Um vídeo medíocre e insano ameaça transformar o sonho de
liberdade e democracia da Primavera Norte-Africana no Outono do fundamentalismo
religioso violento e irracional.
A 11 de Setembro – uma data carregada de tensões
contraditórias – um tal Sam Bacile (pseudónimo de um egípcio copta residente
nos Estados Unidos, que contou com o apoio de um pastor norte-americano que
defende a queima sistemática de exemplares do Alcorão) decidiu colocar no You
Tube, uma rede social de partilha de vídeos na internet, 14 minutos do seu
filme «Innocence of Muslims» (Inocência dos Muçulmanos), uma paródia barata,
mas extremamente ofensiva e provocadora, sobre Maomé, o profeta do Islão.
A reação da comunidade islâmica foi imediata: manifestantes
vieram para as ruas do Cairo (Egito) e Benghazi (Líbia) em protesto violento
contra o vídeo infame. Em Benghazi, milícias do grupo radical Ansar al-Sharia
(Soldados da Lei Islâmica) atacaram o consulado norte-americano e mataram o
embaixador Chris Stevens e mais três diplomatas, numa acção militar bem
planeada que tirou partido da ira da multidão.
As manifestações violentas alastraram a Sana (Iémen), Tunes
(Tunísia) e Trípoli (Líbia), cenários da Primavera Norte-Africana. Os protestos
também se tornaram violentos em Cartum (Sudão), visando as embaixadas da
Inglaterra e da Alemanha. Alguns manifestantes foram mortos e houve
propriedades destruídas.
O primeiro-ministro
egípcio Hisham Qandil anunciou que alguns dos manifestantes presos durante as
manifestações no Cairo confessaram que foram pagos para causar distúrbios. O
ex-presidente nigeriano Olusegun Obasanjo disse que o assalto ao consulado
norte-americano de Banghazi foi uma consequência do derrube violento do coronel
Kadhafi pela aliança internacional. E explicou que a queda do dirigente líbio
dispersou grupos radicais que estão a causar problemas no Mali, na Nigéria e
noutros países. O ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, por seu turno afirmou
que a aliança internacional não planeou o período pós-Kadhafi a longo termo e
os distúrbios foram uma consequência.
Mas parece que alguns dirigentes norte-africanos
aproveitaram a onda de descontentamento causada pelo vídeo contra Maomé para
redirecionar os protestos da nação islâmica: a nova classe dirigente na
Tunísia, Egito, Iémen e Líbia sequestrou a revolução e usa o fundamentalismo
religioso como cortina de fumo para lidar com a frustração das multidões que
esperavam mais e melhor da Primavera Norte-Africana.
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