— Tu foste adotado! Não és meu irmão.
O petiz, de resposta sempre pronta na ponta da língua, retorque:
— Não fui adotado, não! Tenho umbigo.
Pois é: o umbigo é a cicatriz que testemunha a nossa interdependência: não somos independentes, que precisamos uns dos outros, que pertencemos uns aos outros. A cicatriz da nossa fragilidade. Que algumas pessoas gostam de adornar com piercings.
Descrates, o filósofo francês, dobrou-nos sobre o nosso umbigo com o seu aforismo «penso, logo existo». Uma filosofia de vida muito diferente da filosofia africana do ubuntu: «eu sou porque nós somos».
Tudo na primeira pessoa do singular: eu penso; eu existo. Eu vivo por mim próprio e para mim próprio. A base do «euismo», da ditadura do eu, do individualismo narcisista globalizado.
Mas a cicatriz umbilical permanece no abdómen como uma tatuagem indelével.
A pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2 é prova provada de como estamos interdependentes para o bem e para o mal.
Os primeiros casos registaram-se num mercado de Wuhan, na China, há pouco mais de um ano. De lá viajou para a Europa e espalhou-se por todo o mundo com excessão de algumas ilhas. Já contagiou quase 111 milhões de pessoas, matou 2,5 milhões e provocou uma crise social e económica de dimensões globais.
Desde o Iluminismo que iniciamos a longa caminhada de emancipação do nós para o eu. Mas não somos ilhas e por isso não somos felizes. O umbigo lembra-nos isso.
A pandemia está a devolver-nos uns aos outros através de gestos de cuidado e de solidariedade. Porque precisamos uns dos outros. Porque somos uns nos outros. Porque temos umbigo.
Sem comentários:
Enviar um comentário