2 de junho de 2006

Armas ligeiras

A PANDEMIA ESQUECIDA

A cada minuto e meio, a pandemia esquecida mata uma pessoa e deixa outra ferida.

A comunidade internacional segue com preocupação os desenvolvimentos relacionados com o vírus H5N1. Teme-se que a gripe das aves possa provocar uma razia em todo o mundo. Felizmente, até agora os casos registados foram circunscritos e tem havido capacidade de resposta. Há, contudo, uma pandemia que passa despercebida, embora, a cada minuto e meio, mate uma pessoa e deixe outra ferida.
Trata-se da proliferação das armas ligeiras, armamento que pode ser transportado e manejado por uma ou duas pessoas – o que o torna «ideal» para ser usado por mulheres e crianças –, e inclui pistolas, metralhadoras, obuses, morteiros, minas e armamento antitanque e antiaéreo. Há, espalhadas pelo globo, cerca de 640 milhões destas armas e mais de 14 milhões de munições. Cinquenta e nove por cento encontram-se nas mãos de civis e fazem um milhão de vítimas por ano. Metade são mortais.
O problema da proliferação das armas ligeiras agudizou-se com o colapso do Império Soviético nos anos 90. Milhões de armas acabaram nas mãos de civis e em zonas problemáticas. Mas não só. O Ocidente é o grande exportador e o tráfico um dos três mais significativos em termos de volume de negócio. Todo esse arsenal tem alimentado inúmeros confrontos, matando ou incapacitando milhões de pessoas, e está por detrás de graves violações dos direitos humanos, da escalada de conflitos e da intensificação da pobreza.
A ONU tentou encontrar uma resposta para o problema humanitário global em 2001, na primeira Conferência sobre o Tráfico Ilegal de Armas Pequenas e Ligeiras. Dessa conferência nasceu um Programa de Acção, que não teve os efeitos desejados e vai ser agora revisto até 7 de Julho, em Nova Iorque. O documento representou um ponto de partida importante para fazer face ao comércio ilegal, que movimenta mil milhões de dólares por ano. Infelizmente, não era vinculativo. A própria ONU reconhece não ter capacidade para impor os embargos que decretou em relação a 13 países.
Em Portugal, há cerca de 900 mil armas ligeiras legais nas mãos de civis. E outras tantas ilegais que estão por detrás do aumento da violência armada – sobretudo em roubos –, apesar de os índices de criminalidade e insegurança do país estarem aquém da média europeia. Algo foi feito. A Comissão Nacional de Justiça e Paz organizou uma audição pública «por uma sociedade segura e livre de armas» e criou um observatório de armas ligeiras. O Governo, por seu turno, está a promover uma campanha de entrega voluntária de armas ilegais.
Em 2001 e 2002, 95 mil portugueses assinaram uma petição solicitando que a Assembleia da República legislasse sobre o tráfico de armas ligeiras. A petição foi arquivada, mas começa a dar frutos a nível interno. Em Agosto entra em vigor um novo quadro jurídico que regula o uso de armas e munições.
Sabe-se que Portugal funciona como uma plataforma giratória para o tráfico internacional. Falta combatê-lo, nomeadamente através de uma maior transparência por parte de fabricantes e empresários. E, quando o Governo se prepara para modernizar o armamento das forças armadas e de segurança, era importante que as armas substituídas, nomeadamente as G3, fossem destruídas em público, em vez de serem vendidas para sucateiros e acabarem a alimentar algum conflito regional algures nos países do Sul. Basta de mortes.

Texto publicado em Além-Mar

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