9 de maio de 2020

NOVA NORMALIDADE: E NA IGREJA?


«A religião em tempo de peste não podia ser a religião quotidiana». A observação é de Albert Camus em «A peste», a sua obra maior publicada em 1947, uma ficção sobre um surto de febre bubónica e pneumónica em Orão, cidade costeira da Argélia.

Os tempos de pandemia global que vivemos dão-lhe razão: as igrejas fecharam e a prática religiosa foi confinada ao meio familiar. Passou-se da Igreja das grandes multidões à Igreja doméstica, da família, a célula que é a base de tudo.

A frase de Camus bateu à minha porta juntamente com a carta que o teólogo checo Tómaš Halík escreveu ao Patriarca Ecuménico Bartolomeu de Constantinopla com uma reflexão muito atual e robusta examinando as implicações mais profundas de pandemia para a Igreja.

A editora Paulinas publicou a carta com o título O sinal das igrejas vazias – para um cristianismo que volta a partir. (A publicação em livro eletrónico pode ser descarregada gratuitamente aqui).

Halík escreve que o confinamento da prática da fé cristã é um teste importante: «creio que devíamos, sim, pôr à prova a veracidade das palavras de Jesus: “Onde estão dois ou três reunidos no meu nome, aí estou Eu no meio deles”.»

E nota: «podemos, naturalmente, aceitar esta Quaresma de igrejas vazias e silenciosas, simplesmente como uma breve medida temporária que, em breve, será esquecida».

Mas apresenta uma alternativa: «Mas também podemos aproveitá-la como Kairós: um momento oportuno para nos “fazermos ao largo” e procurar uma nova identidade para o Cristianismo, num mundo que muda radicalmente sob os nossos olhos».

Como vai ser a nova normalidade pós-pandémica na Igreja? Vamos retomar a vida eclesial onde ficou suspensa ou vamos explorar novos caminhos?

Halík nota que «talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido nas Igrejas e o seu possível futuro – se não fizermos uma séria tentativa de mostrar ao mundo um rosto do Cristianismo completamente diferente». O itálico é dele.

Jesus pensou a Igreja em ponto pequeno. Fala dos seguidores como «pequeno rebanho» (Lucas 12, 32) e define-os no Sermão do Monte em dois termos essenciais: sal da terra (Mateus 5, 13) e luz do mundo (Mateus 5, 14). E compara o Reino de Deus ao fermento (Lucas 13, 21).

Três imagens que pedem moderação: sal a mais faz mal, luz a mais queima, fermento a mais estraga a massa.

O cristianismo passou de uma Igreja doméstica ou localizada (à volta da família e das famílias vizinhas) às grandes massas da cristandade. Passou de uma Via (Actos 9, 2), um caminho de vida, à religião cultual com ritos e rituais e os respetivos controles e controladores.

O Concílio Vaticano II recuperou a teologia da Igreja doméstica. Por outro lado, as comunidades eclesiais de base (na América Latina) e as pequenas comunidades cristãs (na África) são passos (criticados por tradicionalistas) para devolver a comunidade cristã ao essencial.

A pandemia fechou-nos em casa. Voltamos à liturgia doméstica com a ajuda da internet, da televisão, de subsídios vários, liturgia confinada às quatro paredes do lar, mas aberta ao mundo inteiro.

No fim de maio, quando as igrejas abrirem de novo as portas à liturgia coletiva, vai-se integrar a experiência de igreja ministerial, igreja de serviços múltiplos levados a cabo por pessoas diferentes, ou voltar ao clericalismo centralizador e controlador?

As missas ao ar livre – que a Conferência Episcopal Portuguesa sugere – serão parábola de uma igreja em saída do próprio confinamento físico, aberta às realidades humanas que a cercam?

As liturgias em formato reduzido para manter o distanciamento social e a cerca sanitária à volta de cada participante preconizam novos modos de celebrar a presença de Deus no meio do seu povo?

1 comentário:

Unknown disse...

Desafios de renascer no AMOR de Cristo ao humano e relacional! Sandra