26 de abril de 2021

AUTORIDADES REAGEM A ATENTADO CONTRA BISPO-ELEITO DE RUMBEK


Algumas autoridades reagiram ao ataque que desconhecidos perpetraram contra o bispo-eleito da diocese católica de Rumbek, no Sudão do Sul.

O comboniano italiano P. Christian Carlassare foi ferido nas pernas por dois homens armados durante a noite passada no seu quarto em Rumbek.

O Conselho Geral dos Missionários Combonianos condenou o ataque através de um comunicado.

«Juntamo-nos às muitas pessoas de boa vontade que expressam a sua consternação neste enésimo episódio de violência contra pessoas indefesas e inocentes», escreveu.

E continua: «Seguindo o convite de D. Carlassare, rezemos pelas muitas pessoas de boa vontade que, no Sul do Sudão, sofrem com a persistência da insegurança e da violência. Rezemos também pela rápida recuperação de D. Carlassare, de modo a permitir-lhe receber a sua ordenação episcopal no dia 23 de Maio, como previsto».

O arcebispo católico de Juba também expressou a surpresa e tristeza que o ataque lhe provocou.

«Isto surgiu do nada. Nunca pensámos que tal coisa pudesse acontecer entre nós, especialmente depois da alegre recepção do bispo-eleito no aeroporto e como as pessoas estavam tão felizes em Rumbek por causa do bispo-eleito», Dom Stephen Ameyu declarou à Rede de Rádios Católica.

E disse: «Estamos muito tristes com esta notícia de bispo eleito ter sido baleado duas vezes nas suas pernas».

O arcebispo explicou que Deus protegeu o P. Carlassare: «Ambas as pernas foram alvejadas nos membros inferiores e as balas atravessaram, mas nunca afectaram os ossos do bispo-eleito. Penso que isso é um milagre de Deus e sabemos que sem Deus nas nossas vidas, podemos facilmente perder a nossa vida.»

O ministro interino da informação e comunicação do Estado de Lakes também condenou o atentado e apontou o dedo à administração da Igreja Católica ao microfone da Rádio Tamazuj.

«Sabe que cada caso aqui tem uma razão. Há casos relacionados com rapto de raparigas, roubo de gado, e alguns deles estão relacionados com mortes por vingança. Este caso é tão especial e estamos a tratá-lo como política dentro da própria Igreja Católica. Este do bispo parece ser algo dentro da sua administração porque é muito novo no local e não tem problemas com ninguém, mas foi alvejado», William Kocji Kerjok disse.

«Aqueles tipos vieram directamente ao seu quarto, lutaram para abrir o seu quarto até começarem a disparar contra o seu quarto. Quase 13 balas foram disparadas. E mais tarde, quando conseguiram entrar, disseram-lhe para se sentar e dispararam contra as suas pernas. Portanto, não tinham a intenção de o matar, mas penso que tinham a intenção de o assustar. Portanto, estamos a dizer que a liderança da Igreja Católica deveria ser responsável por isto», acrescentou.

O ministro Kocji disse que a polícia já prendeu 24 suspeitos relacionados com o ataque.

O P. Carlassare pediu para rezar por ele e pela diocese em declarações à rádio diocesana no Hospital de Rumbek.

«Rezai por mim, rezai todos por Rumbek, para que Deus tenha misericórdia de nós, e do povo de Rumbek, para que possamos receber misericórdia e Sua Graça».

O missionário expressou o seu perdão aos dois atacantes.

«Perdoamos também àqueles que cometem este tipo de acções. Não carregamos qualquer ressentimento».

O bispo-eleito pediu a Deus que transforme a maldade do ataque em algo de bom.

«Sabemos que Deus é maior do que tudo e Ele pode converter os nossos corações e transformar coisas más em boas. Portanto, unamo-nos em oração e tragamos coisas más para o bem. Sejamos bons cristãos e confiemos no Senhor, para que o Senhor possa fazer algo de bom pela nossa comunidade»

A Cruz Vermelha evacuou o P. Carlassare de Rumbek para Juba. Esta tarde foi levado para Nairobi, no Quénia, em avião-ambulância para receber tratamento adequado aos ferimentos nos gémeos das duas pernas.

SUDÃO DO SUL: BISPO-ELEITO FERIDO A TIRO


O bispo-eleito de Rumbek foi ferido a tiro por desconhecidos esta noite.

O P. Andrea Osman do clero de Rumbek disse à ACI-Africa que dois homens armados atacaram o bispo-eleito por volta das 0:45.

Destruíram a porta do quarto a tiro, feriram o P. Christian Carlassare com três balas nas duas pernas e fugiram. 

Não se conhece o motivo do ataque.

O missionário comboniano foi assistido no hospital de CUAMM, uma ONG católica italiana, em Rumbek onde recebeu uma transfusão de sangue.

O P. Louis Okot, superior provincial dos combonianos no Sudão do Sul, disse que P. Carlassare está fora de perigo e aguarda um avião para ser evacuado para Juba. Depois será transferido para Nairobi, Quénia, para tratamentos complementares.

“Ele disse-me que perdoou aos atacantes”, o P. Okot escreveu em mensagem eletrónica.

O P. Carlassare foi nomeado bispo eleito de Rumbek a oito de março. A sagração episcopal está marcada para 23 de maio, domingo de Pentecostes.

Tem 43 anos e trabalha no Sudão do Sul desde 2005.

O Estado de Lakes State, onde se situa a diocese católica de Rumbek, é das zonas mais violentas do Sudão do Sul.

25 de abril de 2021

ROSTOS DA MISSÃO


Quando, em Novembro de 2020, regressei de Portugal, nunca pensei viver os momentos que tenho experienciado nestes últimos meses.

Vivo em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Oeste da Etiópia e, na missão, trabalhamos essencialmente com o povo Gumuz.

Nós, Leigos Missionários Combonianos, vivemos com os Missionários Combonianos, na mesma missão. 

Não fechamos as portas a ninguém, mas este é um dos povos mais esquecido e abandonado da Etiópia e do mundo.

Várias pessoas de outras etnias, tais como Amara, Agaw, Chinacha, também aqui vivem. O solo é fértil e isso leva a que seja uma zona apetecível. E, por isso, muitas vezes, os Gumuz perderam terrenos que lhes pertenciam.

Mas, mesmo assim, as pessoas viviam em paz, sem grandes problemas. Em 2019, já eu estava na Etiópia, uma aldeia Gumuz foi atacada, pessoas mortas, casas queimadas. A nossa missão foi pioneira em prestar auxílio aos deslocados.

Quando regresso, em Novembro de 2020, rebeldes Gumuz começaram a atacar não Gumuz. Com grande dor soube da morte de muitos inocentes. A vida humana é preciosa.

Porém, assisti também à perseguição de Gumuz. Pessoas fugiram para a floresta, casas queimadas, dezenas de jovens presos sem qualquer justificação.

Recordo-me de ir com o David, meu colega de missão, até Debre Markos, na região Amara, com dois Gumuz, pois tinham receio de ser mortos. Várias vezes fomos prestar auxílio a detidos na esquadra da polícia.

Entretanto, o Governo começou a negociar com os rebeldes Gumuz e, durante quase dois meses conseguimos abrir escolas, clínica, biblioteca.

Porém, as negociações falharam e os rebeldes Gumuz mataram mais pessoas. Nem sempre é fácil concluir negociações quando as propostas exigidas são impossíveis de concretizar.

Como resposta, rebeldes Amara e Agaw, atacaram aldeias, mataram pessoas, queimaram casas. 

Os jovens com quem convivia, as mulheres do grupo que seguia, as crianças da escola e jardim-de-infância tiveram que fugir para a floresta: sem comida, sem roupa, sem nada. 

Pessoas que eu conhecia foram mortas: inocentes!

Na nossa missão muitas têm sido as pessoas que aqui vêm para pedir comida, dinheiro para comprar comida, assistência médica…

No início preparámos comida para todos os necessitados que vinham ao nosso encontro. 

"Dai-lhes vós mesmos de comer" (Mt 14,16), disse Jesus.

Depois, com a ajuda da diocese distribuímos massa e, diariamente, todas as manhãs servimos uma refeição a mais de 200 crianças. Aos domingos oferecemos uma refeição, depois da missa. 

O David todos os dias se responsabiliza pela gestão das refeições e a Irmã Nives (enfermeira comboniana) presta cuidados de saúde a dezenas de pessoas.

Eu alterno entre ajudar no trabalho com as crianças e ir a Mandura, à missão das Irmãs Combonianas que tiveram que deixar, devido a esta situação de guerrilha, vivendo por agora connosco. 

Durante o dia procuram estar em Mandura para acolher as pessoas que aparecerem. 

Eu ajudo com as tarefas doméstica: buscar água para os animais, para a casa (pois as irmãs estão sem água em casa), entre outros.

As irmãs Combonianas Vicenta e Cristiane e eu recebemos as pessoas que aparecem para cumprimentar ou pedir ajuda. 

Muitas delas arriscam vir à missão, depois de três a quatro horas a caminhar, para buscar cereais que guardaram na casa das Irmãs ou pedir ajuda.

Tem sido muito duro escutar tanto sofrimento: pessoas que estão a sofrer, subnutrição, crianças gravemente doentes, pessoas que perderam familiares, que perderam os seus cereais. 

Quantas vezes me é difícil adormecer a pensar nesta realidade.

A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos. 

Quando na Igreja rezo e olho para a cruz de Jesus vejo imensos rostos, contemplo esta realidade sofredora e percebo que Jesus está naquela cruz por nós e que continua a sofrer diariamente por nós. Mas, ao mesmo tempo, sinto estas palavras na minha mente: "Não tenhais medo! Eu estou convosco!".

Não é fácil viver estes momentos de sofrimento, mas a vivência da fé em Jesus, que passou a vida fazendo o bem, que sofreu, foi morto mas ressuscitou ajuda-nos a ser testemunhas do Amor de Deus entre as pessoas.

Obrigado a todos e todas que têm contribuído a vários níveis, de oração, amizade, carinho e ajuda para a missão. Sem a vossa partilha não teríamos hipótese de prestar auxílio. Muito obrigado de coração!

As tribulações não faltam, mas estai certos de que a vossa oração nos sustenta. A missão é de Deus e é nEle que devemos colocar a nossa confiança.

Abraço fraterno,

Pedro Nascimento

15 de abril de 2021

TESTEMUNHAS VIVENTES


Há pequenos textos da Bíblia que se colam ao coração como a lapa à rocha, que nos acompanham ao longo dos dias, desassossegam o caminho, desinstalam, abanam as seguranças.

Um desses textos que tem mexido comigo — sobretudo nestes dias de retiro — é o prólogo da Primeira Carta de João (1, 1-4).

Diz: «O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, — de facto, a Vida manifestou-se; nós vimo-la, dela damos testemunho e anunciamo-vos a Vida eterna que estava junto do Pai e que se manifestou a nós — o que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco. E nós estamos em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Escrevemo-vos isto para que a nossa alegria seja completa.»

Este texto é fundamental para mim, discípulo missionário, testemunha da Vida.

Testemunhamos e anunciamos o que ouvimos, vimos, contemplamos, tocamos com as nossas mãos. Esta é a gramática do serviço missionário ao mundo, da evangelização. Não anunciamos uma ideia, uma doutrina. Proclamamos uma pessoa, o Vivente, a fonte da vida, a Vida! 

O testemunho — e, depois, o anúncio — sem este processo verbal tem o sabor amargo de fraude.

Mais à frente, João escreve: «a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros» (1 João 3, 11).

Ouvimos o imperativo do amor manifestado pela Palavra encarnada, testemunho do amor do Pai para e por cada um de nós.

Jesus explicou a Nicodemos, o discípulo da noite: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (João 4, 16).

Vimos a Vida nas irmãs e irmãos que fazem da sua vida um evangelho vivo; que amam em excesso, incondicionalmente. Não importa se são cristãos ou não. São amantes da Vida.

Contemplamos a Vida no grande livro da criação: na beleza de um nascer ou pôr do sol; numa vale tranquilo ou numa montanha agreste; na beleza de uma pessoa; na delicadeza de uma flor selvagem; no canto de louvor de um pássaro; na força telúrica do mar ou de um vulcão; na violência da tempestade e no silêncio da brisa ligeira. No silêncio da noite estrelada; no breu sem luar; na noite escura da fé. No sofrimento e na dor, na morte…

Tocamos a Vida no serviço aos mais pobres, no corpo chagado dos doentes, na escuta sem pressas dos desconsolados…

Testemunhamos e anunciamos a Vida, vivendo totalmente, incondicionalmente, com a alegria de quem vive a Palavra. Ireneu de Lião disse que «a glória de Deus é o homem vivo».

Fazemo-lo para tecer uma rede cósmica de comunhão com o Pai e com o Filho, entre nós e com a criação inteira: uma torrente de Vida que transborda e vive em cada criatura.

Dizer o indizível, amar o invisível, crer o intangível gera uma alegria indescritível.

12 de abril de 2021

OUVIDOR DE QUESTÕES


Há uns anos, fui convidado a animar uma semana de animação missionária na cidade da Horta, na ilha açoreana da Faial.

Do programa que me propuseram constava um encontro com a ouvidoria.

Não fazia ideia do que a ouvidoria fosse. Perguntei. Interessante: era a designação local para arciprestado, vigararia.

O arcipreste chama-se ouvidor — dos colegas padres e diáconos e do bispo.

Por defeito profissional, habituei-me a ser dispensador de respostas: para as perguntas que me fazem, para as perguntas que ficam por fazer. Dispensador de palavras.

Aos 61, sinto a necessidade de mudar: de ser ouvidor das questões. Escutar as perguntas mais do que pensar as respostas.

Entreter as perguntas com carinho, devoção mesmo, mais que resolvê-las ou pô-las de lado, debaixo da carpete das questões impertinentes.

Sinto-me chamado a escutar o silêncio que habita cada pergunta, o silêncio da flor que abre do botão para amadurecer em fruto nutritivo e gostoso. O silêncio que acaricia e envolve cada palavra. A pausa do respiro. O silêncio que aconchega cada nota da partitura de uma canção, de uma sinfonia…

Alguém se queixou: «Agora que tínhamos encontrado todas as respostas, mudaram as perguntas».

A resposta da fé às grandes questões é sobretudo silêncio contemplativo perante o mistério da vida humana, da vida do Universo.

O Papa Francisco escreveu na magistral carta encíclica ecológica Laudato si, nº 49 que temos de ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.

Perguntar, questionar faz parte da arte de viver. Ouvir é o seu complemento. Perguntar sem ouvir é falar no vácuo.

Durante as três semanas de serviço militar aprendi que as perguntas estúpidas são as perguntas que não fazemos.

O poeta austríaco Rainer Maria Rilke escreve em Cartas a um poeta jovem: «Gostaria de lhe pedir, caro Senhor, que tenha paciência quanto a tudo o que está ainda por resolver no seu coração e que tente amar as próprias perguntas como se fossem salas fechadas ou livros escritos numa língua muito diferente das que conhecemos. Não procure agora respostas que não lhe podem ser dadas porque ainda não as pode viver. E tudo tem de ser vivido. Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta.»

O ouvidor, o encantador das perguntas é paciente, amante, vivente.

Sebastião da Gama, o poeta enamorado da Serra da Arrábida, escreve que «Pelo sonho é que vamos / Comovidos e mudos. […] Chegamos? Não chegamos? / —Partimos. Vamos. Somos.»

9 de abril de 2021

PÁSCOA DO TEMPO CORRENTE



Gosto muito do relato da terceira manifestação do Ressuscitado segundo o evangelista João (21, 1-14), porque diz que o Senhor Ressuscitado está connosco em todas as circunstâncias da vida.

Acontece não no primeiro dia da semana — como as outras que se deram durante a oração dominical da comunidade no contexto da celebração eucarística — mas nos dias úteis, em ambiente de trabalho, na ordinariedade do humano viver, na labuta suada e às vezes suja e sem grande sucesso do ganha-pão.

Simão Pedro disse: «Vou pescar» e os outros responderam: «Também nós vamos contigo». Foram e naquela noite não pescaram nada. Acontece!

O Ressuscitado aparece-lhes, anónimo, na madrugada de um trabalho mal sucedido.

E ajuda-os: «Lançai a rede para a parte direita do barco». Eles fizeram-no e apanharam 153 peixões.

Perante pescaria tão abundante e fora de horas, o discípulo amado reconhece o Senhor no estranho que lhes dá indicações preciosas.

Pedro faz o contrário do que habitualmente fazemos na praia: veste a túnica (andava nu no barco,  qual padroeiro dos nudistas) para se atirar ao mar e faz uma prova de 100 metros braçadas para alcançar o Vivente.

João conta que quando desceram para a praia viram peixe a grelhar num braseiro com pão por cima.

Jesus prepara o mata-bicho e serve-os. Um gesto de cuidado cheio de ternura. A continuação do lava-pés.

Afinal, também podemos encontrar o Ressuscitado nas ocupações ordinárias e às vezes mal sucedidas do tempo que corre.

A narrativa também tem um significado alegórico: a barca representa a Igreja, a pesca é o serviço missionário — que tem noites de insucesso. Mas seguindo as instruções do Senhor, a pesca torna-se abundante, abarca todos os povos. E a rede não se rasga em a barca vai ao fundo. A Igreja não se auto-destrói com a sua expansão missionária. 

Cada dia é dia de Páscoa, da manifestação do Senhor Ressuscitado, na vida da comunidade em geral e dos crentes individualmente.


 

6 de abril de 2021

UMA PÁSCOA DE DESEJOS E PROMESSAS



Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu abro os vossos túmulos,
Eu ergo-vos das vossas sepulturas, meu povo! 
(Ezequiel 37,12) 
Caros amigos,

a Páscoa do Senhor é o momento em que esta extraordinária promessa é cumprida. É um momento para recuperar a esperança perdida. Um novo vento primaveril sacode o ar velho do túmulo em que a pandemia nos manteve presos, para renovar a nossa vontade de viver!

Em tempos particularmente difíceis como o nosso, cheios de incerteza, parece-me importante entrar em contacto com os nossos desejos mais profundos e os nossos medos mais profundos, que acabam por nos levar de volta ao desejo perene de vida e ao medo ameaçador da morte.

Vivemos todos os dias com desejos e esperanças. Desejo pequeno ou grande, transitório ou persistente, pessoal ou altruísta... Creio, no entanto, que nós cristãos somos chamados a viver acima de tudo pelas promessas que Deus nos faz. «Deus não cumpre todos os nossos desejos, mas todas as suas promessas», diz o teólogo Bonhoeffer.

A Páscoa é uma passagem de uma existência vivida sobretudo sob o signo dos desejos para uma existência iluminada pelas promessas de Deus. Na verdade, preferia falar de uma promessa, no singular. Parece-me que todos nós vivemos por uma promessa pessoal que Deus nos fez quando fez um pacto de amor com cada um e cada uma de nós. Esta promessa escondida nos nossos corações corresponde ao «novo nome que ninguém conhece senão aquele que o recebe»» (Apocalipse 2,17) e que Deus diz ter escrito na palma da sua mão (Isaías 49,16).

Infelizmente, esta "promessa pessoal" é muitas vezes desconhecida para nós, ou sem contornos precisos, enredados como estamos nas malhas dos nossos desejos ou devido à falta de atenção às moções do nosso espírito. 

O meu, parece-me, é muito claro. Lembro-me com precisão do momento, do lugar e das circunstâncias. Foi durante o Verão de 1977, em Londres, durante uma experiência de estudo e trabalho. Estava então numa situação de tumulto interior, assolado por dúvidas e medos, se deveria consagrar a minha vida definitivamente a Deus como missionário. 

Dentro de mim ressoava esta promessa do Senhor: «Aconteça o que acontecer, eu estarei contigo para dar sentido à tua vida». Ali, num restaurante perto da ponte Westminster de Londres, onde trabalhei em part-time com outros estudantes, nesse dia, fortalecido por essa promessa, dei alegremente o meu último SIM ao Senhor. Esta "promessa de sentido" dirigiu toda a minha vida, desde os entusiasmos da juventude, até ao tempo da maturidade apostólica e agora da doença da ELA (esclerose lateral amiotrófica).

Este é o meu desejo pascal: que a luz da Páscoa ilumine as profundezas ocultas do nosso espírito, e nesse emaranhado de desejos e medos nos alcance com toda a sua força a promessa pessoal do Ressuscitado: Eis, eu estou e caminho contigo!

Cristo ressuscitou, sim, ele ressuscitou verdadeiramente! Aleluia.
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Castel D'Azzano (Itália), 4 de Abril de 2021

4 de abril de 2021

PASSAGENS DA PÁSCOA


A primeira foi a páscoa dos hebreus: passagem (pesach) da escravidão do Egito à liberdade da terra da promessa através da porta do mar. 

A Páscoa maior foi a de Jesus: a sua passagem da morta para a vida através da porta rolada do sepulcro novo cavado na rocha de um jardim.

A nossa páscoa — a passagem do pecado à graça, do egoísmo ao amor, do eu ao tu, ao nós — e a páscoa da natureza — a passagem da exploração desenfreada ao uso sustentado através da ecologia— derivam da Páscoa de Jesus, atualizam-na.

João escreve: «nós sabemos que passámos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte» (1 João 3, 14).

O Amor é a porta maior que dá acesso a paisagens de vida sempre novas. O amor redime-nos. Humaniza-nos.

O olhar cínico da vida repete que o amor é para os românticos, os frouxos; o que conta sou eu — em inglês até se escreve com letra maiúscula, a expressão mais exaltada do euismo. O que move o mundo é o meu bem-estar.

A ressurreição de Jesus — que foi morto porque nos amou até ao fim com um amor extremado — rasga passagens novas de vida no horizonte do humano viver: devolve-nos uns aos outros para nos dar a Deus.

Celebrar a Páscoa, sentir a vida a florir dentro de nós, ser parte deste enorme concerto de vida que é a Primavera, é amar. 

O amar é gramática de Páscoa, modo de conjugar a vida.

Na hora da verdade só o amor redime, salva, ressuscita.

O amor não é sentimento etéreo, nebuloso.

O amor é artesanal, feito de pequenos gestos concretos, obras de arte ao outro e à natureza (que é a nossa casa comum, a nossa irmã, a nossa mãe).

Porque amamos, vivemos, viverão!

Porque amamos celebramos a Páscoa!

Porque amamos cantamos aleluia!

2 de abril de 2021

SEXTA-FEIRA SANTA


Cerro o olhar,
aligeiro o respirar,
aquieto o pensar...
Penso na morte do Justo há dois milénios; 
e na dos crucificados de hoje:
vítimas do Covid,
da economia egoísta, 
da violência à solta, 
da cobiça do poder,
dos desastres climáticos, 
de males com remédio...
Penso na morte,
mas é de vida que Deus me fala:
a vida que me rodeia,
que respiro,
que comparto
neste banco de pedra sentado:
no chilreio dos pássaros, 
felizes;
no assobio dos melros, 
despreocupados;
no cacarejar dos galináceos 
a esgravatar;
no zumbido dos insetos, 
atarefados;
no cheiro doce da natureza 
em flor,
na carícia cálida
da brisa que aconchega.
A morte é uma intermitência:
a vida volta sempre,
permanece!
Primavera eterna
que se renova a cada morte
através do amar
revolucionário,
renovador,
redentor,
ressuscitador...

A ESPERANÇA DA PÁSCOA

Mensagem do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa


1. A celebração anual da Páscoa do Senhor é o dia por excelência da passagem à vida nova, a festa das festas cristãs. Por isso, o grito da Igreja que nasceu da Páscoa está inundado pela admiração, exultação e alegria: «este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria» (Salmo 117).

O encontro com o Ressuscitado transfigura o coração e é a razão para acolher o precioso dom e o compromisso da fraternidade e do cuidado integral. Infelizmente, pelo segundo ano consecutivo, o anúncio pascal chega em tempo de crise pandémica, que desterra a paz e a felicidade. Da Quaresma à Páscoa é uma grande peregrinação de Esperança.

Todavia, como interpela o Papa Francisco: «Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias» (Evangelii Gaudium 6).

 

2. Apesar desta situação dolorosa, não deixemos que se extinga a esperança da Páscoa! Sem ela a vida torna-se árida, insuportável, sem sentido. Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda da nossa esperança viva. «A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. (…) Cada dia, no mundo, renasce a beleza, que ressuscita transformada através dos dramas da história. (…) Esta é a força da ressurreição» (EG 276) que trespassa a nossa vida e a nossa história. Não fiquemos à margem desta esperança viva! Peçamos ao Espírito Santo que «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Romanos 8, 26) para fazer brotar em cada um sementes de vida nova.

 

3. Nas casas e nas famílias, a mesa é o lugar da partilha do pão e do dom da comunhão. A mesa continua a ser o lugar do dom da Páscoa: mesa da Palavra, mesa da Eucaristia e mesa da caridade fraterna. Aqui acontece o milagre da fraternidade cristã. A mesa com Cristo leva-nos à missão e à proximidade com quantos são atingidos pela pandemia e sofrem nos lares, nos hospitais e nas instituições, pedindo a bênção de Deus e a recuperação da saúde e da esperança. Continuamos a partilhar, igualmente, a dor das famílias que perderam os seus entes queridos, confiando-os aos braços misericordiosos do Ressuscitado, assim como a angústia dos que perderam ou viram substancialmente reduzidos os seus rendimentos necessários a uma vida condigna.

 

4. Renovamos a nossa gratidão pela heroicidade e dedicação à dignidade da vida humana: aos profissionais de saúde e de segurança, aos voluntários e a todas pessoas que fazem avançar a história da humanidade nos serviços essenciais e quotidianos ao bem comum.

É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus Cristo vivo, a transformar e a renovar o mundo.

 

5. O mundo inteiro prepara-se para sair desta pandemia que nunca ninguém pensou que pudesse ter tantas e tão graves consequências para a humanidade. Devemos entender a crise como um desafio à coragem criativa e à confiança crente. Desta crise temos de sair melhores. A todos os irmãos e irmãs, especialmente aos presbíteros, aos diáconos, às pessoas consagradas e às famílias cristãs, encorajamos a renovar as promessas batismais para prosseguirem nos caminhos da reconciliação e da conversão.

 

6. O sepulcro aberto proclama a alegria da presença viva e ressuscitada de Cristo e a Igreja pede-Lhe incessantemente: «Fica connosco, Senhor» (Lucas 24,29), para que seja sempre hoje de renovação pascal. Para todos existe a possibilidade de reencontrar a esperança, porque Cristo é a nossa Páscoa (cf. 1Coríntios 5,7) e a nossa paz. A fé, a esperança e a caridade que nascem e renascem da Páscoa frutificam, quando nos tornam mais irmãos e cidadãos mais ativos para se realizar a justiça e a paz, o perdão e o amor.

Lisboa, 11 de março de 2021

1 de abril de 2021

EM MEMÓRIA DO SENHOR


A Igreja Católica celebra hoje a instituição da Eucaristia através da Missa da Ceia do Senhor, que inclui o gesto profundamente simbólico do lava-pés.

Jesus inicia e explica a sua Páscoa — que inclui a sua paixão, morte e ressurreição — com a última ceia.

O evangelista João — que hoje é lido na liturgia da Palavra — introduz o mistério pascal de Jesus com a afirmação: «Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo» (João 13,1).

A Páscoa de Jesus é a prova do seu amor levado até ao extremo. Extremado. Total. Integral. Ilimitado.

Jesus, através dos gestos da ceia com os discípulos, explica o que vai fazer com a sua vida nesses dias que transformaram radicalmente o mundo, o Tríduo Pascal.

Paulo é o autor do relato mais antigo da instituição da Eucaristia, escrito por volta do ano 55, uns 20 anos depois da Ceia do Senhor.

Escreve aos cristãos de Corinto: «Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim”. Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim”. Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha» (1 Coríntios 11, 23-26).

Jesus entrega o seu corpo por cada um de nós. O seu sangue sela a aliança nova e eterna. Na Eucaristia comungamos o Senhor presente realmente no pão e no vinho. E comungamo-nos uns aos outros, seu corpo aqui e agora.

E manda: «Fazei-o em memória de mim».

Fazemos memória da Páscoa do Senhor cada vez que celebramos a Eucaristia. Ele dá-nos o seu corpo e o seu sangue, a sua vida inteira e por inteiro, cada vez que nos reunimos à volta das mesas da Palavra e o Pão.

Fazemos memória de duas maneiras: ritualizando a última ceia através da celebração da Eucaristia; sendo eucaristia: pão partido e repartido para a salvação de todos ao jeito de Jesus.

VOZES PROFÉTICAS


Bispos africanos estão a dar voz a posições arrojadas.

O episcopado africano pode ser considerado conservador na teologia, pastoral e liturgia. Contudo, tanto as conferências episcopais como bispos em particular estão a dar voz a posições arrojadas por todo o continente.

A SECAM – o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar – apresentou no fim de Janeiro o chamado «Documento de Campala», uma exortação pastoral de uma centena de páginas que nasceu das celebrações dos 50 anos da instituição. Pretende resolver as «dicotomias entre fé e política, Reino de Deus e transformação da Terra, salvação das almas e vidas terrenais, contemplação e acção». Alerta ainda para os perigos das espiritualidades de salvação e de prosperidade baseadas no sucesso e em soluções milagrosas.

As eleições são ocasiões em que muitas conferências episcopais fazem sentir as suas vozes e os seus reparos. Os bispos do Uganda, por exemplo, antes das presidenciais de Janeiro passado, recordaram que o «não roubarás» também se aplica aos votos e alertaram para a comercialização do acto eleitoral através de campanhas cada vez mais dispendiosas.

Os bispos da República Centro-Africana, no rescaldo das eleições de Dezembro, que deixaram o país a ferro e fogo, pediram diálogo sincero, franco, fraterno e construtivo para resolver a grave crise de violência que afecta o país. Denunciaram o sistema de uma minoria que beneficia das riquezas do país por causa da filiação partidária e afinidades tribais, e as conspirações externas com cumplicidades locais, que deixam o país à mercê de predadores e mercenários bem armados.

A Conferência Episcopal do Congo-Brazzaville também se pronunciou sobre a eleição presidencial marcada para 21 de Março: «Temos reservas sérias que uma eleição presidencial pacífica, participada, transparente, livre e credível possa acontecer nas condições actuais», escreveram.

Os bispos do Benim pediram diálogo forte e aberto entre os partidos e as instituições envolvidos nas presidenciais de Abril.

A pandemia de covid-19 – que a 15 de Março tinha matado no continente 108 064 pessoas (África CDC) e infectado 4 041 835 – também levou os bispos a tomar posições fortes de liderança. Por exemplo, a Conferência Episcopal da Tanzânia alertou para os perigos da segunda vaga da pandemia, porque «o nosso país não é uma ilha». Pede aos Tanzanianos que voltem a usar máscaras e a lavar as mãos com água e sabão, práticas que haviam abandonado. Os bispos do Senegal também expressaram a sua preocupação com as novas estirpes mais mortíferas da segunda vaga da doença.

Há ainda as vozes proféticas do bispo Dom Luiz Fernando Lisboa, de Pemba (Moçambique), que colocou o drama de Cabo Delgado na agenda internacional e que entretanto tomou conta de uma diocese no Brasil natal, de Dom Agapitus Nfon, de Kumba (Camarões), que tenta mediar a crise anglófona, que já fez três mil mortos desde 2016, ou Dom Stephen Dami Mamza,  bispo de Yola, na Nigéria, que construiu um bairro para alojar 86 famílias deslocadas pela violência do Boko Haram, com escola e mesquita incluídas.