5 de junho de 2022

DIZER DEUS


As culturas orais tradicionais falam de Deus usando estórias, narrativas, lendas e mitos fundacionais em vez de um discurso teórico teológico e dogmático.

Os Gujis do Sul da Etiópia têm uma lenda muito interessante para definir Deus.

Contam que no princípio Deus — Waaqa — amava tanto a terra que quase lhe tocava com a barriga. E fertilizava-a com a chuva diária.

Ora, a mula, farta de trazer o lombo molhado, um dia deu um coice na barriga de Deus.

Deus ficou muito zangado e amaldiçoou-a: «A partir de agora vais ficar estéril! Não vais emprenhar e parir mais!»

Depois, Deus foi para muito longe!

Mas continua a amar a terra e a fertilizá-la com a chuva. E usa os pássaros quando quer enviar mensagens aos humanos.

Por isso, antes de qualquer grande decisão — desde o programar de um casamento ao cultivo dos campos — perscrutam o voo dos pássaros no horizonte ao cair da tarde para discernir a vontade de Deus.

Chamam-lhe ver o kaayo, o agouro, o augúrio, o presságio.

Os mitos fundacionais também explicam a organização social.

Segundo os gujis, Deus criou os primeiros três homens onde é hoje a cidade de Adola junto à ooda, a grande árvore sagrada dos oromos.

Chamou Urago ao primeiro guji; Darasso ao primeiro guedeo; Amaro ao primeiro amara.

Deus deu a terra a Urago e fez de Darasso seu escravo. Quanto a Amaro, disse que viveria aldrabando os outros.

Deus é invocado nas orações tradicionais gujis como Pai e Mãe, Avô e Avó, Bisavô, que nos pariu. O nosso antepassado comum, que nos irmana na grande família humana.

Um guji não diz que Deus é omnisciente. Mas explica que os olhos de Deus são como o fundo de uma garrafa e os seus ouvidos tão grandes como uma janela.

Os provérbios também falam de Deus.

Cito dois: o silêncio é o lugar que Deus atravessa; o desejo não enche o curral, mas Deus enche-o.

Numa teologia oral que afasta Deus do quotidiano das pessoas, anunciar que Ele se chama Emanuel, que é Deus-connosco, que não fala no voo dos pássaros mas é Palavra na Bíblia e no coração do crente é verdadeiramente boa-nova.

Os gujis trazem Deus sempre na boca. O desafio que o missionário enfrenta é anunciar-lhes o Deus-Pai de Jesus já presente na sua cultura, nas suas tradições, na sua sabedoria milenar.

Este método evangelizador chama-se inculturação: dizer Deus usando a linguagem teológica e simbólica hospedeiras até ao limite.

Exige um estudo aturado da língua e da cultura locais.

Um trabalho que os missionários estrangeiros iniciamos, mas que é continuado e aprofundado pelos cristãos nativos.

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