7 de outubro de 2024

DESCANSA EM PAZ, ABBA NICOLA


Esta manhã tinha missa na capela de Badeye. Parei junto à torre da Ethiocom. A net estava muito fraca e tinha curiosidade de saber como ficou o Porto-Braga. 2-1! Boa.

Ia continuar a viagem, mas notei que o ícone do WhatsApp marcava muitas mensagens não lidas. A primeira que abri era do Grupo dos Religiosos do Vicariato. O P. Juan Núñez, comboniano espanhol que é administrador apostólico de Hawassa, tinha escrito: «Queridos padres, irmãos, irmãs, fiéis cristãos: tenho esta manhã uma notícia muito triste a comunicar: o P. Nicola veio da Itália no sábado à noite. Foi descansar. Como ontem ele não saiu do quarto, foram ver e encontraram-no morto. É cedo para dar mais informações. Fá-lo-emos ao longo do dia. O que podemos fazer agora é rezar».

Fiquei incrédulo, com o coração partido! Deve ser engano. Voltei a ler a mensagem. Depois fui ao Grupo dos Combonianos na Etiópia. O provincial tinha postado a mesma notícia com o detalhe de que os pais pedem que seja sepultado na Itália.

Fui para Badeye a chorar. Dei a notícia à dúzia de pessoas que enfrentaram a chuva para celebrar a missa. O catequista conhecia o Abba Nicola – como o chamávamos. Rezamos pelo seu eterno descanso e pelos seus velhos pais.

O Abba Nicola (Nicolino) Di Iorio tinha 66 anos, 27 dos quais vividos na Etiópia sobretudo entre o povo Sidama no Vicariato de Hawassa.

Conhecemo-nos em Elstree, Inglaterra, em 1982, estudantes de teologia. Tínhamos feito os votos no mesmo dia, a 6 de junho de 1981. Ele em Venegono, eu em Santarém. Esteve um ano em Chicago, nos Estados Unidos da América. Em 1982 foi transferido para Elstree. 

Era muito tranquilo e organizado. O seu quarto era modelo de arrumação. Um dia com o António Bonato decidimos pôr tudo fora do sítio e fomos para o quarto do lado para ver como reagia à nossa partida. Entrou, re-arrumou tudo e voltou a sair sem dizer palavra!

Voltamos a encontrar-nos na Etiópia em 1993: ele foi trabalhar com os Sidama e eu com os vizinhos Gujis. Por algum tempo foi superior do Seminário Maior de Hawassa em Adis-Abeba e ecónomo provincial na Etiópia.

Reencontramo-nos em novembro de 2021. Desta feita era Administrador Apostólico adjunto, assistindo o Abba Juan Núñez. Disseram-me que fazia parte da terna de padres propostos para bispo de Hawassa. Os outros dois eram etíopes: um comboniano e um jesuíta. Esperava que fosse o meu bispo. A diocese ficava em boas mãos. Era um pastor dedicado e comprometido.

O Abba Nicola vivia a cem por cento o seu trabalho de administração. Reuniões mais reuniões. Visitas às diversas missões. Também organizava retiros mensais para as religiosas de Hawassa e presidia à missa dominical em inglês para a comunidade internacional em Hawassa, feita sobretudo de estudantes do Sudão do Sul. 

Em Hawassa, recebia-me com um abraço e, da última vez com um chocolate, no seu escritório. Achei-o muito cansado. Havia desmaiado duas vezes. Mais de uma vez lhe disse para vir passar uns dias comigo a Qillenso. 

«Lá a rede telefónica é muito fraca e podes descansar sem ninguém te chatear» – expliquei. Foi adiando...

Em agosto encontrámo-nos em Hawassa pela última vez. Disse-me que ia passar cinco semanas com os pais no sul da Itália em setembro e outubro. Aconselhei-o a tirar pelo menos dois meses de férias. Disse que não podia.

Agora descansa no abraço terno e eterno de Deus.

O Abba Nicola foi missionário na Etiópia entre 1993 e 2012. Nesse ano foi destinado à Itália, mas regressou à Terra das origens em 2017. 

O Dr. Pedro Nascimento é um Leigo Missionário Comboniano que trabalhou dois anos na Etiópia, entre o povo Gumuz. Quando soube do falecimento do Abba Nicola mandou-me esta mensagem: «Recebi a triste notícia do falecimento do padre Nicola... Com a sua personalidade forte, fez imenso! Foi ele, juntamente com o padre Sisto, que me foi buscar ao aeroporto, foi ele que fez tudo para irmos visitar as missões combonianas [no Vicariato de Hawassa]; foi ele que nos primeiros tempos cuidou de nós. Um verdadeiro homem de Deus, a quem chamei de amigo! Um testemunho para mim!»

A comboniana Ir Graça Almeida também trabalhou na Etiópia entre os Sidama. «Nicola era uma boa pessoa com todos. Uma bondade e uma gentileza que o distinguia. Que Nicola descanse agora nos braços de Deus» – escreveu-me.

O P. Endrias Shamena Keriba, comboniano etíope na África do Sul, postou no Grupo dos Combonianos: «Querido Abba Nicola... serás recordado para sempre pelo povo da Etiópia pela tua dedicação e amor que tinhas no teu coração. Nós continuamos a amar-te na tua eternidade com o Senhor. Ora por nós».

A Deus, meu irmão, amigo, companheiro. Descansa no Paraíso. Mereces depois de tanto labutar em Hawassa. E intercede junto de Deus pela paz na Etiópia.

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