Eis o centésimo texto que escrevo para esta rubrica que nasceu do convite do então diretor de Além-Mar, Manuel Augusto Ferreira, para incluir uma análise mensal da atualidade africana em três mil caracteres, espaços incluídos. Estávamos em finais de 2011 e eu encontrava-me no Sudão do Sul. Era diretor de informação da Cadeia Católica de Rádios (com oito estações nas sete dioceses do país mais uma nos Montes Nuba, no Sudão, em território controlado pelos rebeldes do Exército de Libertação do Povo do Sudão-Norte).
Aceitei o desafio e batizei a rubrica de «África minha». Talvez influenciado pela tradução portuguesa do filme «Out of Africa», inspirado na autobiografia da baronesa dinamarquesa Karen Blixen que viveu no Quénia. Sobretudo, por beber na espiritualidade de São Daniel Comboni, que escreveu que «o primeiro amor da minha juventude foi para a infeliz Nigrícia» (um dos nomes da África no século XIX) e fundou o Instituto das Missões Africanas, hoje Missionários Combonianos. Cada comboniana, cada comboniano é um africanófilo por vocação. E, no meu, sentido de pertença ao berço da humanidade.
Foi em Ceuta que respirei pela primeira vez o ar africano. Acompanhei duas pessoas amigas numa viagem de compras ao enclave espanhol sem impostos no norte de África. Mais tarde, passei três semanas no norte de Moçambique, em plena guerra civil, e na África do Sul, para visitar refugiados moçambicanos que enfrentavam as feras do Parque de Kruger para fugirem à guerra e à fome no seu pais. Na Etiópia, partilhei oito lindos anos com o povo Guji. No Sudão do Sul vivi mais sete. E visitei os países vizinhos: Egito, Sudão, Quénia e Uganda. Também estive em trabalho na Guiné-Bissau.
Sinto-me em casa na África, no meio das suas gentes e dos seus lugares: adoro «perder-me» nos seus mercados tão coloridos e de cheiros fortes, fotografar as pessoas e paisagens, aprender mais e mais sobre a sua realidade passada e presente. Tenho saudades dos seus rituais da vida. Das liturgias festivas. Dos horizontes vastos e luminosos. Das florestas cheias de mistério. Dos pores-do-sol dramáticos. Dos mergulhos nas águas cálidas do Nilo Branco ou no lençol acastanhado do Lago Langano (no sul da Etiópia). Das noites mágicas de lua cheia com as suas batucadas e cantares.
O primeiro texto apareceu precisamente há nove anos no número de Fevereiro de 2012 da Além-Mar. Chamei-lhe «Pulmão da humanidade», inspirado na reflexão que o Papa Bento XVI fez na Exortação Africae munus (O serviço da África), o documento pontifício que saiu do segundo sínodo sobre a Igreja em África. O Papa afirma que o continente representa um imenso «pulmão» espiritual para toda uma humanidade que atravessa actualmente uma crise de fé e de esperança.
A partir daí — e sempre com a preocupação de combater o tom miserabilista com que muitos órgãos informação e analistas teimam em apresentar um continente cheio de vida, de boas notícias e de inúmeras riquezas naturais e culturais com os seus mais de 1,3 milhões de habitantes à cabeça — tenho abordado a África a partir da atualidade, dos seus avanços e dos demónios a exorcizar.
Obriguei-me a ir além da África de leste e austral e ter todo o continente debaixo do meu radar. A partir do observatório privilegiado do Sudão do Sul era mais fácil.
Houve textos que saíram num jorro de palavras e emoções do meu coração africano. A maioria, contudo, exigiu investigação e reflexão para apresentar o tema escolhido para o mês com profundidade contida.
Cada apontamento é o meu jeito de dizer «Amo-te, África minha!»
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