26 de fevereiro de 2020

CARTA DOS GUMUZ


Queridos familiares, amigas e amigos,

Espero que este e-mail vos encontre bem. Espero que toda a família esteja bem.

Graças a Deus estou bem.

Começo a sentir o forte calor, quase sempre de 40 graus que aqui se faz sentir. O calor que não se compara ao mesmo calor que sinto quando visito famílias, brinco com crianças ou trabalho com esta gente maravilhosa. Como dizia São Pedro, “como é bom estar aqui” (Mateus 17,4).

Continuo envolvido na Biblioteca. Graças a Deus e à generosidade de algumas pessoas, foi possível comprar mais alguns livros para a Biblioteca. Os estudantes que aparecem podem ter acesso aos livros escolares básicos. Duas senhoras portuguesas, que aqui vieram trouxeram calculadoras e outro material. Muitas vezes procuro ter cadernos escolares e canetas e oferecer àqueles que não têm possibilidades económicas, mas que revelam grande interesse. Sempre que solicitam algum livro em específico tentamos comprar. O seu tempo não é como o meu e posso ter dias em que me aparecem dois ou três como ter dias em que me aparecem 20. Mas, como os compreendo. Jovens, com trabalho a fazer no campo, a estudar, com família e alguns com dois ou três filhos, já. Como poderão ter tempo para a Biblioteca. A verdade é que arranjam e quando vêm estudam, há silêncio e isso deixa-me bastante alegre.

Continuo a ter um grupo fiel nas aulas de inglês e de informática. Eles gostam, têm desejo de aprender e eu, não sendo um especialista, tenho muito gosto em ensinar-lhes.

Tenho um grupo de estudo da Bíblia, em inglês, com quatro catequistas. Lemos a Bíblia, explico palavras em inglês, meditamos os textos, por vezes vemos filmes religiosos em inglês. Sinto-me muito feliz com eles.

Costumo ir brincar na escola que ainda alberga famílias refugiadas. Comprámos uma bola e isso é suficiente para reunir os jovens e para desfrutarmos de bons momentos.

Duas vezes por semana, no mínimo, acompanhamos os catequistas nas aldeias, visitamos famílias, brincamos com as crianças. São momentos que nos enchem o coração. Estar com as pessoas é fundamental na vocação missionária.

Com os Missionários Combonianos, com quem vivemos, todos os dias temos missa às 6.30 e todos os sábados fazemos uma hora de adoração eucarística. Às quintas-feiras vamos a casa das Irmãs Missionárias Combonianas, também com elas, temos uma hora de adoração eucarística e jantamos juntos. Às quartas-feiras eu e o David temos oração comunitária.

Apesar de todo este trabalho é desejo dos Leigos Missionários Combonianos, eu e o David (meu companheiro de comunidade) incluídos, iniciar uma nova presença missionária entre o povo Gumuz. Não somos os primeiros LMC na Etiópia, mas somos os primeiros a trabalhar e a viver entre os Gumuz.

Assim sendo, estamos a visitar as comunidades, falamos com as pessoas, analisamos a situação concreta de cada vila e das famílias.

Infelizmente o carro que temos não nos permite esse trabalho contínuo. As estradas são péssimas e requerem uma carrinha razoável. Depois de um mês, só agora retomámos a brincar com as crianças das aldeias pois o nosso carro estava no mecânico, o que acontece com muita frequência. Para além de que continuamente estamos a pagar essas despesas. Será necessário comprar um novo carro que nos permita continuar o nosso trabalho.

Para além disso é nossa intenção construir uma casa numa das aldeias, junto das pessoas, e viver com elas. Juntamente com a casa iremos iniciar projetos. Ainda estamos a definir os projetos mas a construção de um jardim de infância para as crianças que passam o dia sozinhas, sem qualquer adulto e de um Lar de estudantes, que permita a alunos irem à escola, quando muitos não podem ir ou fazem 30 quilómetros diários para irem à escola são os projetos que nos parecem mais viáveis, tendo em conta o que já analisámos e ouvimos de jovens e adultos.

Infelizmente para realizar estes projetos será necessário dinheiro. Por isso peço a vossa oração para que possamos realizar a vontade de Deus junto deste povo lindo. Caso saibam de ONGs que financiam este tipo de projetos, informem-nos, por favor. Toda a ajuda, por mínima que seja, é preciosa para Deus. E como sei que não estou sozinho aqui, tenho a certeza que estais comigo!

As adversidades por vezes aparecem, tais como tifo ou tifoide, mas estou alegre por ter sido enviado para este lugar onde Deus já se encontrava no meio destas pessoas.

Estou quase a completar um ano neste país lindo! Não duvido disso! É um país lindo! Estou feliz! Sinto-me feliz! Vivo feliz! Isso não significa que, não haja sofrimento. Significa que, apesar de todas as contrariedades que aparecem, vale a pena estar aqui, significa que Deus nos fortalece e nos dá os instrumentos necessários para realizar a sua vontade!

Continuo a ter-vos presentes na minha oração, continuo a sentir a vossa amizade bem perto de mim, continuo a aprender que a distância não quebra laços antes os fortalece, recordando-me diariamente o quanto a vossa amizade e amor são importantes para mim.

Beijinhos e abraços deste amigo que muito vos quer,
Pedro Nascimento
Gil Gel Belez - Etiópia

5 de fevereiro de 2020

NOVO SUDÃO



A Primavera sudanesa parece consolidar-se.
Os cristãos do Sudão voltaram a celebrar em público o Natal depois de oito anos de pausa. O Governo repôs o feriado natalício que Omar al-Bashir suspendeu em 2011 por causa da independência do Sudão do Sul. O primeiro-ministro, Abdallah Hamdok, tuitou: «Este é o Sudão com que sonhamos. Que respeita a diversidade e permite que todos os cidadãos sudaneses pratiquem a sua fé num ambiente seguro e dignificante.»

A Primavera sudanesa está a consolidar-se depois da ameaça de um Inverno de violência quando os soldados da RSF, a Força de Apoio Rápido, tomaram conta das ruas da capital, apoiados pela Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. As milícias baggara atacaram os civis que bloqueavam as ruas de Cartum em Junho passado e mataram cerca de 130 pessoas.

O Conselho Militar de Transição e o movimento civil Forças para a Liberdade e Mudança fizeram um acordo de partilha do poder apadrinhado pelos países vizinhos a 17 de Agosto de 2019, abrindo caminho para um governo civil de transição de 39 meses chefiado pelo economista Abdallah Hamdok. O Governo, que tomou posse no início de Setembro, está empenhado em criar as bases para um Sudão novo, multiétnico e democrático.

O comboniano espanhol Jorge P. Naranjo vive no Sudão há doze anos e dirige a Faculdade Comboni de Ciência e Tecnologia em Cartum. Diz que o Governo arregaçou as mangas e luta para levantar o país, que parecia cair a pique, sem solução.

«O director-geral do Currículo Educativo anunciou no início de Dezembro as reformas sobre as quais a sua direcção-geral está a trabalhar e que devem estar prontas para o próximo ano lectivo, que começa em Junho de 2020. O Alcorão, que estava presente em múltiplas horas semanais de religião e em todas as outras disciplinas, vê-se limitado a duas horas nas aulas de religião e à disciplina de língua árabe», escreve.

Em Outubro, o Governo retirou 10 mil soldados que combatiam no Iémen na coligação saudita e mantém negociações com os movimentos rebeldes mediadas pelo Sudão do Sul. As agências humanitárias podem finalmente assistir as gentes dos Montes Nubas e o Estado do Nilo Azul, áreas fustigadas pela aviação militar desde meados de 2011. O Darfur, contudo, continua tenso e com mais de dois milhões de deslocados.

O NCP, o partido de Al-Bashir, foi desmantelado e o ex-presidente julgado por ter 90 milhões de dólares em casa. Foi condenado a dez anos de prisão, mas tem mais de 70 anos e vai passar apenas dois numa instituição correccional. Contudo, continua à mercê dos juízes, porque foi acusado de crimes no Darfur juntamente com mais 52 figuras do seu regime. Aliás, um grupo de darfurianos quer que o Governo o entregue ao Tribunal Penal Internacional para ser julgado por genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade.

A crise económica que provocou a queda do regime de quase trinta anos de al-Bashir continua por resolver e o Governo promete mudanças no sistema bancário coordenadas pelo Banco Mundial. Mas o comboniano português P.e Feliz Martins, que está no Sudão desde 2006, é optimista: «Isto vai muito, muito devagar. Passamos muitas horas por semana nas filas do pão e do combustível. Mas ouvem-se palavras bonitas e vê-se muito bom esforço nos grandes do Governo. A democracia é uma educação, uma cultura que leva muito tempo e paciência.» Que assim seja!

4 de fevereiro de 2020

VIVE COM ALEGRIA A DOAÇÃO


Ontem as comunidades combonianas da Maia e VN de Famalicão fizeram o retiro mensal. O pregador propôs que rezássemos a chamada à santidade a partir da exortação apostólica Alegrai-vos e exultai do Papa Francisco.

O Papa argentino escreve: «Se és consagrado sê santo, vivendo com alegria a tua doação».

Esta frase singela de 11 palavras acertou-me em cheio e quero fazer dela o horizonte do resto da minha vida.

Viver com alegria a doação!

Viver: sem entrar em pré-reforma, apesar de aos 60 na piscina pagar um bilhete mais barato.

Com alegria: este é o dom maior que o Senhor me fez – a alegria. 

Os anos, as desilusões, os desgostos, as fragilidades e outras coisas podem contaminar a alegria? Não quero.

A doação: amar é dar-se. Começo aos 60 uma nova história de amor: não sei com quem, onde nem como, mas estou pronto. Deus provê!

Em cada célula do meu ser ressoa um grande «bem-haja» pela vida, pela música, pela cor, pela beleza, pela dor, pelo amor.

Obrigado ao Deus unitrino por me amar e me chamar à vida e à sua missão. Obrigado aos meus pais por me terem criado com tanto amor e carinho. Obrigado a todos os que encarnam a ternura de Deus por mim. Sois tantas e tantos. Sou um sortudo!

Obrigado pelas mensagens de parabéns que já recebi e que vou receber. Amo-vos!