22 de dezembro de 2019

NATAL É FRATERNIDADE


“Porquanto um menino nasceu para nós, e o seu nome é: 
Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai Eterno, Príncipe da paz. 
Todos nele se sentirão abençoados; todos os povos o hão-de bendizer!!
(Is 9,5; Sl 72,17) 

Prezados Confrades, 

Em nome da Direção Geral e do Instituto desejamos-lhes um Santo Natal e um Ano novo repleto de graça missionária. 

Contemplar o mistério da encarnação de Deus na nossa história é fazer memória de um Deus que se manifestou com um rosto humano concreto, nascido num determinado tempo e lugar. A sua encarnação indica-nos que a salvação passa através do amor, do acolhimento, do respeito por cada pessoa na sua diversidade étnica, de língua, cultura, mas todos irmãos e humanos. 

O Ano da Interculturalidade que temos vivido, refletido, rezado e celebrado confirma que as nossas diferenças não são um mal ou um perigo, mas uma riqueza. É como o artista que quer fazer um mosaico: precisa de ter à disposição muitas pedrinhas de muitas cores e não o contrário. Assim somos nós, na nossa individualidade e na nossa diversidade, um cenáculo de apóstolos como dizia São Daniel Comboni: “Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio” (E 2648). 

A comunidade, o cenáculo, é o projeto, maneira de ser, realização, mas o objetivo é o Reino, entendido como um modo de vida completamente novo, entre as pessoas mais necessitadas. Comboni fala de raios que emanam do centro do cenáculo e brilham, levando o calor onde é necessário. 

Dessa comunidade que vive como cenáculo de apóstolos é que emanam os raios luminosos do testemunho da nossa vida, da nossa fé e que é a luz do Menino Jesus que recebemos como dom, e o levamos a todos os povos através do serviço missionário que realizamos como Instituo, na Igreja. É o ardor do coração do Bom Pastor que atinge a humanidade inteira levando o calor aonde for preciso, aos mais pobres e abandonados. 

É o testemunho da “nova criação, novos céus e nova terra onde habita a justiça, que justificando cada pessoa pela graça, os torna irmãos, abolindo as fronteiras, os muros, o ódio... Em Cristo não existe mais estrangeiros ou hóspedes, mas todos co-herdeiros e co-participantes da mesma graça: o dom do seu Espírito, com o qual Deus cria a humanidade nova, uma humanidade imensa que ninguém podia contar, composta de pessoas de «todas as nações, tribos, povos e línguas», que reconhecem que a salvação pertence a Deus (não a uma instituição) e ao Anjo (Ap 7,9-10). É o fruto maduro do dom do Espírito doado em Pentecostes” (Carta sobre interculturalidade). 

Sem este dom da fraternidade que o Menino Jesus nos trouxe, os nossos esforços por um mundo mais justo têm o pavio curto, e os projetos bem organizados correm o risco de se tornarem estruturas sem alma. Por isso, o nosso desejo de um Feliz Natal é um desejo de fraternidade. Fraternidade entre as pessoas de todas as nações, culturas, línguas, povos. Fraternidade entre nós. Fraternidade entre pessoas capazes de se respeitarem e de escutarem umas às outras. 

Que este Natal nos faça redescobrir os laços de fraternidade que nos unem como seres humanos a todos os povos. Que o Senhor encontre nos nossos corações uma casa acolhedora, a Casa Comum, disposta a deixar que a habite sempre para acolher a todos. Que Ele seja a Luz que guia os nossos passos no nosso caminhar em direção aos irmãos. 

Boa Festa de natal a todos. 

Conselho Geral

8 de dezembro de 2019

OBRIGADO!


Nestes seis anos de serviço missionário como provincial disse e escrevi muitas palavras. Kalamta ketir, dizem os árabes. Mas há uma que tenho que repetir sem parar: OBRIGADO!

Primeiro, obrigado ao Deus unitrino, porque esteve sempre comigo de tantas formas e através de tantas encarnações. De facto, «de tudo sou capaz naquele que me dá força» (Filipenses 4, 13). Esta frase de Paulo condensa a minha experiência de vida desde os votos perpétuos em maio de 1986 e ganhou novos matizes neste sexénio.

Depois, obrigado a cada um dos coirmãos pela confiança depositada em mim através da eleição para um cargo que não queria, pelos conselheiros que me deram, pela cooperação imensa nestes seis anos de liderança. Foi um serviço sinodal: caminhámos juntos à procura de respostas para os apelos do Espírito, o ator da missão, à Província.

Aceitei a vossa escolha com muita trepidação e em obediência. E vivi seis anos muito interessantes, de crescimento, de descoberta, em saída. Finalmente, tive o tempo que tantas vezes ansiei para ler, pensar, aprofundar, rezar, ser, estar…

Houve horas difíceis, mas também senti solidariedade e preocupação pelo bem comum.

Peço desculpa por nem sempre ter estado à altura da responsabilidade que me confiastes. Sei que nem sempre tive a disponibilidade afectiva para ser um irmão maior presente e próximo e por isso peço a tua misericórdia.

No momento em que escreve este bilhete de agradecimento não sei o que o Conselho Geral me tem reservado. Os irmãos maiores sabem que o meu coração quer voltar à Etiópia e que não gostaria de ir para Roma.

Toca-me muito a palavra do Senhor a Abraão: «Deixa a tua terra, […] e vai para a terra que Eu te indicar. […] Abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos» (Génesis 13, 1-2).

Vai e serás abençoado, serás bênção!

Foi assim na Etiópia, no Sudão do Sul e em Portugal. E vai ser assim, com certeza, onde a Trindade Santa me enviar a participar da sua única missão. Mesmo em contraciclo: quando queria ir para o Sudão, mandaram-me para a Etiópia; quando pensava regressar à Etiópia, propuseram-me o sul do Sudão. Fui e não me dei mal!

Por isso, vou acolher com alegria a «obediência» que o Senhor da missão me dá através do Conselho Geral. Primeiro, contudo, tenho que «recauchutar» a anca esquerda. Espero que o processo seja rápido!

Aproveito para te desejar Boas Festas de um Santo Natal e de um 2020 abençoado. Sabias que a manjedoura mais apropriada para o Deus-Menino nascer é o teu coração? Escancara-lho!

Dou os parabéns ao P. Fernando Domingues por ter sido escolhido e nomeado superior provincial a partir de 1 de janeiro de 2020 e peço que o Espírito do Senhor o assista neste novo serviço-chave.

Durante estes anos passei muitas vezes um a um os nomes dos membros da Província em frente ao Santíssimo para agradecer e abençoar. É nesse espírito que invoco a bênção de São Daniel Comboni: «Sempre peço ao Senhor por vós, pela vossa felicidade, pela vossa harmonia, por vossas almas, por vossos corpos. É a prece mais espontânea e sincera que me pode sair do coração» (Escritos 675).

Reza também por mim.

E, já agora faz-me um favor: não deixes que te roubem a alegria de seres missionário comboniano! Hoje e sempre. Amen.

6 de dezembro de 2019

ONDE O BACALHAU É REI



O Natal ainda vem longe mas, aqui e além, ouço dizer que já vem perto, que está mesmo a chegar. É uma quadra do ano em que, por vezes não podemos senão dar espaço à mente e à imaginação em busca de beleza, brilho e contemplação. Lá fora, na rua, apesar do frio, gente pára a admirar os enfeites, as luzes coloridas e as vidraças carregadas de montras. E a neve lá está, real ou imaginária, ao alcance do olhar ou mesmo debaixo dos pés. No aconchego e quentinho de casa, a família deseja reúne-se à volta da mesa tradicional onde o bacalhau é rei e superabundam guloseimas e doces. E uma boa pinga também não poderia faltar. Traz-se o pinheirinho e segue-o, de perto, o pai natal de barbas brancas com o baú das prendas. Por fim, vem a figura singular e exótica dos reis magos que, atravessando o deserto, chegarão a Belém, montados em camelos… Bem, mas, para tal, no país onde me encontro como missionário, o Sudão, nem preciso de imaginação: o deserto e os camelos são cá de casa.

«E o Menino? Um Natal cheio de tudo sem, sequer, O mencionar? Que gralha!» Parece que já estou a ouvir o teu murmúrio. Mas, ainda bem, pois, dessa maneira, puseste-o à vista, o qual era, precisamente, o meu desejo. Entraste, em cheio, no tema. Parabéns! Na verdade, o Nascimento de Jesus é a base de tudo o que, porventura, se venha a dizer ou fazer à volta do Natal. As tradições e os costumes que se criaram ou se vão criando, no tempo e no espaço, contribuem para vivermos as festas natalícias com bom espírito. No entanto, ao que vejo e não vejo, cada vez fico mais convencido de que, com o Natal tão secularizado deste nosso tempo de hoje, há o perigo de andar só pela rama, fazendo excelentes celebrações, acabando por chamar Natal àquilo que, realmente, não é. Porque falta o essencial. Falta o festejado. Falta o Menino Jesus.

Sou apologista da alegria completa e bem festejada. Mas que dizer de um presépio que ostenta, porventura, uma gruta admirável se o Menino não passa de uma frágil estatueta que não impressiona nem mexe com a nossa vida? A propósito, permito-me contar o que há uns anos atrás me aconteceu em Nyala, Darfur, com um grupo de jovens amigas e amigos reunidos à volta do presépio. A um dado momento, abaixei-me, peguei no Menino Jesus e, voltando-me para eles, disse: “nasceu para mim e para ti. Mas Ele não quer que fiquemos encantados e distraídos a olhar para a sua figura. Jesus tem o caminho marcado pelo Pai. Caminhemos com o Menino do Natal. Quanto a mim, foi por isso que eu vim para o Darfur e me encontro aqui hoje no meio de vós.”

Uma jovem, de nome Miriam, simpatizante cristã que, num futuro próximo deseja receber o Baptismo reagiu, confusa. A sua voz soou-me quase como uma repreensão: «Abuna, padre, foi realmente por isso que tu saíste da tua terra? Custa-me crer que, lá no teu país, o Natal não seja muito mais divertido do que aqui, no Sudão». E, quase querendo mostrar o que sabia a respeito te tão sagrado tema, continuou: «Pois deixa que te diga, eu tive ocasião de ver festas de Natal num programa de Televisão… lindo de verdade, coisa impossível de realizar aqui no nosso país. Não tenho bem a certeza, mas parece-me que também havia um Menino Jesus lá nesse show televisivo».

A reacção de alguns do grupo foi evidente: a Miriam estava longe de saber o que significa o verdadeiro Natal cristão. Da minha parte, compreendo que ela, não sendo cristã, tenha falado do seu Natal como um show que encontrara num qualquer canal televisivo. Mas ficaria realmente triste e preocupado se aquelas mesmas palavras viessem da boca de um cristão. Naquele mesmo instante, os meus olhos toparam com Henry, um seminarista de teologia, sudanês. Adivinhei no seu rosto um ar de reflexão, quase preocupante. Não me foi difícil ler o seu pensamento imediato. Conhecia-o como um jovem de fé responsável. Que sentimentos despertaria nele esta festividade cristã tão distintiva? Hesitou um momento mas, por fim, revelou o que lhe ia no coração:

«Quando era ainda catraio, gostava de ouvir os meus pais contar-me a história do nascimento de Jesus com todos os seus pormenores. Era um tema que a minha mãe repetia frequentemente, dando a impressão de que isso era tudo e só o que ela sabia e tinha para me ensinar. Mais tarde, no seminário, soube que a celebração da Páscoa é, sem dúvida alguma, superior à festa do Natal. E também fiquei a saber porquê: é que a Ressurreição é o tope e o máximo da fé cristã. Um dia, contei-lhe esta minha majestosa descoberta. E da sua boca saíram palavras de sabedoria que, até hoje, guardei com carinho. Foi então quando me disse que a Páscoa da Ressurreição é, de facto, a base da nossa fé, mas não podemos, tão-pouco, negar a importância do Natal. Jesus não poderia ter ressuscitado, se não tivesse morrido. E não poderia ter morrido, se não tivesse nascido.»

Os jovens manifestavam interesse em escutar o Henry que, entretanto, concluiu, citando palavras de sua mãe: «Meu filho, celebra o nascimento de Jesus, o Natal, com toda a solenidade, pompa e alegria. Mas nunca percas de vista o Menino de Belém que sua mãe Maria pousou no berço-manjedoura. Acompanha-o sempre nas suas palavras e obras… até ao dia em que irá morrer na cruz e nos conduzirá à Páscoa da Ressurreição. Desculpa se te fiz esperar até hoje para ouvires esta suprema verdade. A minha demora, propositada, sobre este assunto, foi para que fixasses bem na tua mente que Jesus, verdadeiramente, nasceu neste nosso mundo e, como ser humano, se encaminhou para a morte e ressurreição. Porque há pessoas, meu filho, que negam a encarnação de Jesus. Negam a sua humanidade. Negam o Natal.»

Não conheci a mãe do Henry mas revejo-me nas suas palavras. Deus encarnou em Jesus. Humano entre os humanos, Ele caminhará até chegar ao grande dia, aquele domingo, em que a manjedoura se transformou em túmulo. Um túmulo vazio. E, naquele mesmo instante, a Páscoa aconteceu.

Nasceu para mim e para ti. Para todos. Ai de nós, se perdermos de vista o Menino da manjedoura. Caminhemos com Ele para a meta do domingo de Páscoa, onde a Salvação nos espera. É por essa razão que os missionários partem. Para convidar os seus semelhantes a caminhar os caminhos da Salvação que o Natal, junto com a Páscoa, nos oferece. Verdadeiramente, na alegria do Natal já entrevemos e avistamos a alegria da Páscoa.
Feliz da Costa Martins 
Padre missionário comboniano 
El Obeid, Sudão

4 de dezembro de 2019

ADEUS MALÁRIA?


A malária pode ser erradicada se houver boa vontade.

Quando pensamos em animais perigosos, evocamos leões, leopardos, búfalos, hipopótamos, rinocerontes e afins. Contudo, o animal mais feroz é o minúsculo mosquito, responsável pela morte de 725 mil pessoas por ano através da transmissão por picada de doenças como a malária e a dengue.

A malária ameaça 3,4 mil milhões de pessoas em 97 países. A fêmea de cerca de 40 espécies do mosquito anófeles é o vector do parasita plasmódio que leva a malária de pessoas para pessoas por meio da sua picada. O parasita mais agressivo é o plasmódio falciparum, responsável pela maioria dos casos fatais da doença.

Em 2017, a Organização Mundial da Saúde reportou 219 milhões de episódios de malária em 87 países. Faleceram com a doença 435 mil pessoas, a maioria crianças com menos de cinco anos. A malária mata uma a cada dois minutos. Noventa por cento dos casos ocorrem em países africanos e quase três quartos dos episódios estão localizados em dez países a sul do deserto do Sara (Burquina Faso, Camarões, Gana, Mali, Moçambique, Níger, Nigéria, República Democrática do Congo, Tanzânia e Uganda) e na Índia.

Portugal teve malária endémica até 1950, sobretudo nas bacias dos rios Mondego, Sado e Águeda. O aquecimento global pode trazê-la de novo. Em português usamos duas palavras para designar a doença: malária (que vem do italiano e refere-se ao mau ar das águas paradas onde os mosquitos se multiplicam) e paludismo (do latim palude, paul ou pântano). Chama-se sezão (ou sezões) à febre provocada pela malária.

A malária atinge grandemente a economia dos países afectados, porque atinge a força de trabalho e gasta a fatia de leão dos orçamentos para a saúde.

Até 2000, o combate à malária esteve estagnado, porque é uma doença dos países pobres sem grandes recursos económicos. Na viragem do século, os casos de malária começaram a baixar significativamente devido ao financiamento de meios profilácticos. A Fundação Gates tem financiado a investigação. Em 2017, foram registados mais três milhões de casos que no ano anterior.

O combate à malária passa sobretudo pela prevenção. Dois meios importantes: a desinfecção de águas estagnadas com insecticidas (o DDT foi muito usado) e o uso das redes mosquiteiras para proteger as pessoas durante o sono (porque o anófeles é activo sobretudo ao anoitecer e de madrugada). Organizações não-governamentais têm distribuído milhões de redes tratadas com insecticida (que às vezes acabam na pesca).

O parasita tende a ganhar resistência às terapias. Por isso, as vacinas são uma linha fundamental no combate à malária. Neste momento, há organismos (incluindo portugueses) com trabalhos de investigação adiantados em relação a uma vintena de vacinas para prevenção da malária. Gana, Quénia e Maláui já estão a usar a RTS,S, a primeira vacina para crianças.

Outras soluções mais tecnológicas – como a da Microsoft – passam pelo uso de drones com armadilhas para apanhar mosquitos que, aliados à biologia molecular, podem detectar surtos de malária e actuar antes que o problema afecte a saúde pública.

Os odores são outra linha de investigação. Os mosquitos são atraídos pelo cheiro das pessoas afectadas pelo parasita, mas parecem detestar o odor das galinhas que podem ser um repelente natural dos mosquitos.