24 de maio de 2020

IMPERATIVO MISSIONÁRIO


A ressurreição e a ascensão de Jesus ao céu são duas faces, duas fases do único processo da glorificação de Jesus como o Senhor do universo.

Mateus conta que os onze discípulos voltaram à Galileia para o monte que Jesus lhes indicou. Depois da ressurreição, os discípulos são chamados a voltar ao princípio, à Galileia onde começaram a seguir Jesus.

Voltam à Galileia não para reviverem a história do discipulado numa espécie de círculo fechado em retorno eterno, mas para serem enviados ao mundo inteiro para fazerem discípulos entre todas as nações.

Quando os discípulos viram Jesus, ajoelhara-se, adoraram-no. Ele é o Senhor glorioso, sentado ao lado do Pai. Contudo, alguns duvidaram. Este é um detalhe interessante: todos adoram o Senhor, mesmo que alguns continuem com dúvidas a resolver.

Tenho medo das pessoas que nunca duvidam, que não se interrogam, que têm tudo resolvido no seu coração…

No monte da Ascensão Jesus apresenta-se como Senhor glorificado com poder cósmico: «Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra».

A missão do Jesus histórico devido aos condicionalismos do tempo e do espaço foi sobretudo uma missão «às ovelhas pedidas da casa de Israel» como explica Mateus (15, 24).

Agora, glorificado, de volta ao Pai, manda os seus discípulos a todas as nações: «Ide, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei».

Alguns especialistas dizem que Mateus escreveu o seu evangelho para explicar o Grande Mandato de Jesus aos discípulos; outros, que estes dois versículos são a síntese em filigrana do Evangelho de Mateus.

O imperativo missionário de Jesus aos discípulos de ontem e de hoje conjuga-se através de dois verbos: ide e fazei. Dois verbos em voz ativa, que são a nascente do Instituto comboniano.

«O objetivo deste Instituto é o cumprimento do mandato dirigido por Cristo aos discípulos de pregar o Evangelho a todas as gentes; é a continuação do ministério apostólico, pelo qual todo o mundo participou dos inefáveis benefícios do Cristianismo» (Escritos 2647), escreve Comboni no Capítulo I das Regras de 1871 do Instituto das Missões para a Nigrícia.

IDE. O «ide» começa com um «vinde atrás de mim» (Mateus 4, 19), um tempo de discipulado, uma iniciação na qual Jesus partilha a sua experiência se Deus como Abba, Papá, e anuncia o seu reinado.

O «ide» é, primeiro, um sair de nós próprios, da autorreferencialidade, do individualismo narcisista globalizado, um autodescentrar-se para fazer de Jesus e dos outros o centro da vida. É sair da área de conforto.

O «ide» é afetivo para ser efetivo, mas também geográfico. Daí a insistência do Papa Francisco numa Igreja em saída para ir às periferias humanas.

FAZEI discípulos de todos os povos. O Senhor do universo envia os seus discípulos a facilitar a experiência de discipulado entre todas as nações. O tempo de Jesus dá lugar ao tempo dos discípulos, animados pelo Espírito Santo, que é o protagonista da missão.

Jesus fez o caminho da Galileia até Jerusalém com os seus discípulos como preparação para a missão global da Galileia a todas as nações através do batismo em nome da Trindade Santíssima e «ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei».

O método de Jesus não é um ensino teórico, uma doutrinação. Jesus partilha com os discípulos a sua experiência de Deus. A sua autoridade e a sua novidade vêm daí.

É esse o caminho do discípulo missionário: «O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, – de facto, a Vida manifestou-se; nós vimo-la, dela damos testemunho e anunciamo-vos a Vida eterna que estava junto do Pai e que se manifestou a nós – o que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos», escreveu João no prólogo da primeira carta.

Jesus termina o mandato missionário com uma promessa: «E eis que Eu estarei convosco todos os dias, até à consumação dos tempos».

Jesus, Palavra encarnada, é o Emanuel, Deus connosco (Mateus 1, 23) como o anjo explicou na anunciação a José. 

O Senhor glorioso continua a ser o Emanuel com a Igreja em missão até ao fim dos tempos. Ele é o Senhor da Missão: ele chama, envia e vai com os seus discípulos missionários até ao fim do mundo, até ao fim dos tempos em modo de teletrabalho a partir do Pai.

Por isso, Comboni nunca abandonou a missão africana. Numa hora de aperto, escreveu ao reitor do Instituto em Verona: «agora cabe-me sofrer, mas Deus conceder-me-á a calma. Coragem, reciprocamente! O saber que não estou só na luta é um grande conforto. Além disso, Deus está connosco e abençoará a seu tempo os que nos perseguem» (Escritos 1086).

Termino esta reflexão com três notas.

1. Lucas escreve nos Atos dos Apóstolos que, depois da Ressurreição, Jesus apareceu durante 40 dias aos apóstolos falando-lhes do Reinado de Deus. Antes de subir aos céus, perguntaram-lhe se era agora que ia restaurar o reino de Israel. Jesus não se zangou com aquela gente dura de entendimento. Antes, enviou-lhes o Espírito Santo para serem suas testemunhas da Samaria até aos confins da terra.

O discipulado, o seguimento de Jesus, é um processo em curso, um trabalho em progresso, com construções e desconstruções, que dura a vida toda e toda a vida.

2. Lucas, no relato da ascensão, diz que Jesus se elevou à vista dos discípulos e uma nuvem escondeu-O dos seus olhos. Mas eles continuaram especados a olhar o céu. Apareceram dois anjos que lhes perguntaram: Galileus, porque olhais para o Céu? E explicaram: «Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que o vistes ir para o céu».

Na transição do tempo de Jesus, a Palavra Encarnada, para o tempo do Espírito Santo e da Igreja, em tempo de mudança de era, somos tentados a ficar a contemplar o que passou com medo de encararmos olhos nos olhos, de frente o presente, a realidade nova que se nos oferece.

Os anjos desafiam os discípulos a deixar de olhar o céu para voltarem os olhos para a terra, para testemunhar a presença do Senhor ressuscitado através de vidas ressuscitadas pelo poder do Espírito Santo.

Paulo, na Carta aos cristãos de Éfeso, recorda que o espírito de sabedoria e de revelação que vem de Deus, ilumina sobretudo os olhos do nosso coração para entendermos a esperança a que fomos chamados. É esse olhar cordial que peço ao Senhor para todos.

3. A solenidade da Ascensão do Senhor é, há 54 anos, o Dia Mundial das Comunicações Sociais.

O Papa Francisco escolheu o tema «Para que possas contar e fixar na memória – a vida faz-se história» como resposta às narrativas alternativas que distorcem a realidade sobretudo nas redes sociais.

Partilho dois parágrafos:

«Na confusão das vozes e mensagens que nos rodeiam, temos necessidade duma narração humana, que nos fale de nós mesmos e da beleza que nos habita; uma narração que saiba olhar o mundo e os acontecimentos com ternura, conte a nossa participação num tecido vivo, revele o entrançado dos fios pelos quais estamos ligados uns aos outros».

«Frequentemente, nos «teares» da comunicação, em vez de narrações construtivas, que solidificam os laços sociais e o tecido cultural, produzem-se histórias devastadoras e provocatórias, que corroem e rompem os fios frágeis da convivência. Quando se misturam informações não verificadas, repetem discursos banais e falsamente persuasivos, se repercutem proclamações de ódio, está-se, não a tecer a história humana, mas a despojar o homem da sua dignidade».

O Papa pede de nós uma narrativa que faça memória «daquilo que somos aos olhos de Deus, testemunhar aquilo que o Espírito escreve nos corações, revelar a cada um que a sua história contém maravilhas estupendas».

É essa a nossa missão, hoje, com a ajuda do Espírito Santo: fazer memória das maravilhas que somos (Salmo 139), porque o Senhor fez maravilhas em nós, por nós e através de nós – como o fez com a nossa Mãe, a Virgem de Nazaré, e ajudar as irmãs e irmãos a fazerem o mesmo.

Amen!

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