15 de novembro de 2024

HAWASSA TEM NOVO BISPO


O Vicariato Apostólico de Hawassa, no Sul da Etiópia, já tem bispo nomeado depois de uma longa espera de quatro anos. 

A notícia apareceu hoje no Boletim da Sala de Imprensa do Vaticano e foi tornada pública na casa episcopal de Hawassa pelo Encarregado de Negócios da Nunciatura Apostólica de Adis-Abeba, Monsenhor Massimo Catterin.

Dom Gobezayehu Getachew Yilma é o Vigário Apostólico nomeado para Hawassa.

O novo prelado fará 46 anos a 4 de dezembro e pertence ao clero do Vicariato Apostólico de Meki. 

Nasceu em Dodola, na Zona de Bale, Estado Regional da Oromia, a 4 de dezembro de 1978.

Antes de ingressar no seminário estudou agronomia.

Foi ordenado padre em 2005.

É doutorado em Teologia na vertente da Doutrina Social da Igreja.

Até agora, desempenhava as funções de Vigário Delegado do Vicariato Apostólico de Meki e Diretor Executivo da Cáritas Diocesana.

A sua nomeação foi recebida com grande regozijo.

Há cerca de quatro anos que o Vicariato de Hawassa era administrado pelo P. Juan Núñez, comboniano espanhol que há um mês completou 80 anos.

Dom Gobezayehu é o quinto bispo de Hawassa, sucedendo a três combonianos e a um salesiano (todos italianos) que, há quatro anos, foi transferido para o Vicariato Apostólico de Gambella.

O Vicariato Apostólico de Hawassa cobre um território em forma de triângulo com mais de 100 mil quilómetros quadrados, evangelizando os grupos étnicos Sidama, Guji, Guedeo, Borana e Amaro.

É a maior jurisdição católica em termos de fiéis. Em dezembro de 2023 contava com quase 280 mil católicos registados.

A Prefeitura Apostólica de Hawassa, foi iniciada pelos Combonianos em 1969 com o território da antiga Prefeitura Apostólica de Neguele e parte da de Hosanna. 

Foi elevada a Vicariato Apostólico dez anos mais tarde.

Tem 22 paróquias-missões com 558 capelas, servidas por 49 padres, 22 diocesanos e 27 missionários (Combonianos, Espiritanos, Apóstolos de Jesus, Salesianos e Capuchinhos), oito irmãos, 69 irmãs, 109 catequistas a tempo inteiro e 531 em ocupação parcial. Também conta com uma congregação feminina local.

As suas 62 escolas da pré-primária até ao secundário são frequentadas por cerca de 24 mil alunos ensinados por 656 professores. 

O Vicariato tem 13 estabelecimentos de saúde, incluindo um hospital de saúde materno-infantil. 27 médicos e 120 enfermeiros atendem cerca de mil pacientes por dia.

A Igreja em Hawassa dá emprego a 762 trabalhadores nas diversas missões.

Chama-se Vicariato Apostólico a uma diocese sob a jurisdição do Dicastério para a Evangelização dos Povos. Tecnicamente, o prelado é o Bispo de Roma. Daí o título de Vigário Apostólico dado ao bispo local.

13 de novembro de 2024

O SÍNODO TERMINOU E VAI COMEÇAR

A XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão» chegou ao fim depois de três anos de trabalhos intensos. O caminho sinodal começou a 9 de outubro de 2021 e cortou a meta a 27 de outubro de 2024. Agora começa a sua execução.

Foi um sínodo novel a muitos títulos. Sublinho alguns: começou com uma auscultação mundial sem precedentes; teve assembleias nacionais e continentais; decorreu não no anfiteatro do costume, mas no espaço raso da Sala Paulo VI; utilizou o método de trabalho de conversação no Espírito através de pequenos grupos; teve mulheres e homens não bispos a votarem; e Francisco anunciou que não vai escrever uma Exortação Apostólica pós-sinodal, atribuindo ao Documento Final autoridade própria.

O trecho conclusivo insere uma pequena citação da narrativa das aparições de Jesus Ressuscitado do Evangelho segundo São João (capítulos 20 e 21) na introdução, em cada uma suas das cinco partes e na conclusão.

O recurso leva-nos às origens da experiência cristã e da Igreja: o encontro com o Ressuscitado. Foi esse evento que transformou a vida de um punhado de discípulos aterrados e de portas trancadas num qualquer primeiro andar em Jerusalém em anunciadores intrépidos de que Jesus vive e é o Senhor do universo. É o encontro com o Senhor Ressuscitado que sustém a Igreja e cada um dos seus membros hoje e sempre na sua peregrinação através da história.

Documento Final marca um regresso em força ao Concílio Vaticano II e mormente à sua eclesiologia. A Constituição Dogmática Lumen Gentium (de 21 de novembro de 1964) sobre a Igreja é citada mais de quatro dezenas de vezes ao correr do texto. Outros sete documentos conciliares também são mencionados.

A palavra-chave do documento é relações/relação. Na versão portuguesa do Documento Final a palavra relações aparece 56 vezes desde o parágrafo 8 até à conclusão e o seu singular 24. Aliás, a Parte II do texto é intitulada «Conversão das relações».

«Ao longo de todo o caminho do Sínodo e em todas as latitudes, emergiu o apelo a uma Igreja mais capaz de alimentar as relações: com o Senhor, entre homens e mulheres, nas famílias, nas comunidades, entre todos os cristãos, entre grupos sociais, entre as religiões, com a criação», assinala o parágrafo 50.

A conclusão sublinha que «Espírito colocou no coração de cada ser humano o desejo de relações autênticas e de vínculos verdadeiros» (n.º 154).

Estamos perante a génesis de uma nova teologia da fé e da Igreja como entrelaçado de relações múltiplas e artesanais à volta do Ressuscitado? Uma Igreja sinodal é uma Igreja relacional.

O documento – que na tradução portuguesa tem menos de 27 mil palavras – está estruturado em 155 parágrafos. É mais teórico que o Relatório de Síntese da primeira sessão, que vinha recheado de propostas práticas e diversificadas.

Repete que a Igreja Sinodal assenta no tripé da comunhão, participação e missão, que a Igreja é uma comunhão harmónica de diferenças, que a formação permanente ao estilo do catecumenado é para todos e todos juntos: dos fiéis leigos aos bispos, e volta a falar da missão no digital.

Muitos dos temas mais quentes com a ordenação de mulheres diáconos, a instituição de novos ministérios e as mudanças no Direito Canónico para acomodar novas práticas sinodais foram confiados às respetivas comissões.

A África é mencionada duas vezes: quando o documento recorda que o SECAM, o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar, foi mandatado de discernir sobre o acompanhamento pastoral de pessoas em matrimónios poligâmicos (n.º 10), e quando o trabalho dos catequistas que «sempre estiveram à frente de comunidades sem presbíteros em muitas regiões de África» (n.º 76) é exemplo concreto do que é o ministério de coordenação de uma pequena comunidade eclesial.

7 de novembro de 2024

GERAL COMBONIANO NOMEADO BISPO


O Superior Geral dos Missionários Combonianos foi nomeado bispo auxiliar da arquieparquia de Adis-Abeba, na Etiópia.

A notícia foi dada na quarta-feira, 6 de novembro de 2024, no Vaticano e em Adis-Abeba. A sua nomeação foi saudada pela Igreja da capital etíope e pela família comboniana.

Dom Tesfaye Tadesse Gebresilasie tem 55 anos. Foi ordenado padre em 1995 e serviu como missionário no Egito (onde estudou o árabe), no Sudão (encontrei-o na missão de Omdurman em 1998), na Etiópia e na Direção Geral dos Missionários Combonianos.

É licenciado em Teologia e diplomado em Estudos Islâmicos. Foi Superior Provincial na Etiópia de 2005 a 2009 e presidente da Conferência de Superiores Maiores. 

No Capítulo Geral de 2009 foi eleito Conselheiro Geral e em 2015 Superior Geral, sendo reeleito em 2022. 

O bispo-nomeado participou nas duas sessões do Sínodo sobre a Sinodalidade.

«Recebemos esta notícia com emoções e sentimentos mistos, entre os quais prevalece a gratidão a Deus pelo dom que nos deu até agora na pessoa do P. Tesfaye como nosso Superior Geral e como confrade», o Conselho Geral escreveu em comunicado aos confrades. 

E ajuntou: «Reconhecemos que a escolha da sua pessoa também representa um dom para o serviço da Igreja particular para cujo crescimento colaboramos como Instituto».

Os combonianos têm duas comunidades em Adis-Abeba: a sede provincial e o postulantado.

Era voz corrente que o Cardeal Berhaneyesus Souraphiel preferia o P. Tesfaye para lhe suceder à frente da Igreja em Adis-Abeba.

Ambos partilham um percurso semelhante: nasceram em Harar, no leste do país, cresceram em Adis-Abeba, pertencem a uma congregação missionária (o arcebispo é lazarista).

Aliás, em 2022, o Capítulo Geral dos Combonianos foi interrompido porque o Dicastério para as Igrejas Orientais ao saber que o P. Tesfaye foi reconduzido no cargo de Superior Geral chamou-o para lhe propor que recusasse a reeleição. Queriam fazê-lo bispo para Adis-Abeba. Ele tinha dado o sim aos capitulares e manteve a decisão.

Dom Tesfaye sucedeu-me como diretor da Escola Média da missão de Haro Wato, que abri em 1995 com a colaboração das autoridades educativas do distrito to Uraga. 

É um homem afável, humilde, tranquilo, próximo, consensual, espiritual. E tem medo das alturas. 

Somos amigos desde 2005 quando visitei a Etiópia com dois jornalistas, colaboradores da revista Além-Mar. Além de prover transporte para visitarmos as missões no sul do país, levou-nos à nova missão de Gilgel Beles, entre o povo Gumuz, no oeste.

Quando visitou Portugal, levei-o de Viseu para o Porto através de Cinfães para lancharmos com os meus pais. 

Quando chegamos à Maia olhou-me com o seu sorriso maroto e disse: «Agora entendo porque gostavas tanto das montanhas da Etiópia!». Tínhamos subido e descido o Montemuro e as Montedeiras.

É certo que o Instituto perde um grande Superior Geral e a arquieparquia – é assim que se designa uma arquidiocese do rito oriental – de Adis-Abeba ganha um grande eparca auxiliar e, muito provavelmente, um arquieparca no futuro próximo. 

Uma comboniana, veterana na Etiópia, saudou a sua nomeação com uma mensagem singela: «Parabéns à família dos combonianos. Que a Igreja na Etiópia cresça e se abra na direção missionária».

Todavia, a sua nomeação representa um desarranjo grande para os combonianos que têm de eleger um novo geral e, se ele fizer parte do Conselho Geral, um novo conselheiro. 

Dom Berhaneyesus tem 76 anos, mas encontra-se relativamente bem de saúde. 

No ano passado teve uma crise cardíaca (que, ao que sei, foi resolvida) e podia dirigir a sua Igreja até aos 80 anos. Dava tempo a Dom Tesfaye de terminar o mandato sem sobressaltos para o Instituto. 

Contudo, o Vaticano não pensa assim. Como me confidenciou o membro do Conselho Geral de outro Instituto missionário, «somos pau para as colheres sem pau». 

Que o Senhor da Missão abençoe o novo serviço missionário de Dom Tesfaye.

5 de novembro de 2024

BORDAR PARA VIVER

Vemo-la chegar sorridente e orgulhosa. Após apenas quatro lições, esta senhora beduína apresenta-nos uma saquinha bordada e cosida à mão com fecho de correr. 

«Onde é que arranjou o fecho?», perguntamos. 

Ela sorri e explica: «Tirei-o de um vestido!». 

Outra mulher acrescenta: «Eu tirei o meu de um par de calças.». 

A verdade é que todas elas se superaram. Nunca tinham estudado costura ou bordado, e agora conseguem pregar um fecho de correr à mão e bordar uma saquinha.

«Vocês saltaram do jardim de infância para o ensino secundário!», dizemos-lhes entusiasmadas.

Existem vários grupos de mulheres em várias aldeias beduínas no deserto da Judeia. Fizemos planos para que 160 mulheres beduínas recebessem formação em bordados palestinianos e criassem produtos para abrir portas de solidariedade. 

Cada uma delas mostra o máximo empenho na aprendizagem e o entusiasmo é contagiante. É um verdadeiro prazer observá-las enquanto se dedicam apaixonadamente a esta nova forma de arte. 

Para muitas, é a primeira vez que usam uma agulha, mas estão determinadas a preservar o bordado beduíno, especialmente agora que a sua terra lhes treme sob os pés. Neste contexto de incerteza, o que lhes dá força é a vontade de se agarrarem às suas raízes e à sua identidade.

Devido ao conflito em curso, muitos homens, que eram o principal sustento das famílias, continuam sem trabalho. Consequentemente, estas mulheres estão motivadas para ganhar alguma coisa para alimentar os entes queridos. 

Algumas dizem que bordam de manhã até tarde, dando o seu melhor para garantir a subsistência das suas famílias. É um período muito difícil, mas a sua determinação é uma fonte de inspiração.

Vemos como elas se concentram no processo de aprendizagem, passando tempo a ver vídeos de bordados e tentando melhorar a técnica, diariamente. Muitas delas dizem que o bordado as ajuda a distrair-se e a pensar em algo positivo, dando-lhes a oportunidade de ocupar a mente de forma construtiva.

Neste clima de opressão, elas procuram afirmação. 

«Digam-me que é bom!», dizem. 

Olhos nos olhos, sinto a importância de responder: «És fantástica! Que criatividade! O que estás a fazer é muito bonito, e vais melhorar cada vez mais!».

Por isso, agradecemos do fundo do coração a solidariedade dos nossos benfeitores. Graças ao vosso apoio, 160 mulheres beduínas continuarão o processo de aprendizagem e de criação. A vossa generosidade é essencial para ajudar as famílias e comunidades a viver, literalmente. Estes são tempos difíceis e é-lhes dada a oportunidade de criar, de sonhar, de aprender, de crescer, de ter esperança e de viver.

Ir. Cecília Sierra,

Comboniana, missionária com beduínas do Deserto da Judeia

2 de novembro de 2024

O SENHOR DAS PULSEIRAS


Os patriarcas do Antigo Testamento tinham o costume simpático de construir altares com pedras ou madeira no sítio onde tiveram experiências significativas e encontros especiais com o Senhor Deus. A Terra a que hoje chamamos de Santa estava cheia destes memoriais da ação de Deus na vida de Abraão, Isaque e Jacob. E de outras pessoas.

Os meus altares, os memoriais do meu passado e presente, são feitos de pulseiras. Uso quatro: uma de missangas azuis e transparentes, uma dezena do terço feito de contas de vidro e missangas, uma de contas verdes, amarelas e encarnadas e uma de couro.

A pulseira de missangas azuis e transparentes, em espinha, foi feita no Lady Lomin, um centro de artesanato que os combonianos tinham na missão de Lomin, Condado de Kajo Keji, no sul do Sudão do Sul. O centro empregava mulheres que através de produtos que fabricavam obtinham algum dinheiro extra para sustentar as suas famílias.

O centro produzia artigos em algodão, tecido pelas funcionárias do Lady Lomin, incluindo ti-chertes e outras peças de roupa, trabalhos variados em missangas, etc. O centro tinha um posto de vendas na casa provincial dos combonianos, em Juba. Infelizmente, a guerra civil que estalou em dezembro de 2013 entre as forças leais ao presidente Salva Kiir e as do seu vice-presidente Riek Machar chegou à missão de Lomin e os missionários, juntamente com os habitantes locais, tiveram de se refugiar no Norte do Uganda. A missão de Lomin foi saqueada e destruída.

A pulseira da Lady Lomin é memória dos sete anos que vivi no Sudão do Sul. Foram anos interessantes e importantes. Os dias da rádio. Guardo no coração as pessoas com quem trabalhei, os colegas missionários e missionárias, as amizades que fiz, as mulheres do Lady Lomin que visitei três vezes... E, sendo as missangas azuis e transparentes, lembram também os meus clubes do coração: o Clube Desportivo de Cinfães e o Futebol Clube do Porto! 

A dezena missionária, com contas verdes, amarelas, transparentes, vermelhas e azuis, já desbotadas pelo tempo, separadas por missangas cor de chumbo, foi feita e oferecida pela Ir Maria de Deus Meirinho, missionária comboniana do Soito, Sabugal. Regressou à Casa do Pai há cerca de um ano. O seu serviço missionário decorreu em Portugal, América Latina e Itália. Gostava muito dessa doce mulher do Evangelho. Com ela diz a última visita ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe – que os mexicanos chamam simplesmente La Villa – antes de regressar a Portugal depois de nove meses de formação permanente naquele país.

A dezena além de me recordar a Ir Maria de Deus, é também sinal da minha vocação missionária! E, quando esqueço o terço no meu quarto, serve também para contar as ave-marias das dezenas dos mistérios do rosário.

A pulseira de contas verdes, amarelas e encarnadas tem as cores da bandeira da Etiópia, o meu lar corrente. Um missionário veterano uma vez disse-me que só somos verdadeiros missionários se entramos numa relação esponsal com o povo que nos recebe. A pulseira tricolor recorda a minha aliança de amor com a Etiópia e, especialmente, com o povo guji com quem vivo e sirvo.

A pulseira de couro foi-me oferecida por uma amiga que vive na Galiza. Por via dela, representa todas as amigas e amigos que tenho espalhados pela Europa, África, Ásia e Américas. 

O Senhor prometeu cem vezes mais a quem deixar pais, irmãos, filhos e terras por causa dele e do Reino de Deus. Ele é um cavalheiro e mantém a sua palavra. Porque aceitei o seu convite de ser seu missionário no do Instituto dos Missionários Combonianos, agora a minha família alarga-se a quatro continentes e deixa-me de coração cheio.

Quando contemplo as minhas pulseiras louvo o Senhor da Vida e da Missão pela minha vida e missão, e por todas as pessoas que fazem parte da minha história. E encomendo-as, todas e cada uma, ao carinho de Deus. 

As pulseiras são os meus altares, memoriais de rostos e corações que manifestam e encarnam a ternura de Deus para comigo e que trago no coração. A ti também!

25 de outubro de 2024

CORAÇÃO MISSIONÁRIO DE JESUS

 

O papa Francisco publicou no dia 24 de outubro a sua quarta carta encíclica, o documento papal mais relevante, sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus. Chamou-lhe Dilexit nosAmou-nos (em latim). O título é tirado da Carta aos Romanos (8, 37).

O documento está dividido em cinco capítulos: 1) A importância do coração; 2) Gestos e palavras de amor; 3) Este é o coração que tanto amou; 4) Amor que dá de beber; 5) Amor por amor. A encíclica abre com uma pequena introdução e tem a respetiva conclusão. 

A encíclica é formada por 220 parágrafos e 227 notas. Entre os autores citados encontra-se São Daniel Comboni (o fundador das Missionárias e Missionários Combonianos) e a Regra de Vida dos Missionários Combonianos. O património espiritual comboniano de alguma forma pertence também ao Magistério da Igreja.

«Dizia um santo missionário, que “este Coração divino, que suportou ser trespassado por uma lança inimiga para poder derramar por aquela ferida sagrada os Sacramentos, onde se formou a Igreja, jamais deixou de amar”, escreve o papa no nº 149.  

O Papa repropõe a devoção ao Coração humano e divino de Jesus – gosto do sublinhar das vertentes humana e divina – como resposta à falta de coração e de poesia no mundo de hoje. A sociedade de hoje é anti-coração porque narcisista, autorreferencial e artificial. «A poesia e o amor são necessários para salvar o humano» (nº 20), sublinha ao mesmo tempo que lança uma pergunta provocadora: «Tenho coração?» (nº 23).

 

DIMENSÃO MISSIONÁRIA DO AMOR A CRISTO

Neste apontamento debruço-me sobre a conclusão do último capítulo da encíclica onde o papa explora a dimensão missionária da devoção ao Coração de Jesus sob o subtítulo «Fazer o mundo enamorar-se» (nºs 205-216), um cabeçalho que expõe a essência da missão. O nosso amor a Cristo tem uma dimensão missionária.

Francisco começa por expor dois pensamentos de São João Paulo II sobre a devoção ao Coração de Jesus: a reparação ao Coração de Cristo «é a reparação apostólica para a salvação do mundo» e a consagração ao Coração de Cristo é «uma aproximação à ação missionária da própria Igreja» (nº 206).

O papa recorda que a obra missionária da Igreja prolonga o fogo do amor do Coração de Jesus «que leva o anúncio do amor de Deus manifestado em Cristo» (nº 207).

«À luz do Sagrado Coração, a missão torna-se uma questão de amor, e o maior risco desta missão é que se digam e façam muitas coisas, mas não se consiga promover o encontro feliz com o amor de Cristo que abraça e salva» (nº 208), alerta.

Uma missão que nasce do encontro com o amor de Jesus «requer missionários apaixonados, que se deixem cativar por Cristo e que inevitavelmente transmitam esse amor que mudou as suas vidas» (nº 209).

Francisco propõe um simplex missionário: «Falar de Cristo, pelo testemunho ou pela palavra, de tal modo que os outros não tenham de fazer um grande esforço para o amar, é o maior desejo de um missionário da alma» (nº 210).

Adverte a Igreja não faz proselitismo, mas insere as pessoas na experiência do amor de Deus com respeito pela liberdade e dignidade, sem imposições, recordando que «Cristo pede-te que não tenhas vergonha de reconhecer a tua amizade com Ele» (nº 211).

Avisando contra intimismos individualistas, o papa explica que comunicar Cristo não é uma questão entre mim e Ele, mas faz-se sempre em comunhão. «[A missão] é vivida em comunhão com a própria comunidade e com a Igreja. Se nos afastarmos da comunidade, afastamo-nos também de Jesus» (nº 212). 

E alerta: «Nunca se deve esquecer este segredo: o amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial, diocesana, etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus. Os atos de amor para com os irmãos e irmãs da comunidade podem ser a melhor ou, por vezes, a única forma possível de exprimir aos outros o amor de Jesus Cristo» (nº 212).

 Os missionários são os mensageiros do amor de Deus sobretudo para os mais pobres, desprezados e abandonados. No encontro com os outros, os missionários encontram Cristo que coopera com eles (Marcos16, 20). «Que lindo encontro!» (nº 213), exclama.

«De uma forma misteriosa, é o seu amor que se manifesta através do nosso serviço, é Ele próprio que fala ao mundo naquela linguagem que por vezes não tem palavras» (nº 214), explica o papa argentino.

Francisco retoma o tema recorrente «eu sou uma missão» – que apresentou pela primeira vez na Exortação Apostólica A alegria do Evangelho – e explica que a missão é fundamental para o amadurecimento da relação pessoal com Jesus: «Para que essa amizade amadureça, é preciso que te deixes enviar por Ele para cumprir uma missão neste mundo, com confiança, com generosidade, com liberdade, sem medo. [...] Quem não cumpre a sua missão nesta terra não pode ser feliz» (nº 215).

Logo, desafia: «Deixa-te enviar, deixa-te conduzir por Ele para onde Ele quiser. Não te esqueças que Ele vai contigo» (nº 215) ao mesmo tempo que celebra que ser missionário «é uma experiência preciosa» (nº 216).

É, sim! Uma experiência preciosa e um privilégio. 

21 de outubro de 2024

NA MESA DOS BEDUÍNOS


Quando chegamos à aldeia beduína para o encontro com as mulheres, os filhos de Om Ebrahim estavam a degolar os cabritos. 

Os seus sete filhos e as suas esposas estavam todos ocupados: uns cortavam e lavavam a carne, outros levavam-na para a cozinha e cozinhavam-na. 

Tínhamos combinado começar o primeiro curso de costura com a nova máquina depois de um ano de bordados. 

As mulheres acolheram-nos apesar de estarem à espera de visitas. 

É costume que familiares e amigos se reúnam no quadragésimo dia depois de um funeral para partilharem e comerem juntos. 

Apesar dos muitos afazeres, arranjaram tempo para nos prepararem um prato delicioso: cebolada de fígado de cabrito. Dividiram connosco o melhor!

Nos meus 34 anos como Irmã Missionária Comboniana em Itália, Estados Unidos, Egito, Sudão, Sudão do Sul, Guatemala e Terra Santa partilhei de muitas mesas, em línguas diferentes, comendo as suas comidas e escutando o que lhes dá sentido, alegria, medo e sonhos. 

Fui testemunha do poder de partilhar a mesa, de conversas que edificam e unem para além das fronteiras culturais, sociais, políticas e religiosas.

Na sua mensagem para o Dia Mundial das Missões, o Papa Francisco recorda que Deus preparou um banquete a que todos – sem exceção – estamos convidados. 

Chama-nos à inclusão, ao empoderamento dos vulneráveis e a experimentar a graça e a generosidade de Deus.

Os beduínos, vivendo nas margens, alargam as suas mesas para nos incluírem. 

Hoje, no Dia Mundial das Missões, digo «Sim» ao convite de repartir esta bela missão.

Uma vez mais, agradeço a graça imerecida de partilhar esta vocação na Terra Santa.

Seguimos decididas a assegurar que também os beduínos – palestinianos e muçulmanos – encontrem o seu lugar nas mesas da justiça, paz, fraternidade e a vida digna.

Cecília Sierra

Missionária Comboniana

a trabalhar com beduínos no Deserto da Judeia