Os Egípcios voltaram
às ruas para reclamar a revolução sequestrada pelos salafitas radicais da
Irmandade Muçulmana. Sopram ventos de guerra civil.
Os egípcios
moderados, religiosos e seculares, aproveitaram a celebração do primeiro ano do
consulado do presidente Mohamed Morsi para protestar contra a direcção imposta
pelos islamitas da Irmandade Muçulmana e reclamar a democratização do país.
Morsi foi eleito
presidente a 30 de Junho de 2012, depois do derrube de Hosni Mubarak em
Fevereiro de 2011. Prometeu democracia, crescimento económico e justiça social.
Num ano, os cerca de 84 milhões de egípcios experimentaram o agravar da crise
económica com falta de combustíveis e pão e a intolerância política e religiosa
imposta pelos sunitas radicais. Milhares de pessoas reocuparam a mítica praça
cairota de Tahrir e outras cidades do país a exigir mudanças. Os adeptos de
Morsi acamparam na Praça de Raba’a, no bairro de Nasr City, para apoiar o
regime salafita. O país entrou numa escalada política perigosa e os militares
deram 48 horas ao presidente para restaurar a ordem. Morsi foi deposto a 3 de
Julho e o seu governo substituído pela Frente de Salvação Nacional, uma aliança
de partidos liberais e de esquerda, da Igreja e muçulmanos moderados, um governo
de transição encarregado de rever a Constituição aprovada pelo partido de Morsi
e preparar eleições parlamentares e presidenciais.
Os adeptos de Morsi
não aceitaram o que consideram um golpe de Estado militar e até meados de
Agosto cerca de mil pessoas tinham sido mortas em confrontos violentos entre
adeptos e opositores de Morsi e forças da ordem. Este número inclui as cerca de
700 pessoas mortas durante a avançada do exército contra os acampamentos
pró-Morsi. O presidente deposto encontra-se detido com uma dúzia de membros do
seu governo em local secreto.
Nestes dois meses, o
Egipto tem vivido momentos de instabilidade e uma transição dolorosa e perigosa
marcada pelo medo, ansiedade e incerteza na análise de Paul Anis, o dirigente
dos Combonianos no país. Ele disse-me que a sublevação de uma parte da
população muçulmana marca claramente a rejeição do radicalismo islâmico imposto
pela Irmandade Muçulmana, que quer estabelecer uma «Umma», ou comunidade
islâmica unindo todos os países árabes.
Os Estados Unidos e
Israel também sofreram um revés na sua política geoestratégica porque queriam
utilizar os sunitas radicais do Egipto para isolar ainda mais o regime xiita de
Teerão, que já perdeu o apoio da Líbia e corre o risco de perder o da Síria.
Aliás, parece que Morsi tinha negociado um plano para mover os palestinos de
Gaza para uma parte da península do Sinai e deixar a faixa para Israel.
O Hamas foi outro
perdedor porque estava a ser fortemente apoiado pelos aliados da Irmandade com
combustíveis, materiais de construção e outros bens a baixo preço. Recentemente
foram descobertos oito túneis entre o Sinai e Gaza que seriam usados para
passar os bens para a Faixa de Gaza.
Agora, os egípcios
moderados recuperaram o controlo da sua revolução e as igrejas também assumiram
um papel mais activo e visível. O novo papa copta, Tawadros II, integrou a
coligação de elementos civis e religiosos que apresentou o itinerário para o
futuro político do país, ao contrário do Papa Chenuda, que esteve sempre do
lado de Mubarak durante a primeira primavera egípcia em 2011. O Papa Tawadros
também estabeleceu uma plataforma para discutir a situação do país aberta a
todos os actores políticos, religiosos e sociais.
Entretanto, a
sociedade egípcia está cada vez mais dividida. Tanto os Estados Unidos como a
União Europeia, cujos enviados especiais se encontraram recentemente com o
presidente deposto, pediram aos apoiantes de Morsi que «engulam a realidade» do
seu destronamento, mas os protestos continuaram por Agosto adentro.
O que o Egipto
precisa é de estabilidade política e segurança para atrair turistas e
investimento e relançar a economia. Os milhares de milhões de dólares que a
Arábia Saudita, Qatar e outros países árabes injectaram na economia em Julho
não duram muito. E os muçulmanos radicais e moderados têm de voltar à mesa do
diálogo para exorcizarem os demónios da guerra civil e retomar a coexistência
pacífica milenar.
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