O evangelista Marcos despacha o relato das tentações de Jesus em 30 palavras no texto grego. Mateus e Lucas fazem uma narração mais detalhada em uma dúzia de versículos.
Marcos, contudo, retém o essencial: o deserto é o local das tentações. Mas também é o lugar onde Deus fala ao coração do seu povo.
No deserto Jesus ouve duas vozes, dois projetos de vida antagónicos: do Espírito e de Satanás. A tentação maior voltou já na cruz: “Salva-te a ti mesmo”.
Jesus foi tentado a usar os recursos com que o Pai o habilitou para a sua missão em proveito próprio. Esta é a maior tentação: sermos o centro da nossa própria vida.
Os 40 dias das tentações recordam os 40 dias do dilúvio antes de a arca de Noé poisar terra firme; os 40 dias de Moisés em retiro no Monte Sinai para receber a Lei da Aliança; os 40 anos do povo a caminhar pelo deserto antes de entrar na Terra Prometida; os 40 dias em que Jesus, depois da ressurreição, num curso intensivo aos discípulos antes de regressar definitivamente para o Pai.
Na matemática da Bíblia, 40 significa tempo de preparação.
A narração de Marcos termina com uma nota: “Estava com os animais selvagens e os anjos serviam-no”.
Jesus, ao dizer não às propostas individualistas de Satanás e sim ao plano de Deus, transformou o deserto no paraíso, restaurando a harmonia dos inícios com os anjos e com a criação inteira, incluindo a vida selvagem.
Quando vivia na Etiópia e me cruzava com uma serpente, perguntava-me: "Como posso ser boa-nova para este animal?". E deixava-a ir à sua vida.
A quaresma é o tempo santo para integrar todos os aspetos da vida: conviver tranquilamente com os animais selvagens que povoam o coração e aceitar o serviço dos anjos. Transformar as espadas em foices, a agressividade em ternura, o egoísmo em amor. Não pôr nada de lado. Fazer o deserto florir...
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