22 de abril de 2016

CONTRA O TRÁFICO HUMANO


A irmã Gabriella Bottani, missionária comboniana, é a responsável por Talitha Kum, a Rede Internacional da Vida Consagrada contra o tráfico humano, fundada em 2009. Em conversa com a Além-Mar, fala sobre o trabalho que fazem os consagrados em favor destes irmãos que vivem em situações semelhantes à escravatura.


Como é que qualificas o estado do tráfico de pessoas hoje?
O tráfico de pessoas é hoje um fenómeno que tem vindo a aumentar em todas as suas modalidades, seja na exploração sexual, como nos fenómenos da exploração laboral, trabalho forçado, casamento forçado, mendicância, tráfico para extracção de órgãos, tráfico para o envolvimento em actividades criminosas como meninos-soldados e também o tráfico de droga. Essas realidades criminosas vêm-se entrelaçando entre elas. É um fenómeno que tem vindo a crescer e também é cada vez mais difícil definir com clareza os lugares de origem e de destino ou de trânsito. O tráfico está a acontecer em todos os lugares, tráfico interno, tráfico transnacional. Há cada vez mais pessoas envolvidas. Homens, crianças, mulheres são utilizados para fins lucrativos. O tráfico, sobretudo de seres humanos, mas também o tráfico de armas e drogas, são das actividades ilícitas mais lucrativas que existem.


O tráfico de drogas, seres humanos e armas não são os pilares da economia subterrânea, mas da economia real do mundo de hoje. Como é que se pode contrastar esta realidade? Há alguma maneira de nos relacionarmos com os traficantes para tentar controlar este fenómeno de exploração?


Na minha experiência, o trabalho directo com os traficantes é muito difícil porque são actividades criminosas e também acaba por ser muito complexo e muito perigoso. O impacto também vai ser muito difícil para uma efectiva mudança. Mas essas actividades criminosas existem e subsistem porque são sustentadas por uma mentalidade e uma realidade que permitem a essas associações criminosas actuarem. Sustentam-se na corrupção, na indiferença, na ganância, no desejo de fazer dinheiro. Acho que temos de trabalhar mais as causas para as reduzir e todas aquelas áreas de vulnerabilidade; também aqueles elementos culturais da nossa época fazem com que essas organizações criminosas continuem a actuar. Penso sobretudo no exemplo mais simples, na questão da tentativa de reduzir a procura, que é uma das actividades que nós, como rede Talitha Kum, estamos a apoiar, reduzir a procura de sexo a troco de dinheiro. Porque, efectivamente, se as pessoas são traficadas e têm nesse sentido uma oferta é porque há procura, e reduzindo a procura nós esperamos também reduzir o impacto da consequência do tráfico. É por isso que projectos educativos, programas educativos e mudança de mentalidade são fundamentais.


Uma das características do tráfico de pessoas, armas e drogas é a organização extrema e minuciosa que faz com que consigam redes de infiltração, de angariação, de transporte. A esta organização extrema qual é o tipo de resposta que dá a Talitha Kum?
A primeira resposta é não ficarmos isolados, é ficarmos juntos, juntar as forças e acreditar, ter fé e esperança que podemos fazer algo. Não ficar passivos nem indiferentes diante dessas coisas. Por vezes o medo paralisa-nos, bloqueia-nos. Acredito que a primeira mensagem, a primeira força de uma rede é perceber que juntos podemos fazer algo, podemos mudar as coisas, não deixar um espaço tão grande para essas organizações criminosas e do mal.

A outra mensagem é o próprio nome Talitha Kum, que significa “levanta-te”. Esse levantar-se tem a força da Palavra de Deus, mas também tem a força de todos nós que quando nos relacionamos como verdadeiros irmãos e irmãs, quando conseguimos resgatar a nossa dignidade e sabemos que a dignidade do nosso irmão ou irmã é também a nossa dignidade. É um levantar-se diante dessas situações, mas também um levantar-se para contrastar com todas aquelas situações que estão efectivamente, como dizia antes, a favorecer o tráfico de pessoas.


Isso quer dizer que esta palavra que Jesus pronunciou há 2000 anos e que é tradição cristã conservou na língua original, o aramaico, talitha kum, levanta-te, continua a ser uma ordem dada hoje a quem?

A todos nós, acredito. Por vezes, tenho a impressão que somos muito negativos, já não acreditamos que é possível algo de diferente. Temos um olhar muito fechado e muito pessimista das realidades. O nosso tempo é um tempo complexo, de grandes mudanças epocais, mas isso não pode matar a esperança cristã. Esse «levanta-te» é dito para todos nós, temos de arriscar verdadeiramente, levantar a cabeça.

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