No registo de Marcos, esta é a frase de abertura do discurso de despedida de Jesus (Marcos 16, 15-18), depois de ter dado na cabeça dos Onze porque não acreditaram em Madalena e nos dois caminheiros de Emaús «pela sua falta de fé e dureza de coração».
Apetece-me refletir sobre esta frase fundamental da gramática da vida cristã, o testamento e a vontade última do Senhor Jesus com três histórias.
1. A catedral católica de Nairobi, no Quénia, tem nos altares laterais uma pintura de São Daniel Comboni e de São José Maria Escrivá, a olharem um para o outro.
Uma vez, sentado naquele templo, pus-me a imaginar o que dois santos tão diferentes diriam um ao outro durante o silêncio da noite.
De certeza que falam da obra de Deus. Um século antes de Escrivá ter fundado a Opus Dei já Comboni usava a expressão para designar o seu trabalho apostólico no coração da África. Aliás, ele usa o termo no singular e no plural 106 vezes.
Em julho de 1868 escreve a um amigo: «estou feliz por ver que a cruz de Jesus Cristo me cerca e agradeço ao bom Deus pelos espinhos com que aflige a minha existência. Isto conforta-me e dá-me mais ânimo que todas as riquezas da terra, porque são sinal do amor divino e de que a obra na qual trabalhamos é uma obra de Deus».
A missão não é pessoal e intransmissível, uma escolha individual. É imperativo divino na participação da única missão de Deus. Deus é missão, a trindade é amor em saída. Daí que o Papa repita até à exaustão que não fazemos missão, mas somos uma missão de encarnar aqui e agora uma palavra ou um gesto de Jesus.
2. Quando vivia na Etiópia fiz amizade com Abba Higram, o pároco ortodoxo da cidade de Solammo, perto da missão onde vivia.
Um dia perguntei-lhe: «Abba, porque não vai pelos matos a anunciar o Evangelho como os católicos e os protestantes fazemos?». Ele respondeu que não era preciso sair da igreja porque cada vez que celebrava a missa anunciava a Palavra aos quatro ventos.
Os ortodoxos têm a tradição de ler quatro textos bíblicos virados para os quatro pontos cardeais. O Evangelho, a leitura mais importante, é lido para leste.
Jesus diz: «Ide e proclamai». Obriga-nos a sair da nossa zona de conforto, do sofá do quotidiano ao encontro das periferias.
3. Quando estávamos a rever a tradução dos quatro evangelhos em guji feita pelos missionários antepassados demo-nos conta que em vez de «todas as criaturas» tinham traduzido por «todos os homens».
Somos demasiado antropocêntricos no nosso modo de pensar. Jesus manda que proclamemos o Evangelho a todas as criaturas. A nossa missão tem de ser ecológica.
O Papa Francisco pede na encíclica Louvado sejas (nº 214) que «nos nossos Seminários e Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente».
O anúncio ecológico tem três dimensões: sobriedade feliz, olhar contemplativo sobre a criação e cuidado dos pobres e da casa comum.
Na narrativa bíblica da criação há uma tensão que importa sublinhar: no primeiro relato (o mais recente) Deus ordena a Adão e Eva que cresçam, se multipliquem, encham e submetam a terra. No segundo relato, o mais antigo, manda cultivar e guardar o jardim.
O mandato missionário de Jesus obriga-nos a uma ecologia integral cuidadora. Quando vivia na Etiópia e me cruzava com uma serpente perguntava-me: como posso anunciar o Evangelho a esta bicha? Deixando-a ir em paz!
Sem comentários:
Enviar um comentário