5 de abril de 2020

NÃO SOU EU, SENHOR, POIS NÃO?


Edvard Munch - Golgotha (1900)

A liturgia propõe para o Domingo de Ramos na Paixão do Senhor a leitura narrativa da Paixão segundo São Mateus (26, 14 – 27,66).

A tragédia da Paixão de Jesus está cheia de emoções: tristeza profunda, escândalo, angústia, violência, humilhação, choro, arrependimento, desespero, admiração, inveja, pesadelos, escárnio, blasfémias, insultos, medo, vigília…

E também de atores.

Judas é o primeiro a entrar em cena: entrega Jesus aos chefes religiosos por 30 moedas de prata (o preço de um escravo); atraiçoa-o com um beijo efusivo, o gesto de amizade, intimidade; arrepende-se porque reconhece a inocência de Jesus: devolve o dinheiro, mas os chefes religiosos não voltam atrás e enforca-se. Os estrangeiros ficaram com cemitério próprio com o dinheiro da traição.

Jesus é a personagem central: sabe que o seu tempo está próximo e quer fazer a Páscoa com os discípulos. Ele é o Cordeiro pascal: «Tomei, comei, este é o meu corpo; bebei todos, pois este é o meu sangue da aliança». No Jardim das Oliveiras reza: «Meu Pai, se não é possível apartar este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade». Na Cruz reza o abandono de Deus.

Pedro, o fanfarrão, diz que nada em Jesus os escandalizará, que irá com ele até à morte; tenta proteger Jesus à espadada e desconhece-o para safar a pele. Mas chora amargamente a sua negação.

Os chefes religiosos acusam Jesus de querer acabar com a religião – disse que podia destruir o templo e reconstruí-lo em três dia – mas acabam por acusá-lo por blasfémia. Os chefes religiosos são também a última tentação de Jesus: desafiam-no a usar o poder que Deus lhe deu para se salvar a si mesmo.

Pilatos é o governador romano. Sabe que os chefes religiosos acusam Jesus por inveja e quer protegê-lo. Assina a sentença de morte de Jesus com um lavar de mãos não por causa do coronavírus, mas porque não assume o que faz. Depois de a mulher o ter avisado que teve um pesadelo por causa «desse justo».

Há o coro da multidão que atua conforme as emoções: tanta aclama Jesus com alegria como o prende, humilha e troca por um salteador, pedindo a sua morte, e blasfemam contra o Crucidicado.

Simão de Cirene entra na tragédia de Jesus à força: obrigaram-no a levar a cruz de Jesus. É um estrangeiro, um africano de Cirene, na Líbia de hoje.

O Centurião romano, que chefia a segurança da execução de Jesus, quando o viu morrer e a terra tremer devolvendo à vida muitos santos tumulados, amedrontado, diz: «Verdadeiramente este era Filho de Deus».

As mulheres que acompanharam Jesus desde a Galileia, observam de longe. Os discípulos levam sumiço. As duas Marias velam o túmulo de Jesus.

José de Arimateia, homem rico, é o único homem discípulo a dizer presente depois da morte de Jesus: pede o seu corpo e dá-lhe uma sepultura condigna num sepulcro novo.

Quando Jesus, na ceia pascal, avisou que ia ser traído, cada discípulo - incluindo Judas - perguntou: «Não sou eu, Senhor, pois não?». Com que personagem ou personagens  te identificas?

Deixo-te uma chave de leitura: «Tend[e] sempre os olhos fixos em Jesus Cristo, amando-o ternamente e procurando entender cada vez melhor o que significa um Deus morto na cruz pela salvação das almas» (São Daniel Comboni).

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