5 de junho de 2012
MULTIPLICAI-VOS
Em meados de Abril, o presidente Jacob Zuma da África do Sul (na foto com uma das esposas) casou-se pela sexta vez com aquela que é agora a sua quarta esposa – uma faleceu e outra divorciou-se. O acontecimento provocou uma polémica global sobre a prática da poligamia. Destaco duas preocupações: a poligamia favorece a transmissão da sida e o presidente poderia estar a usar o erário público para financiar uma tradição cultural zulu. Reconheço que tendia a encarar a questão da poligamia como uma forma de promiscuidade sexual até me encontrar a viver no seio de uma etnia que pratica a poligamia e descobrir que a questão era muito mais vasta.
A prática da poligamia tem de ser enquadrada no grande culto africano da fertilidade, que aliás o papa elogia, quando escreve na sua exortação apostólica Africae Munus que «a África mantém a sua alegria de viver, de celebrar a vida que provém do Criador no acolhimento dos nascituros para aumentar a família e a comunidade humana». Vivendo com os Gujis do Sul da Etiópia, descobri que um marido tomava diversas esposas para poder deixar uma vasta descendência – o seu orgulho – e partilhar os cuidados de que as suas cabeças de gado, a fonte de sustento de todos, carecem: quando as vacas ultrapassavam um certo número, a manada era dividida em duas e o marido assumia uma segunda mulher para cuidar de metade.
Aliás, fui actor de alguns episódios que ilustram esta atitude bem africana que enaltece a procriação: um pastor protestante acusou-me de não acreditar na Bíblia porque Deus ordenou «crescei e multiplicai-vos» e, como eu não tinha filhos, era por isso um falso abba (pai), que também significa padre em guji; Mengexá, o catequista-chefe em Haro Wato, teve uma longa conversa para me convencer a fazer um filho porque estava a envelhecer e não podia morrer sem descendência; alguns protestantes puseram a circular um boato na aldeia onde vivia, segundo o qual as missionárias e missionários católicos estavam condenados a ir para o Inferno por serem estéreis.
A poligamia coloca sérios problemas à evangelização. A tradição católica exige que um polígamo abandone todas as esposas menos uma antes de receber o baptismo. Entre os Gujis, uma mulher adulta, a fim de conseguir sobreviver sem marido, normalmente tinha de recorrer à prostituição. Por essa razão a equipa apostólica de Haro Wato decidiu não baptizar polígamos excepto em caso de perigo de morte: a salvação de um não podia custar a maldição de outras. Parece que a Igreja original tinha uma atitude mais aberta em relação à poligamia. Paulo escreve a Timóteo na Primeira Carta que o candidato a bispo tem de ser «marido de uma só mulher». Esta norma dá a entender que havia maridos de várias mulheres entre as primeiras comunidades cristãs. Aliás, a Igreja Luterana, baseando-se neste excerto, admite baptizar um marido polígamo com todas as suas esposas se elas quiserem abraçar a fé. Talvez esta atitude pastoral esteja mais próxima da prática original da comunidade cristã.
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