© JVieira
Eram 13h19 quando o
presidente da Assembleia do Sudão do Sul começou a ler a declaração de
independência. O texto de nove pontos tinha sido aprovado na quinta-feira pela
assembleia e levou doze minutos a ler.
Quando James Wani Igga,
usando uma veste branca africana, pronunciou as palavras mágicas «Declaro o Sudão
do Sul independente» a multidão que apinhava o recinto junto ao túmulo do Dr.
John Garang desde as oito da manhã a aturar um sol inclemente, irrompeu numa
exclamação de júbilo misturando gritos de alegria com lágrimas, palmas e
tambores.
A cerimónia tinha
começado com um momento de oração liderado pelo arcebispo católico de Juba, Dom
Paolino Likudu Loro, e por um imã, líder religioso muçulmano. Alguém comentou
ao meu lado que era a última vez que os muçulmanos tinham voz nas cerimónias
oficiais.
Antes, contudo, foi
preciso acomodar milhares de convidados numa bancada que se mostrou pequena de
mais a ponto de um ministro ter pedido às individualidades sul-sudanesas para
darem lugar aos convidados estrangeiros.
A declaração de
independência começou com mais de hora e meia de atraso, mas é normal: aqui
chamamos-lhe tempo local!
Na secção dos jornalistas
também houve muitos encontrões e puxa para aí dos seguranças que teimavam em dificultar
o nosso trabalho. Um colega local comentou: Esta é a primeira amostra de como
vai funcionar a nova república. Espero bem que não.
Depois da declaração da
independência, a bandeira do Sudão foi baixada e a do Sudão do Sul hasteada,
seguindo-se o entoar do hino nacional.
O presidente Salva Kiir
Mayardit assinou a Constituição Transicional e prestou juramento como primeiro
presidente da república do Sudão do Sul.
Passou-se então à secção
dos discursos: treze! O presidente do Quénia abriu a sessão e o presidente Kiir
encerrou-a. Alguns países declararam o reconhecimento oficial da República do
Sudão do Sul – Cartum fê-lo na sexta à noite para ser o primeiro; o Reino Unido
anunciou que ganhou a corrida ao estabelecer a primeira embaixada em Juba e ter
nomeado o respectivo embaixador; a Noruega deu como prenda de nascimento ao
Sudão do Sul um Arquivo Nacional. Em boa hora o fez, porque os documentos
históricos encontram-se amontoados numa enorme tenda à mercê dos ratos, das
térmitas, do pó e da humidade.
O presidente Omar al
Bashir pregou sobre boa vizinhança e paz enquanto Kiir falou da luta contra a
corrupção e do desenvolvimento da nova república.
A cerimónia terminou com
uma salva de 21 tiros e a passagem de quatro helicópteros em formação.
Depois, o São Pedro
também quis participar com chuva e trovoada no final do programa.
A celebração, essa tinha começado
depois das nove da noite do dia 8 com milhares de pessoas nas ruas a pé, de carro
ou de motorizada a buzinar, cantar, dançar, bater bombos e chapas e a atirar
água e fogo de artifício. À meia-noite ouviu-se um grito de regozijo por toda a
cidade e perto da minha casa alguém pôs a tocar o hino nacional.
Hoje a cidade acordou
tarde e tranquila. Havia dois acontecimentos em agenda: a missa de ação de
graças presidida pelo arcebispo de Nairobi – Quénia, Cardeal John Njue, que representou
o Papa na proclamação da independência e um jogo de futebol entre a seleção do
Sudão do Sul e o Tasker FC, uma equipa da primeira divisão de uma das duas
ligas do Quénia, para inaugurar o
renovado estádio de Juba.
O Cardeal Njue leu uma
mensagem em que a Santa Sé reconhecia a República do Sudão do Sul e o Arcebispo
Lukudu pediu uma nunciatura para Juba. A missa demorou três horas e contou com
a presença de inúmeros fiéis, do presidente da Assembleia, alguns ministros e
deputados.
Na partida de futebol, a
seleção local perdeu por três a um, depois de estar a empatar a uma bola ao
entrevalo!
Amanhã os festejos
encerram com uma partida de basquetebol entre o Sudão do Sul e do Uganda.
As festas passarem sem
incidentes de maior e as pessoas viveram estes dois dias de uma forma impressionante
de euforia incontida. Perguntei a muita gente como se sentiam. As respostas
eram as mesmas: Não tenho palavras; Estou imensamente feliz; Estou muito
alegre; Conseguimos.
Agora que o pó da festa
vai assentar é preciso deitar mãos à obra. Um bispo americano sintetizou bem o
caminho a fazer citando John Kennedy: Não pergunteis o que a nação pode fazer
por vocês mas o que podeis fazer pela nação.
Para mim foi um privilégio
poder partilhar estes momentos com os Sul-sudaneses e fazer parte da história a
acontecer: valeu bem aturar a torreira do sol das 8h30 até às 16h00 e os
empurrões dos seguranças que maltrataram os jornalistas locais e
internacionais. O espaço para a imprensa era muito apertado e tinha sido
invadido por muitos «penetras» sem as credenciais necessárias. Havia jornalistas de todo o mundo a cobrir o acontecimento e tivemos que pagar 50 dólares cada um pelo passe. Mas tudo acabou
em bem quando alguns agentes de mais bom senso começaram a encaminhar alguns
jornalistas para espaços livres entre as forças armadas em parada. Eu fiquei
entre a banda da polícia e os guardas prisionais – boa companhia por sinal!
Que Deus abençoe a
república do Sudão do Sul.
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