8 de abril de 2012

PÁSCOA


A minha Páscoa não teve amêndoas, mas teve alegria e mangas a rodos.
A vigília pascal – a mãe de todas as vigílias – começou às sete (ainda havia luz) e demorou quase três horas.
O adro da Igreja de São José estava à pinha sob um céu estrelado e refrescado por um ventinho ligeiro que teimava em apagar as velas.
As adolescentes – muitas mesmo – puxavam pelos corpinhos com umas roupinhas novas e mais ousadas.
As entradas do adro eram guardadas por piquetes da polícia de choque – aquela por onde entrei tinha quatro mulheres bem encorpadas e simpáticas. Nada que se compare com os brutamontes masculinos…
As leituras foram feitas em inglês, árabe e bari – as línguas em uso na liturgia da arquidiocese de Juba – e o coro explodiu de alegria ao glória e à aleluia com gritos, ululações, palmas que me causavam arrepios gostosos.
Via a presença de Jesus ressuscitado naqueles rostos compenetrados, sorridentes, orantes da multidão à minha frente.
Eu disse que não tive amêndoas, mas não é bem assim: o FC Porto deu-mas com a vitória difícil sobre o Braga. A vigília acabou a tempo para seguir o jogo na RTP Internacional.
Hoje comecei o dia com um programa de 45 minutos via telemóvel na Rádio Miraya, a estação das Nações Unidas em Juba. A princípio a chamada estava sempre a cortar, mas depois de mudarmos de número correu muito bem.
A apresentadora Aida Khamis queria que eu explicasse o significado da primeira Páscoa no Sudão do Sul independente. Partilhei dois pensamentos fundamentais: o mistério pascal de Jesus revela que Deus tem sempre a última palavra contra o poder do mal e é uma palavra de vitória. Depois, Jesus oferece-nos paz e faz embaixadores da reconciliação: todos os crentes foram enviados a perdoar os pecados, não só padres e bispos. O Sudão do Sul precisa urgentemente de paz e perdão entre as muitas tribos que se guerreiam.
Celebrei a Missa da Ressurreição com a comunidade Nuer que se reúne numa modesta capela ao lado do parlamento: gente aguerrida por natureza, têm uma maneira de cantar e de tocar os tambores muito agressiva. Mas é sempre uma experiência única fazer silêncio e escutar as suas canções e orações numa língua que não conheço.
Depois do almoço – com o tradicional cabrito (aqui chama-se ganamaya) – fui descansar um bocadinho. Fui acordado por uma tempestade de chuva e vento que deixou o chão debaixo dos pés de manga juncado de frutos maduros e gostosos.
Tinha planeado acabar o dia de Páscoa com um mergulho no Nilo Branco, mas a primeira bátega de chuva a sério da estação fez-me mudar de planos. Fico por casa a saborear o doce fazer nada com um livro no regaço.
Votos de Páscoa feliz e cheia da Paz do Ressuscitado para todos! 


PS: o apelo telúrico foi mais forte e acabei por ir nadar nas águas tépidas do Nilo Branco. O livro ficou para a próxima!

7 de abril de 2012

NEGÓCIOS DA CHINA


© Skye Wheeler
A União Africana tem uma nova sede em Adis Abeba, a capital etíope, inaugurada a 28 de Janeiro. O moderno, altaneiro e impressionante complexo de vidro, oferta da China à África, foi projectado e construído por uma companhia estatal chinesa e custou cerca de 200 milhões de euros. Num país e num continente com enormes bolsas de pobreza, não tardaram as criticas. A “prenda” não seria  mais do que o símbolo de uma nova forma de colonialismo económico e da consequente perda de soberania.
A nova sede da União Africana é de facto um monumento à crescente influência económica da China em África: o volume de negócios entre os dois parceiros já ultrapassa os 120 mil milhões de euros por ano – um crescimento exponencial, tendo em conta os cinco mil milhões de 1999. Outro termo de comparação: a China empresta mais dinheiro aos países africanos do que o Banco Mundial. Os líderes africanos – sobretudo de Angola, Nigéria, Sudão, Mauritânia e Botswana – recebem os investidores chineses de braços abertos, porque não fazem perguntas incómodas sobre democracia, corrupção, direitos humanos, questões ambientais, e fornecem ajuda económica, treino militar e armamento sem interferirem nas questões internas. Todos os anos um número relevante de africanos recebe bolsas para estudar nas universidades chinesas.
Os chineses fazem grandes empréstimos a juros baixos, ao mesmo tempo que investem nas infra-estruturas e na construção civil (estradas, pontes, portos, aeroportos, caminhos-de-ferro, barragens, estádios), mas também na indústria extractiva. Como é óbvio, existe uma contrapartida: as matérias-primas (minerais, madeiras, algodão e um terço do petróleo que consome), que alimentam o crescimento económico do gigante asiático. A Safeworld, uma ONG inglesa dedicada à prevenção de conflitos, alerta no seu relatório de Fevereiro que a China está a investir cada vez em zonas de conflito, uma forma de controlar os seus recursos naturais,  dominar as redes de abastecimento e criar novos mercados. Em 2010, havia mais de 2.000 empresas chinesas a investir em África e os chineses a trabalhar no continente são mais de um milhão. O presidente interino da União Africana, Jean Ping, é filho de um comerciante chinês e de uma cidadã do Gabão.
Supostamente, a aposta no continente africano seria vantajosa para ambas as partes. Mas, na realidade, a balança pende para o lado da China, que não só obtém matérias-primas baratas como encontra em África um grande mercado para produtos de qualidade duvidosa. Por outro lado, a criação de postos de trabalho em África é praticamente nula, porque as empresas exportam também mão-de-obra barata, e não hesitam sequer em recorrer a presidiários. De resto, o que constroem nem sempre oferece garantias de qualidade e segurança. Angola que o diga.