15 de novembro de 2009
CAIM
Li «Caim», o mais recente romance de José Saramago, em quatro fôlegos e gostei e des-gostei da obra.
Saramago está a escrever melhor que nunca, a anos-luz de «Todos os Nomes», o seu romance mais chato e mal conseguido.
Adoro ou seu português rústico – aquele em que nasci –, a sua capacidade de nos surpreender no virar de uma frase ou parágrafo. A capacidade de contar uma estória abrangente e rica de apartes que divertem e deliciam.
Quanto ao conteúdo, fiquei surpreendido que alguém que vem das bandas do marxismo e do socialismo científico, tenha encarreirado por uma leitura revisionista, reaccionária e fundamentalista do texto bíblico. Um homem de esquerda a dar a mão à ultra-direita cristã.
Saramago escreve na página 142: «Estou cansado da lengalenga de que os desígnios do senhor são inescrutáveis, respondeu Caim, deus devia ser transparente e límpido como cristal em lugar desta contínua assombração, deste constante medo, enfim, deus não nos ama.»
Esta é a experiência de Deus que Saramago tem feito e respeito-a. Mas não é a única, graças a Deus. E não é a minha, não!
Quando chamamos nomes a uma determinada pessoa – e ao correr de «Caim» Saramago chama muitos nomes a Deus por procuração – quer dizer que estamos zangados com aquela pessoa, que lhe temos raiva. Os nomes não mudam a pessoa, mostram sim os nossos sentimentos e iras, a nossa realidade mais profunda.
Saramago tem um problema grande com o «senhor». Por isso lhe chama tantos nomes e o provoca pelo que ele fez e pelo que contam acerca d’Ele, em tantos mitos culturais que engrossaram o grande caudal da experiência religiosa humana que é a Bíblia.
Já agora fiquei muito desiludido como Saramago arrematou o capítulo sobre Job. Ficou-se por uma estória a meio, esquecendo a essência da parábola: a nossa luta com Deus por causa da experiência do mal fora e dentro de nós.
Nesse aspecto Saramago tem razão: «a história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus» – mas Ele entende-nos a nós apesar de nós o desentendermos constantemente.
Vá por mim que é assim mesmo.
E Saramago intuiu-o quando escreveu na página 126: «E tu senhor, Eu limparei o céu das nuvens que neste momento o cobrem, isso posso fazer sem nenhuma dificuldade, mas a batalha terás de ser tu a ganhá-la.»
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