26 de abril de 2016

MISERICÓRDIA: O HORIZONTE DA MISSÃO


No registo do evangelista Marcos, Jesus, antes de regressar ao Pai, deu um mandato claro aos 11 apóstolos: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura» (Marcos 16,15). E conclui: «Eles partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam» (Marcos 16,19-20).

Da conclusão do Evangelho segundo Marcos, sublinho dois aspectos fundamentais: um, somos discípulos-missionários com a obrigação de anunciar a Boa-Nova em toda a parte e a toda a criação; dois, o Senhor ressuscitado coopera com os missionários e valida a sua palavra, porque a missão é de Deus e eles são colaboradores humildes da Trindade Santíssima.

Francisco escreve na bula O rosto da misericórdia (MV na sigla em latim) – que proclama o Jubileu Extraordinário da Misericórdia – que a misericórdia é essencial no serviço missionário da Igreja «para ir ao encontro de todas as pessoas levando-lhes a bondade e a ternura de Deus» (MV 5).

O Senhor revelou-se a Moisés no Sinai como «Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e de fidelidade» (Êxodo 34,6).

O Papa argentino destaca que a misericórdia é também o conteúdo da proclamação missionária que é uma experiência cordial: «A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa» (MV 12).

Esta metáfora da missão como diálogo de corações que pulsam ao compasso da misericórdia divina é muito feliz e desafiante!

Esta ideia já a tinha enunciado na exortação apostólica A alegria do evangelho (EG na sigla em latim): a Igreja «vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva» (EG 24).

E acrescenta: «A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho» (EG 114).

Francisco nota ainda que «onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia» (MV 12).

Os milagres que testemunham e acompanham a Palavra anunciada são as obras de misericórdia. «A pregação de Jesus torna-se novamente visível nas respostas de fé que o testemunho dos cristãos é chamado a dar» (MV 16) porque «a misericórdia de Deus não é uma ideia mas uma realidade concreta» (MV 6), sublinha Francisco.

No dizer do Papa, as 14 obras de misericórdia – sete corporais e sete espirituais – representam «uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina» (MV 15).

O papa que veio de longe proclama «o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no meio de nós» (MV 5). Mas Deus também tem a sua obra de misericórdia: o grande dom da salvação que nos oferece por pura graça (EG 112).

A prática da misericórdia é o horizonte da missão e faz prova da vida cristã: «a pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos» (MV 15), arremata Francisco.

A misericórdia e as suas obras são a prova dos nove dos discípulos-missionários de Jesus e a chave para a vida bendita (Mateus 25, 31-46).

22 de abril de 2016

CONTRA O TRÁFICO HUMANO


A irmã Gabriella Bottani, missionária comboniana, é a responsável por Talitha Kum, a Rede Internacional da Vida Consagrada contra o tráfico humano, fundada em 2009. Em conversa com a Além-Mar, fala sobre o trabalho que fazem os consagrados em favor destes irmãos que vivem em situações semelhantes à escravatura.


Como é que qualificas o estado do tráfico de pessoas hoje?
O tráfico de pessoas é hoje um fenómeno que tem vindo a aumentar em todas as suas modalidades, seja na exploração sexual, como nos fenómenos da exploração laboral, trabalho forçado, casamento forçado, mendicância, tráfico para extracção de órgãos, tráfico para o envolvimento em actividades criminosas como meninos-soldados e também o tráfico de droga. Essas realidades criminosas vêm-se entrelaçando entre elas. É um fenómeno que tem vindo a crescer e também é cada vez mais difícil definir com clareza os lugares de origem e de destino ou de trânsito. O tráfico está a acontecer em todos os lugares, tráfico interno, tráfico transnacional. Há cada vez mais pessoas envolvidas. Homens, crianças, mulheres são utilizados para fins lucrativos. O tráfico, sobretudo de seres humanos, mas também o tráfico de armas e drogas, são das actividades ilícitas mais lucrativas que existem.


O tráfico de drogas, seres humanos e armas não são os pilares da economia subterrânea, mas da economia real do mundo de hoje. Como é que se pode contrastar esta realidade? Há alguma maneira de nos relacionarmos com os traficantes para tentar controlar este fenómeno de exploração?


Na minha experiência, o trabalho directo com os traficantes é muito difícil porque são actividades criminosas e também acaba por ser muito complexo e muito perigoso. O impacto também vai ser muito difícil para uma efectiva mudança. Mas essas actividades criminosas existem e subsistem porque são sustentadas por uma mentalidade e uma realidade que permitem a essas associações criminosas actuarem. Sustentam-se na corrupção, na indiferença, na ganância, no desejo de fazer dinheiro. Acho que temos de trabalhar mais as causas para as reduzir e todas aquelas áreas de vulnerabilidade; também aqueles elementos culturais da nossa época fazem com que essas organizações criminosas continuem a actuar. Penso sobretudo no exemplo mais simples, na questão da tentativa de reduzir a procura, que é uma das actividades que nós, como rede Talitha Kum, estamos a apoiar, reduzir a procura de sexo a troco de dinheiro. Porque, efectivamente, se as pessoas são traficadas e têm nesse sentido uma oferta é porque há procura, e reduzindo a procura nós esperamos também reduzir o impacto da consequência do tráfico. É por isso que projectos educativos, programas educativos e mudança de mentalidade são fundamentais.


Uma das características do tráfico de pessoas, armas e drogas é a organização extrema e minuciosa que faz com que consigam redes de infiltração, de angariação, de transporte. A esta organização extrema qual é o tipo de resposta que dá a Talitha Kum?
A primeira resposta é não ficarmos isolados, é ficarmos juntos, juntar as forças e acreditar, ter fé e esperança que podemos fazer algo. Não ficar passivos nem indiferentes diante dessas coisas. Por vezes o medo paralisa-nos, bloqueia-nos. Acredito que a primeira mensagem, a primeira força de uma rede é perceber que juntos podemos fazer algo, podemos mudar as coisas, não deixar um espaço tão grande para essas organizações criminosas e do mal.

A outra mensagem é o próprio nome Talitha Kum, que significa “levanta-te”. Esse levantar-se tem a força da Palavra de Deus, mas também tem a força de todos nós que quando nos relacionamos como verdadeiros irmãos e irmãs, quando conseguimos resgatar a nossa dignidade e sabemos que a dignidade do nosso irmão ou irmã é também a nossa dignidade. É um levantar-se diante dessas situações, mas também um levantar-se para contrastar com todas aquelas situações que estão efectivamente, como dizia antes, a favorecer o tráfico de pessoas.


Isso quer dizer que esta palavra que Jesus pronunciou há 2000 anos e que é tradição cristã conservou na língua original, o aramaico, talitha kum, levanta-te, continua a ser uma ordem dada hoje a quem?

A todos nós, acredito. Por vezes, tenho a impressão que somos muito negativos, já não acreditamos que é possível algo de diferente. Temos um olhar muito fechado e muito pessimista das realidades. O nosso tempo é um tempo complexo, de grandes mudanças epocais, mas isso não pode matar a esperança cristã. Esse «levanta-te» é dito para todos nós, temos de arriscar verdadeiramente, levantar a cabeça.

20 de abril de 2016

JUBA REZA PELA PAZ


A arquidiocese católica de Juba organizou um tríduo de oração pela paz no país mais jovem do mundo que regressou aos infernos da guerra civil há 28 meses.

Dom Paolino Lukudu Loro, o arcebispo comboniano de Juba, convocou três dias de oração «pela implementação pacífica do acordo que conduz à paz duradoura no Sudão do Sul.»

O tríduo de oração pela paz decorre de 20 a 22 de abril e conclui com a procissão e missa presidida pelo arcebispo Lukudu no dia 23, na catedral de Santa Teresa, em Juba.

O convite foi enviado numa carta do secretário-geral da arquidiocese, P. Gabriel Acida, a todas as paróquias e comunidades religiosas.

«Com a perspectiva da esperança e paz sobre o Sudão do Sul […] cada paróquia é convidada a dedicar um tríduo de oração especial pela paz no Sudão do Sul», diz a mensagem do arcebispo.

Uma crise política grave mergulhou o Sudão do Sul num conflito étnico armado violento a 15 de dezembro de 2013, depois de oito anos de paz.

Os números da crise são aterradores: mais de 50 mil mortos e 2,3 milhões forçados a abandonar os lares - 1,7 milhões deslocados internos e 648 mil refugiados na Etiópia, Quénia, Uganda e Sudão. Quase 200 mil pessoas estão nos campos de protecção de civis nas bases das forças da ONU em condições muito difíceis.

As forças em confronto, lideradas pelo presidente Salva Kiir Mayardit e o ex-vice-presidente Riek Machar Teny, assinaram um acordo de cessação de hostilidades em agosto de 2015 que devia dar origem a um governo de unidade nacional chefiado pelo presidente Kiir com Machar como primeiro vice-presidente.

Machar devia chegar a Juba vindo de Gambela, na Etiópia a 18 de abril. Numa entrevista à Al Jazeera acusou o governo de Juba de bloquear o seu regresso.

A repórter da estação televisiva do Qatar no Sudão do Sul, Annea Cavell, diz que a situação em Juba é caótica e não se conhece a razão porque Machar ainda não chegou à capital.

Adiantou que o primeiro vice-presidente indigitado quer trazer armamento extra com o contingente de 260 soldados que o acompanha e que o governo não concorda.

O Grupo de Trabalho para a Justiça Transicional publicou hoje uma declaração expressando «preocupação profunda» pela demora na formação do governo de transição e a implementação do acordo para a resolução do conflito no Sudão do Sul.

O grupo, de sete organizações da sociedade civil, pede ao governo e à oposição que estabeleçam imediatamente o governo de unidade e  iniciem um programa abrangente de justiça transicional e reconciliação no Sudão do Sul.

ROSTOS DE MISERICÓRDIA


O Ano da Vida Consagrada (AVC) foi um tempo favorável que o Papa jesuíta deu aos consagrados para revisitarem a consagração em três dimensões: Evangelho, Profecia e Esperança. Entretanto, começou o Jubileu Extraordinário da Misericórdia. 
Francisco afirmou na homilia da missa de encerramento do AVC, a 2de fevereiro, na Basílica de São Pedro, que «agora como um rio, ele [o AVC] conflui no mar da misericórdia, neste imenso mistério de amor que continuamos a experimentar através do Jubileu extraordinário.»

Este desaguar da consagração na misericórdia que interpelações coloca às consagradas e consagrados, hoje?

Sublinho duas frases do Papa argentino: em A alegria do Evangelho, número 114, escreve que «a Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho». E no número 12 de O rosto da misericórdia – a bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia – ajunta: «Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia.»

Cada comunidade religiosa é chamada, pois, a ser um oásis da misericórdia gratuita e acolhedora de Deus para dentro e para fora. O mundo de hoje necessita de rostos e corações misericordiosos que falem de Deus através de uma linguagem existencial lida por todos. Muitas congregações de vida consagrada nasceram para dar corpo às obras de misericórdia.

Dom João Braz de Aviz, disse a 28 de janeiro que o Papa «já pediu» que os consagrados «entrem no movimento de estabelecer, aprofundar e viver a misericórdia de Deus», no contexto do Jubileu: «Ser rosto da misericórdia do Pai, testemunhas e construtores de uma fraternidade autenticamente vivida.»

O cardeal brasileiro estava a falar durante a apresentação do encontro que conclui o AVC de 28 de janeiro a 2 de fevereiro e reuniu cerca de 4000 consagradas e consagrados para aprofundarem o tema «Vida consagrada em comunhão. O fundamento comum na diversidade das formas.»

Mas a misericórdia começa em casa! O Papa Francisco na audiência geral de encerramento do AVC, a 1 de fevereiro, foi muito mais contundente: «E se, neste Ano da Misericórdia, cada um de vós conseguisse nunca ser o terrorista mexeriqueiro ou mexeriqueira, seria um sucesso para a Igreja, um grande sucesso de santidade! Tende coragem! Proximidade.»

E que tem a Laudato Si’ a ver com tudo isto? A vida consagrada respira a espiritualidade ecológica de que fala o Papa no capítulo VI da encíclica, sob o título «Educação e espiritualidade ecológicas.»

Comunhão universal, sobriedade, paz interior, harmonia com a criação, atitude de coração são alguns dos temas que inspiraram os nossos avôs na Vida Consagrada desde Antão, Pacómio e Bento até aos nossos dias.

Por isso, o Papa escreva no número 214: «espero também que, nos nossos seminários e casas religiosas de formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente.»

16 de abril de 2016

PADRE RAPTADO NO DARFUR


Um padre ortodoxo foi raptado por desconhecidos e encontra-se desaparecido no Darfur, Sudão, desde quinta-feira, 14 de abril.

O P. Feliz da Costa Martins, missionário comboniano a trabalhar em Nyala, no Sul do Darfur, enviou uma mensagem aos amigos denunciando que o seu amigo e vizinho Padre Gabriel Anthony «foi raptado por homens armados. O seu paradeiro é desconhecido.»

O P. Gabriel é egípcio e pertence à Igreja Copta, da comunhão ortodoxa, reconhecida pelo Governo sudanês.

É pároco da Igreja copta-ortodoxa de Santa Maria em Nyala.

Ismail Yahya Abdallah, comissário do Condado de Nyala-Norte, disse ao jornal digital Sudan Tribune que o P. Gabriel foi raptado por três desconhecidos armados em pleno dia em frente ao aviário que a paróquia tem perto do campo de deslocados de Atash.

Negou que o incidente tivesse ligação religiosa ou terrorista.

«É foi um ato criminoso de um grupo armado para obter resgate», disse.

Abdallah explicou que os serviços de segurança estão empenhados em localizar os raptores e libertar o sacerdote.

O P. Feliz sublinha que «estas notícias de sequestros são coisa normal aqui no Darfur, mas quando nos toca de perto, o nosso sofrimento é muito maior.»

«Quando o cativeiro é prolongado por vários meses, as marcas ficam gravadas para toda a vida», comenta.

O P. Feliz conclui a mensagem: «Esperemos, pelo menos, que o devolvam com vida. Convido-vos a rezar para que não desfaleça física, moral ou espiritualmente.»

O Darfur, a Casa dos Fur, no oeste sudanês, é palco de um genocídio contra as populações não árabes por parte do regime de Cartum desde 2003.

7 de abril de 2016

TRAGÉDIA COM NOME DE INOCÊNCIA


Fenómeno climático cíclico ameaça com fome dezenas de milhões de africanos.

El Niño, um fenómeno climático oceânico e atmosférico natural que acontece cada dois a sete anos e pode durar até 15 meses, intimida quase 50 milhões de africanos com o espectro da fome, doença e morte. A Organização Meteorológica Mundial anunciou que o evento «excepcionalmente forte» já está a perder força, mas vai sentir-se até Agosto.

O fenómeno geoclimático é resultado do aumento da temperatura das águas no Pacífico Central, que altera os ventos alísios na região do Equador, afectando as correntes atmosféricas com alterações graves nos ciclos do clima. Chamam-lhe El Niño – O Menino, porque costuma começar por volta do Natal na área marítima do Peru.

O episódio provoca tanto secas como inundações extremas: enquanto Somália, Quénia e Sul da Etiópia sofrem com chuvas torrenciais, os vizinhos Sudão do Sul, Sudão, Eritreia, Jibuti e Nordeste etíope são cenários de secas severas.

O El Niño afecta toda a África: a oriente, onde a coordenadora dos assuntos humanitários da ONU calcula que ameaça a segurança alimentar de 22 milhões de pessoas; a ocidente, sobretudo na bacia do lago Chade – com 9,2 milhões a precisarem de assistência humanitária; e a sul, com 49 milhões expostos aos efeitos do fenómeno climático.

Os especialistas afirmam que o evento de 2015-2016 é o mais severo e longo dos últimos 35 anos. A ONU calculou que, em Fevereiro, 20,4 milhões de pessoas sofriam de insegurança alimentar severa na Etiópia, Sudão do Sul, Sudão, Somália, Burundi, Jibuti e Uganda. A UNICEF, a organização das Nações Unidas para a infância, divulgou que o El Niño deixou 11 milhões de crianças da África Oriental e Austral sob a ameaça da fome, sede e doença.

A situação da Etiópia é paradigmática: no princípio do ano havia 10 milhões de pessoas ameaçadas pela fome – tanto quanto a população de Portugal. Em Junho, o contador pode chegar aos 18 milhões. Apesar de viver a seca mais severa dos últimos 50 anos, as mudanças políticas, económicas e sociais que o país viveu desde 1991 estão a atenuar os efeitos do El Niño e as consequências não são tão mortíferas como a crise de 1984-1985, que originou o grande abraço de solidariedade do Live Aid.

O fenómeno tem impacto na saúde pública e na educação. As inundações são prenúncio de epidemias de malária, diarreia e cólera. Por outro lado, as chuvas torrenciais destroem escolas, estradas e pontes. Muitas escolas são usadas para alojar as populações afectadas pelo mau tempo. A malnutrição está a afastar cerca de 2,5 milhões de crianças etíopes do ensino.

Uma nota final: a Etiópia é pátria de secas cíclicas, mas também fornece 85 por cento das águas da bacia do Nilo. Bastava construir um sistema de transferência das zonas mais aquáticas para as mais secas para quebrar o ciclo de fome, miséria e morte. Mas dá mais nas vistas a caridadezinha mediatizada em tempo de calamidade do que o investimento silencioso dos dadores numa infra-estrutura que faria a diferença para dezenas de milhões de etíopes.

6 de abril de 2016

ACOLHER FAZ BEM À EUROPA



Cerca de 40 missionárias e missionários combonianos a servir nas províncias da Europa participaram no Simpósio de Limone 2016, um acontecimento organizado pelo Grupo Europeu de Reflexão Teológica que decorreu em Limone, terra natal de São Daniel Comboni, nas margens do Lago Garda, Itália, de 29 de março a 2 de abril. «Migração e Missão» era o tópico deste ano. Refugiados e migrantes têm que ser tratados como irmãos e irmãs e vistos como uma oportunidade para construir uma sociedade mais plural e para reforçar o diálogo inter-religioso. Que a União Europeia pare a venda de armas e contribua para pôr fim às injustiças e às guerras. Esta é a mensagem da declaração da Família Comboniana, assinada pelos participantes no Simpósio:

Apelo da Família Comboniana: ACOLHER FAZ BEM À EUROPA
Nós, combonianos, combonianas, seculares combonianas e leigos combonianos presentes em várias nações da Europa, no termo do simpósio em Limone Sul Garda (29 de março – 2 de abril de 2016), dedicado ao tema «Migração e Missão», queremos reafirmar a nossa solidariedade ao lado dos nossos irmãos e irmãs que chegam até nós fugindo de guerras, perseguições, ditaduras e crises ambientais.

Queremos reafirmar que o acolhimento do estrangeiro, fortemente sublinhado pelo Papa Francisco, – «os prófugos são a carne viva de Cristo» – é uma exigência fundamental do Evangelho. Desejamos também sublinhar que a abertura ao outro, na sua diversidade cultural e religiosa, é uma ocasião de crescimento que enriquece a nossa identidade de seres humanos e cristãos.

Estamos preocupados com a crescente penetração na sociedade de preconceitos e sentimentos islamófobos propagandeados por políticos e intelectuais, através de simplificações grosseiras, que parecem não distinguir entre Islão e terrorismo islâmico, insinuando frequentemente que a violência está inscrita na própria religião islâmica. Tais preconceitos e atitudes hostis reforçam nos nossos irmãos e irmãs muçulmanos sentimentos de exclusão, com um efeito particularmente destrutivo sobre os jovens da segunda geração de migrantes que mais facilmente se arriscam a acabar nas fileiras do Estado Islâmico.

Desejamos reafirmar o nosso empenho a favor do diálogo inter-religioso, do aprofundamento de outras fés e do empenho comum na construção de uma sociedade fundada no respeito da diversidade e da pluralidade religiosa. Para nós só pode haver uma humanidade no plural.

Como membros da Família Comboniana na Europa queremos exprimir a condenação inequívoca do recente acordo entre a União Europeia e a Turquia (18 de março de 2016) sobre a questão dos migrantes. O encerramento das fronteiras em várias nações europeias para impedir a entrada aos prófugos e a recusa dos chamados imigrantes irregulares são uma clara violação das convenções internacionais que sancionam o direito de asilo. Estamos convencidos de que a presença de imigrantes nos nossos países é um enriquecimento social, cultural, religioso e, não menos, económico.

Enquanto a Europa está empenhada em construir barreiras para bloquear o êxodo dos prófugos – êxodo determinado sobretudo das guerras no Médio Oriente e Líbia – muito pouco está a ser feito para acabar com os conflitos armados que estão na raiz das migrações forçadas. Pedimos, portanto, aos nossos governos que interrompam a venda de armas às nações em guerra e exerçam pressão para que as partes em confronto cheguem a negociar uma solução pacífica.

Como Família Comboniana confessamos o nosso silêncio perante o escândalo da corrida ao rearmamento global e reconhecemos a nossa cumplicidade com este sistema económico-financeiro que permite a poucos de ter quase tudo, privando grande parte da humanidade do necessário, e que tem necessidade das armas e das guerras para se perpetuar.

Como cristãos, discípulos de Jesus de Nazaré, renovamos o empenho para construir um mundo mais justo, vivível para todos.

Limone Sul Garda, sábado, 2 de Abril de 2016

5 de abril de 2016

MONTES NUBA SOB FOGO CERRADO


Os Montes Nuba, no sul do Sudão, estão sob ataque cerrado por parte das tropas sudanesas que tentam conquistar meia dúzia de postos-chave controlado por forças hostis ao Governo de Cartum.

Fontes locais dizem que o exército e a aviação desencadearam desde meados de março um ataque de grande envergadura contra a área controlada por forças rebeldes desde junho de 2011.

Os ataques já fizerem dezenas de baixas em ambos os lados.

Os combates ameaçam as missionárias e missionários presentes na região para oferecer serviços humanitários essenciais de saúde, educação, pastoral e rádio.

Evette Ann Seib, superiora provincial das Combonianas no Sudão do Sul, lançou o alerta: «A situação nos Montes Nuba está muito má.».

Na mensagem que escreveu disse que a frente de batalha está a uma hora de Guidel, a missão onde está presente uma comunidade de Combonianas, um padre dos Apóstolos de Jesus e um médico voluntário americano.

«As irmãs ouvem o barulho das batalhas e estão tensas e com medo», sublinhou.

Angelina Nyakuru, enfermeira comboniana que trabalha no Hospital Mãe da Misericórdia de Guidel, disse que os aviões da força aérea sobrevoam a área constantemente.

«Estamos a experimentar a proteção de Deus, mas a verdade é que ainda estamos a viver com medo, porque todos os dias os “pássaros” sobrevoam a área durante todo o dia, assustando e matando.»

O hospital recebeu a 4 de abril 120 feridos e está superlotado.

«O pessoal do hospital está exausto», disse.

O conflito reacendeu-se nos Montes Nuba depois de umas eleições estaduais em junho de 2011 contestadas pelos rebeldes afetos ao partido que governa o Sudão do Sul.

Nuba Reports documentou mais de 3740 bombas lançadas pelos aviões de Cartum sobre os Montes Nuba desde abril de 2012.