um papel mais qualificado
na formação permanente de seminaristas, padres, religiosos e grupos eclesiais.
Há dioceses que têm padres suficientes para as suas necessidades, mas precisam
de formação.
Vejo a nossa presença cada vez mais como um
contributo especializado para a Igreja local para crescer e ser mais católica e
missionária. A animação missionária devia ser parte do serviço missionário que
prestamos à Igreja local.
Os bispos esperam dos missionários e dos
religiosos um trabalho bem feito e barato se não puder ser mesmo de graça. Como
têm problemas em questões de administração continuam a pedir aos missionários e
religiosos – sobretudo estrangeiros – que aceitem esse papel! A conferência
episcopal e algumas dioceses estão na banca rota devido a administrações
desastrosas e nada transparentes.
Os missionários devem introduzir a Igreja local à Doutrina Social da
Igreja e fomentar a prática da justiça, paz e reconciliação dando seguimento à
mensagem do Segundo Sínodo dos Bispos para a África.
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