31 de agosto de 2017

AVÉ MARIA


A ave-maria é a oração cristã mais usada no mundo católico, que rezamos muito frequentemente. Tem duas partes: uma saudação e uma rogação. O processo de incubação da ave-maria foi longo: levou cerca de mil anos; começou no século V e ficou pronta no século XV.


A FORMAÇÃO

A ave-maria começou com a junção das saudações do anjo Gabriel e de Isabel a Nossa Senhora, respetivamente os versículos 28 e 42 do capítulo 1 de São Lucas. Esta junção efetuou-se antes de 446: aparece na homilia de um autor que morreu nessa data.

Os irmãos ortodoxos tomaram a dianteira: a junção aparece nas liturgias orientais de Antioquia e Alexandria entre os séculos IV e V. No século VI chegou à liturgia romana: São Gregório Magno usou-a no Sacramentário Gregoriano, o livro litúrgico por ele publicado.

Depois juntaram os nomes de Maria e Jesus às duas saudações e às vezes também Cristo.

A segunda parte da ave-maria é rogativa, uma oração de súplica. Foi usada na oração da noite para pedir a proteção da Mãe da graça e da misericórdia desde o século XIII.

Os ortodoxos já tinham ajuntado o «rogai por nós pecadores, amém» em Alexandria no ano de 647.

A ave-maria como a temos hoje aparece em 1508 quando os franciscanos juntaram «agora e na hora da nossa morte».

Em 1568 o Papa Pio V promulgou o novo Breviário Romano que saiu do Concílio de Trento e incluiu a ave-maria completa para iniciar a oração do ofício divino.


AS PALAVRAS

Avé: o anjo Gabriel saúda a Virgem de Nazaré, dizendo «Salve» na tradução da Bíblia dos Capuchinhos. O texto grego usa Xairé, que vem de verbo alegrar-se. «Alegra-te» seria uma tradução mais literal.

É difícil traduzir esta saudação: em alemão dizem «Saudada sejas»; em francês «Eu vos saúdo»; em espanhol «Deus te salve»; em inglês «Salvé», em árabe «Paz contigo»…

Eu prefiro «Alegra-te» porque a alegria é a melodia de fundo de toda a bíblia e da experiência de Deus: um santo triste é um triste santo, diz o povo.

A alegria faz bem à saúde: «O coração alegre é, para o corpo, remédio salutar», recorda o Livro dos Provérbios (17,22).

Estamos habituados a rezar a vida como um vale de lágrimas. Mas o salmista recorda-nos que «Aqueles que semeiam com lágrimas, vão recolher com alegria» (Salmo 126,5). E Jesus sublinha-o: «Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há de converter-se em alegria!» (João 16,20).

Diz Neemias: «A alegria do Senhor é a vossa força» (Neemias 8,10).

E o autor do Eclesiastes aconselha a alegria: «Vai, come o teu pão com alegria e bebe com prazer o teu vinho, porque a Deus agradam as tuas obras» (Eclesiastes 9,7).

Uma alegria que é cósmica: «Alegrem-se os céus, exulte a terra! Ressoe o mar e tudo o que nele existe! Alegrem-se os campos e todos os seus frutos, exultem de alegria todas as árvores dos bosques na presença do SENHOR, que se aproxima e vem para governar a terra! Ele governará o mundo com justiça e os povos, com a sua fidelidade», como proclama o Salmo 96 (vv. 11-13).

Uma alegria que vem de Deus: «É que o Reino de Deus não é uma questão de comer e beber, mas de justiça, paz e alegria no Espírito Santo», escreve Paulo aos cristãos de Roma (Romanos 14,17).

Uma alegria que é uma maneira de rezar: «Todas as vezes que me lembro de vós, dou graças ao meu Deus, sempre, em toda a minha oração por todos vós. É uma oração que faço com alegria» (Filipenses 1,3-4).

Uma alegria que é o mandamento do missionário: «Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!» escreveu Paulo aos Filipenses (4, 4).

A saudação do anjo a Maria é a saudação a cada um de nós: alegra-te!

Maria: São Jerónimo escreveu que Maria quer dizer Estrela do mar. Mas em hebraico também pode significar menina desejada, rebelião e mar de amargura.

Cheia de graça: é o novo nome que Gabriel chama a Maria de Nazaré. Ela é a agraciada do Senhor. «Cheia de graça», num sentido mais literal da expressão, pode também assumir-se como sinónimo de «plena de Deus» (cheia = plena; Graça = Deus)

É interessante notar que graça e alegria em grego partilham a mesma raiz. Maria é convidada à alegria porque está cheia do amor de amado (outra maneira de traduzir cheia de graça).

Os autores protestantes preferem traduzir por «a mais favorecida».

Na Encíclica Redemtoris mater, São João Paulo II escreve: «Quando lemos que o mensageiro diz a Maria «cheia de graça», o contexto evangélico, no qual confluem revelações e promessas antigas, permite-nos entender que aqui se trata de uma «bênção» singular entre todas as «bênçãos espirituais em Cristo». No mistério de Cristo, Maria está presente já «antes da criação do mundo», como aquela a quem o Pai «escolheu» para Mãe do seu Filho na Incarnação ― e, conjuntamente ao Pai, escolheu-a também o Filho, confiando-a eternamente ao Espírito de santidade. Maria está unida a Cristo, de um modo absolutamente especial e excecional; e é amada neste «Filho muito amado» desde toda a eternidade, neste Filho consubstancial ao Pai, no qual se concentra toda «a magnificência da graça». Ao mesmo tempo, porém, ela é e permanece perfeitamente aberta para este «dom do Alto» (cf. Tiago 1,17) Como ensina o Concílio, Maria «é a primeira entre os humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem d'Ele a salvação» (RM 8).

A palavra graça está relacionada com oferta livre. O bispo D. António Couto de Lamego propõe outra leitura: a graça é o modo materno de Deus nos olhar enquanto nos embala nos seus braços. Graça é colinho de Deus! Todos gostamos de colinho, todos queremos o colinho de Deus, a sua graça.

O Senhor está contigo: Maria é convidada à alegria e chamada cheia de graça porque o SENHOR está com ela. Não se encontra só!

A saudação de Gabriel recorda a profecia glorificadora de Sofonias sobre Jerusalém: «O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (Sofonias 3,17).

O Senhor é a fonte da graça e da alegria. O SENHOR é o nosso espaço vital. «É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos», anuncia Paulo aos cidadãos de Atenas (Actos 17,28). O salmo 139 canta esta presença envolvente de Deus.

Santo Agostinho diz: «Fizeste nos Senhor para vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em vós.»

Através do mistério da Encarnação o SENHOR passa a chamar-se Emanuel, Deus-connosco – recordou o anjo do Senhor a José ao anunciar-lhe o nascimento de Jesus (Mateus 1,23). A Palavra de Deus, o Verbo é companheiro, caminhante, que monta a sua tenta entre nós através do mistério da encarnação (João 1,14 diz literalmente que «O Verbo fez-se carne e acampou – montou a sua tenda – entre nós).

Bendita és tu entre as mulheres: da saudação do anjo passamos à saudação de Isabel que distingue Maria entre todas as mulheres. Porquê? Isabel felicita Maria: «Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor» (Lucas 1,25).

Podia ser por ser a mão do Senhor: de entre todas as mulheres que nasceram e haviam de nascer Maria foi a eleita para ser Mãe de Deus. Mas Isabel diz que a felicidade maior de Maria, a sua bem-aventurança, é ter acreditado na força da Palavra de Deus. Jesus disse «Felizes os que ouvem a Palavra do Senhor e a põem em prática» (Lucas 11,28). Maria é Mãe bem-aventurada não apenas por ter concebido e dado à luz Jesus, mas na medida em que ouve a Palavra de Deus e a põe em prática (cf. Mateus 12,49-50).

Ter fé é isso mesmo: acreditar que a Palavra do Senhor se vai cumprir, que a Palavra tem em si a força da vida. Que o Senhor tem a última palavra e é uma palavra de vida, de vitória.

Bendito o fruto do teu ventre: Isabel diz bem de Maria e diz bem do fruto do seu ventre, Jesus (cujo nome quer dizer Deus salva). O fruto que Eva partilhou com Adão trouxe o pecado, a descoberta da nudez, as dificuldades da vida, a morte. O fruto da semente plantada pela sombra do Espírito Santo no seio de Maria é bendito, porque é vida e vida em plenitude para todos (João 10,10). O mistério da salvação começa na encarnação. Maria inverte o sentido do pecado: se por «Eva» chega a morte, por aquela que é «Avé» (alegre/agraciada) chega a Vida verdadeira.

Jesus: o seu nome em hebraico é a sua missão - Deus salva!

Santa Maria: Deus disse a Moisés: «Sede santos, porque Eu, o SENHOR, sou santo» (Levítico 19,2). Por seu turno, Isaías teve uma visão em que os serafins cantam o Deus três vezes santo cuja glória enche toda a terra como no-lo recorda Isaías (Isaías 6,3), enche cada um de nós.

Santo em hebraico significa separado. Deus é santo porque é separado. Separado de quem? De nós? Não, porque ele é Emanuel, Deus-connosco. Deus é separado dele próprio, não autocentrado, não vive para si. Deus é comunidade trinitária que transborda o seu amor e vem à nossa procura.

Pedro na primeira carta exorta: «Mas, assim como é santo aquele que vos chamou, sede santos, vós também, em todo o vosso proceder, conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo» (1Pedro 1,15-16).

Maria é santa porque depois de obter resposta às suas legítimas questões diz: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lucas 1,38).

Ser santo na cultura do individualismo narcisista globalizado é colocar o OUTRO como o centro da nossa vida, é abraçar a mística do encontro como a saída para os problemas sociais, políticos e culturais que nos desafiam.

Mãe de Deus: este é o título mais lindo de Maria. Foi-lhe dado em 431 no Concílio ecuménico de Éfeso, uma reunião de teólogos para esclarecer a união da divindade e humanidade de Jesus. O cânone primeiro do referido concílio é claro: «Se alguém não confessa que Deus é segundo a verdade o Emanuel e que por isso a santa Virgem é mãe de Deus (pois deu à luz carnalmente o Verbo de Deus feito carne), seja anátema.»

O patriarca Nestório dizia que Maria era mãe de Cristo mas não era mãe de Deus porque em Cristo havia duas pessoas: a humana e a divina.

O que os padres de Éfeso fizeram foi reconhecer aquilo que Paulo escreveu aos cristãos da Galácia: «Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher» (Gálatas 4,4).

Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte: Maria é a mãe de Deus e é a nossa mãe. Por isso lhe dizemos: «Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte.»

Todos nós somos santos, todos nós somos pecadores. Esta é a ambiguidade da experiência cristã. Precisamos da graça e da misericórdia de Deus para nos cristificarmos, sermos como Cristo.

João recorda na primeira carta que «se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós» (1 João 1,8). Um santo que não reconhece o seu pecado, a sua fragilidade, não é santo: é soberbo.

Maria foi-nos dada como mãe no alto da Cruz. Jesus disse a João: «Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois, disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!” E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua» (João 19,26-27). Somos filhos e a mãe intercede por nós. Ela é mãe de misericórdia e volve o seu olhar misericordioso para interceder por nós junto do Pai e pedir a paz e o perdão agora e na hora da verdade: a hora da nossa morte.

Amém: terminamos a ave-maria como terminamos todas as orações – com um AMÉM! Palavra hebraica que quer dizer certamente, estou de acordo, em verdade, verdadeiramente, assim seja. Em linguagem popular: assino de cruz!

O amém é o nosso assentamento áquilo que os nossos lábios, a nossa mente e o nosso coração rezaram. É uma palavra que cristãos, judeus e muçulmanos partilham, rezam. Uma ponte para o diálogo inter-religioso, uma ponte para a paz.

Amém!

CURSO DE MISSIOLOGIA 2017


O Curso de Missiologia é uma iniciativa dos Institutos Missionários Ad Gentes (IMAG) com o apoio das Obras Missionárias Pontifícias em ordem à qualificação do missionário e, consequentemente, da Missão. Este ano, realizou-se entre 21 e 26 de agosto, nas instalações dos Missionários da Consolata, tal como tem sido hábito, e contou com 60 participantes, oriundos de nove países e quatro continentes.

O Curso iniciou com D. António Couto, Bispo de Lamego, que falou sobre o tema “A Missão no Evangelho de S. Mateus”, o evangelista do ano, aquele monumento do perdão, evangelho da Igreja. Mateus, cobrador de impostos, homem marginal, que Jesus escolhe e transforma em grande discípulo; Mateus, aquele cuja experiência explosiva do perdão e da transformação da sua vida o levou a querer que o mesmo perdão e a mesma vida abalassem toda a humanidade. Mateus, o homem renascido que organiza o seu evangelho em cinco discursos: discurso programático da montanha; discurso missionário; discurso das parábolas do Reino; discurso eclesial e discurso escatológico. Mateus, o evangelista que nos mostra o caminho que devemos trilhar: sem ouro nem prata, sem bastão nem sandálias, vendo a imagem de Deus naquele com quem nos cruzamos; sempre abertos à surpresa e com a sensibilidade apurada para que entendamos as parábolas do Reino, tais como a semente, o trigo e a cizânia, o grão de mostarda, o fermento, o tesouro escondido no campo, a pérola.

O segundo dia foi dedicado ao tema “Cristianismo e Globalização: Estado, Igreja e Missionação na Época Moderna e Contemporânea”, um tema vastíssimo que foi tratado magistralmente pelo Prof. Doutor José Eduardo Franco. O Cristianismo como motor de globalização, numa irradiação que iniciou no século XV. Foram realçadas algumas figuras incontornáveis, tais como o Padre António Vieira (1608-1697, Missionário do Ocidente), gigante que tivera como seu par, um século antes, Francisco Xavier (1506-1552, Missionário do Oriente). O sonho, tal como aquele do “Reino de Prestes João”, instigador de muitas expedições missionárias, o que nos mostra a importância da dimensão no imaginário para a nossa “saída” destemida ao encontro da “surpresa de Deus”. O Cristianismo que, com o movimento dos descobrimentos, passou de regional para universal, à semelhança do que tinha acontecido nos inícios da Igreja, embora em dimensões diferentes. Ficou-nos gravada na memória a necessidade do desenvolvimento de uma “metodologia da credibilidade” e do testemunho, não só na China e no Japão como também no mundo ocidental, não só no passado como também no presente.

Seguiu-se, na quarta-feira, a Doutora Teresa Messias, que nos falou da “Espiritualidade Missionária”: a respiração; o desejo de Deus de sair de Si e de Se nos doar. Não missões, mas sim a Missão: a Missão que é Cristo. Antes que nos apercebamos, acontece muita coisa com a existência de Cristo. Contínuo dom do Verbo. Jesus é, Ele próprio, a actividade missionária por excelência. Porque Jesus é, na sua natureza, a Missão. Assim, o apelo a que nos abramos à experiência de fé e à missão, a Ele, numa relação que é Pessoa. Amor dinâmico que é dom de si e recepção do outro. Espiritualidade da missão é uma espiritualidade da desinstalação, uma espiritualidade de movimento interior e exterior; um esvaziamento que gera vida. Esvaziar-se não pode ser conotado com perda, pois perder-se para dar vida é a verdadeira felicidade. Missão, que é Cristo, implica escuta, discernimento e um processo de inculturação. Não é a viagem que faz de nós missionários, mas sim a nossa atitude. A missão começa já, no lugar onde estamos, no mundo onde vivemos: em oração; em comunhão.

A quinta-feira foi dedicada ao tema de “Literatura e teologia: a ficção de Shūsaku Endō”, introduzido pelo Padre Adelino Ascenso. O escritor católico japonês, que viveu entre 1923 e 1996, foi um dos autores mais significativos do século XX, pertencendo a uma geração de escritores cristãos japoneses do pós-guerra. Baptizado aos 12 anos de idade, Endō lutou ao longo de toda a sua vida com questões relacionadas com a sua fé, nomeadamente com a forma de ser, simultaneamente, japonês e cristão. A sua obra literária adquire contornos universais em virtude da natureza profundamente antropológica dos temas teológicos tratados na sua obra de ficção. Após uma parte sistemática sobre os temas de literatura e fé, literatura e teologia, a natureza da narrativa e a tradição literária japonesa, foram apresentados alguns elementos da cultura japonesa: a harmonia, o escondimento, o silêncio e a “tripla insensibilidade” (Deus, pecado e morte), mundo em que o Cristianismo continua a ter uma presença pequena em número, embora a comunidade católica do Japão seja hoje muito respeitada pelos japoneses por causa do serviço que ela presta a todos, independentemente da religião, tal como refere o Papa Francisco. Temas teológicos, tais como o silêncio de Deus, o forte e o fraco, uma nova imagem de Cristo (débil, maternal e companheiro) e a apostasia, foram identificados e avaliados através da análise do romance Silêncio.

Sexta-feira foi o dia do “Diálogo inter-religioso” apresentado pelo Padre José Nunes, onde foi realçada a perspectiva actual da Igreja face às outras religiões, que é a da proposta de um fecundo diálogo, baseado no apreço e respeito por essas mesmas religiões. Qual o estatuto teológico das religiões não-cristãs? Qual o seu valor salvífico? Estas foram algumas das questões levantadas e às quais o docente procurou dar resposta, baseando-se no rico espólio de documentos do magistério sobre este assunto, recorrendo, igualmente, a autores domo Daniélou, Congar e Rahner, entre outros. O desenvolvimento do tema espraiou-se por diversas secções, desde as condições básicas para o diálogo e os seus vários níveis, desaguando na apreciação teológica das religiões não-cristãs. Na qualidade de uma das três perspectivas actuais da Igreja para a missão ad gentes – a par da libertação e da inculturação –, o diálogo inter-religioso é um tema que não poderá, de forma alguma, ser ignorado. De facto, todas as religiões têm elementos estruturantes comuns, tais como o âmbito do sagrado, o mistério, a atitude religiosa e as mediações.

A luz da exposição “As cores do sol: a luz de Fátima no mundo contemporâneo”, cuja visita guiada se realizou no sábado, iluminou toda esta semana do Curso de Missiologia.

Na missa de encerramento, presidida pelo Padre Adelino Ascenso, presidente dos IMAG, foram entregues os diplomas aos 18 cursistas que completaram o biénio de participação e todos foram enviados para os seus campos de trabalho e missão.

A evangelização começou, muitas vezes, a partir da imposição de uma imagem estereotipada de Cristo, procurando-se, então, adaptar as realidades culturais a tal sólida imagem. No entanto, o ponto de partida terá de assentar nos fundamentos da natureza humana. As energias terão de ser concentradas na área da pré-evangelização, preparando-se, deste modo, cuidadosamente, o terreno antes de colocar as sementes. Necessitamos de um novo paradigma da missão, o qual terá de passar pelo “ide e escutai”, “ide e aprendei”. É urgente que nos consciencializemos de que pouco teremos para ensinar: quando muito, seremos instrumentos através dos quais Cristo ensinará. A nossa atitude terá de ser aquela de quem vai ao encontro do diferente com o coração de portas abertas à escuta.
P. Adelino Ascenso
Presidente dos IMAG

24 de agosto de 2017

Ir. ALFREDO FIORINI: MÁRTIR COMBONIANO


Faz hoje 25 anos que o irmão missionário comboniano sucumbiu às balas assassinas numa emboscada no Muiravale, na estrada entre Nacala e Carapira, no norte de Moçambique.

Conheci-o no outono de 1990.

Veio para Lisboa para aprender português. 

Um homem, sereno, sorridente, sábio com coração de poeta.

Era médico.

Trocou uma carreira promissora na marinha pela vida missionária comboniana.

Chegou a Moçambique a 3 de fevereiro 1991.

Foi destinado ao Hospital de Namapa, uma estrutura sanitária do Governo arruinada pela RENAMO.

Mais tarde foi transferido para a missão do Alua.

Foi morto numa emboscada da RENAMO a 24 de agosto de 1992 no mesmo troço onde a comboniana Teresa Dalle Pezze foi assassinada uma dúzia de anos antes.

Viajava de Nacala para Carapira depois de um curto período de descanso junto ao Índico.

27 balas vararam o carro. Uma atingiu-o em cheio na testa.

Tinha 37 anos.

Os rebeldes, ao aperceber-se que tinham matado um missionário, não tocaram nos pertences.

Foi sepultado a 31 de agosto na Igreja da Terracina natal, mártire entre os mártires.

Escreveu num poema a comentar Mateus 11, 28:

Venho a ti; Tu só lês
dentro de mim
se as minhas intenções
são suficientemente puras…
Os meus anos não passaram
leves,
mas deixaram sinais profundos
como os carros sobre as veredas
do campo.
Com certeza sei que deserto
e silêncio
não se encheram só do meu
movimento, e que,
agarrado à Tua mão,
conhecerei uma libertação contínua.

Noutra poesia escreve:

Mas às vezes, calado
e com fôlego débil,
tremo por esta estranha
vocação
de ser somente um fósforo
ou mais simplesmente
um pavio.
E talvez, de irmão,
Nem isso sequer…

Um fósforo? Um pavio? Um luzeiro no Céu!