31 de agosto de 2017

CURSO DE MISSIOLOGIA 2017


O Curso de Missiologia é uma iniciativa dos Institutos Missionários Ad Gentes (IMAG) com o apoio das Obras Missionárias Pontifícias em ordem à qualificação do missionário e, consequentemente, da Missão. Este ano, realizou-se entre 21 e 26 de agosto, nas instalações dos Missionários da Consolata, tal como tem sido hábito, e contou com 60 participantes, oriundos de nove países e quatro continentes.

O Curso iniciou com D. António Couto, Bispo de Lamego, que falou sobre o tema “A Missão no Evangelho de S. Mateus”, o evangelista do ano, aquele monumento do perdão, evangelho da Igreja. Mateus, cobrador de impostos, homem marginal, que Jesus escolhe e transforma em grande discípulo; Mateus, aquele cuja experiência explosiva do perdão e da transformação da sua vida o levou a querer que o mesmo perdão e a mesma vida abalassem toda a humanidade. Mateus, o homem renascido que organiza o seu evangelho em cinco discursos: discurso programático da montanha; discurso missionário; discurso das parábolas do Reino; discurso eclesial e discurso escatológico. Mateus, o evangelista que nos mostra o caminho que devemos trilhar: sem ouro nem prata, sem bastão nem sandálias, vendo a imagem de Deus naquele com quem nos cruzamos; sempre abertos à surpresa e com a sensibilidade apurada para que entendamos as parábolas do Reino, tais como a semente, o trigo e a cizânia, o grão de mostarda, o fermento, o tesouro escondido no campo, a pérola.

O segundo dia foi dedicado ao tema “Cristianismo e Globalização: Estado, Igreja e Missionação na Época Moderna e Contemporânea”, um tema vastíssimo que foi tratado magistralmente pelo Prof. Doutor José Eduardo Franco. O Cristianismo como motor de globalização, numa irradiação que iniciou no século XV. Foram realçadas algumas figuras incontornáveis, tais como o Padre António Vieira (1608-1697, Missionário do Ocidente), gigante que tivera como seu par, um século antes, Francisco Xavier (1506-1552, Missionário do Oriente). O sonho, tal como aquele do “Reino de Prestes João”, instigador de muitas expedições missionárias, o que nos mostra a importância da dimensão no imaginário para a nossa “saída” destemida ao encontro da “surpresa de Deus”. O Cristianismo que, com o movimento dos descobrimentos, passou de regional para universal, à semelhança do que tinha acontecido nos inícios da Igreja, embora em dimensões diferentes. Ficou-nos gravada na memória a necessidade do desenvolvimento de uma “metodologia da credibilidade” e do testemunho, não só na China e no Japão como também no mundo ocidental, não só no passado como também no presente.

Seguiu-se, na quarta-feira, a Doutora Teresa Messias, que nos falou da “Espiritualidade Missionária”: a respiração; o desejo de Deus de sair de Si e de Se nos doar. Não missões, mas sim a Missão: a Missão que é Cristo. Antes que nos apercebamos, acontece muita coisa com a existência de Cristo. Contínuo dom do Verbo. Jesus é, Ele próprio, a actividade missionária por excelência. Porque Jesus é, na sua natureza, a Missão. Assim, o apelo a que nos abramos à experiência de fé e à missão, a Ele, numa relação que é Pessoa. Amor dinâmico que é dom de si e recepção do outro. Espiritualidade da missão é uma espiritualidade da desinstalação, uma espiritualidade de movimento interior e exterior; um esvaziamento que gera vida. Esvaziar-se não pode ser conotado com perda, pois perder-se para dar vida é a verdadeira felicidade. Missão, que é Cristo, implica escuta, discernimento e um processo de inculturação. Não é a viagem que faz de nós missionários, mas sim a nossa atitude. A missão começa já, no lugar onde estamos, no mundo onde vivemos: em oração; em comunhão.

A quinta-feira foi dedicada ao tema de “Literatura e teologia: a ficção de Shūsaku Endō”, introduzido pelo Padre Adelino Ascenso. O escritor católico japonês, que viveu entre 1923 e 1996, foi um dos autores mais significativos do século XX, pertencendo a uma geração de escritores cristãos japoneses do pós-guerra. Baptizado aos 12 anos de idade, Endō lutou ao longo de toda a sua vida com questões relacionadas com a sua fé, nomeadamente com a forma de ser, simultaneamente, japonês e cristão. A sua obra literária adquire contornos universais em virtude da natureza profundamente antropológica dos temas teológicos tratados na sua obra de ficção. Após uma parte sistemática sobre os temas de literatura e fé, literatura e teologia, a natureza da narrativa e a tradição literária japonesa, foram apresentados alguns elementos da cultura japonesa: a harmonia, o escondimento, o silêncio e a “tripla insensibilidade” (Deus, pecado e morte), mundo em que o Cristianismo continua a ter uma presença pequena em número, embora a comunidade católica do Japão seja hoje muito respeitada pelos japoneses por causa do serviço que ela presta a todos, independentemente da religião, tal como refere o Papa Francisco. Temas teológicos, tais como o silêncio de Deus, o forte e o fraco, uma nova imagem de Cristo (débil, maternal e companheiro) e a apostasia, foram identificados e avaliados através da análise do romance Silêncio.

Sexta-feira foi o dia do “Diálogo inter-religioso” apresentado pelo Padre José Nunes, onde foi realçada a perspectiva actual da Igreja face às outras religiões, que é a da proposta de um fecundo diálogo, baseado no apreço e respeito por essas mesmas religiões. Qual o estatuto teológico das religiões não-cristãs? Qual o seu valor salvífico? Estas foram algumas das questões levantadas e às quais o docente procurou dar resposta, baseando-se no rico espólio de documentos do magistério sobre este assunto, recorrendo, igualmente, a autores domo Daniélou, Congar e Rahner, entre outros. O desenvolvimento do tema espraiou-se por diversas secções, desde as condições básicas para o diálogo e os seus vários níveis, desaguando na apreciação teológica das religiões não-cristãs. Na qualidade de uma das três perspectivas actuais da Igreja para a missão ad gentes – a par da libertação e da inculturação –, o diálogo inter-religioso é um tema que não poderá, de forma alguma, ser ignorado. De facto, todas as religiões têm elementos estruturantes comuns, tais como o âmbito do sagrado, o mistério, a atitude religiosa e as mediações.

A luz da exposição “As cores do sol: a luz de Fátima no mundo contemporâneo”, cuja visita guiada se realizou no sábado, iluminou toda esta semana do Curso de Missiologia.

Na missa de encerramento, presidida pelo Padre Adelino Ascenso, presidente dos IMAG, foram entregues os diplomas aos 18 cursistas que completaram o biénio de participação e todos foram enviados para os seus campos de trabalho e missão.

A evangelização começou, muitas vezes, a partir da imposição de uma imagem estereotipada de Cristo, procurando-se, então, adaptar as realidades culturais a tal sólida imagem. No entanto, o ponto de partida terá de assentar nos fundamentos da natureza humana. As energias terão de ser concentradas na área da pré-evangelização, preparando-se, deste modo, cuidadosamente, o terreno antes de colocar as sementes. Necessitamos de um novo paradigma da missão, o qual terá de passar pelo “ide e escutai”, “ide e aprendei”. É urgente que nos consciencializemos de que pouco teremos para ensinar: quando muito, seremos instrumentos através dos quais Cristo ensinará. A nossa atitude terá de ser aquela de quem vai ao encontro do diferente com o coração de portas abertas à escuta.
P. Adelino Ascenso
Presidente dos IMAG

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