PARA DUAS FOTOGRAFIAS
DE NENNI GLOCK
COM O TEJO AO FUNDO
1.
- Antes de haver pontes
o rio era de ouro, e prata e âmbar, e desse ouro
contaram-me
se fez um ceptro de um rei.
E dos canaviais
contaram-me
se faziam as melhores penas que em Roma se escrevia
- Antes de haver pontes
o rio era das sereias, dos tritões e dos heróis, e por aqui
contaram-me
se escondeu Aquiles, fugido de Tróia, e aqui
o encontrou Ulisses no meio de cavalos voadores e éguas velozes
que só o sopro dos ventos emprenhava
- A mim contaram-me apenas que o barco acostou ao anoitecer
e eu pedi à minha mãe que ela me levasse mas ela não levou.
Para quê
explicou mais tarde
o caixão já tinha fechado e eu não ia poder ver
o rosto do meu pai
2.
Chegaram os monstros sem avisar
e já nem se vestem de preto
Assim seria fácil reconhecê-los
tentar fugir a tempo
avisar os incautos
Os monstros têm cores suaves
e bocas enormes
avançam sem ruídos
ferida aberta na paisagem das águas
As bocas dos monstros engolem o rio
as pontes
as margens
o mundo
Os monstros não deixam
rasto
Depois de os monstros passarem até há quem não acredite
que um dia eles existiram.
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