31 de maio de 2019

PARTIU UM AMIGO


Ver partir um amigo com quem trabalhei e vivi, com quem partilhei a minha vida e acompanhei na doença é um dos momentos mais duros que estou a viver na minha terceira missão neste país.

Conheci o então P. Sandri em 1987 quando me deu as boas vindas, para viver com ele na Missão de Acornhoek, a mais rural e distante das missões da diocese de Witbank. O impacte que teve na minha vida de jovem de vinte e poucos anos foi determinante para o sucesso na minha consagração missionária.

Um missionário dedicado à comunidade, ao seu compromisso sacerdotal. O povo adorava-o. Sempre muito pontual e exigente nas suas contas e nos seus gastos, conduzindo uma vida de pobreza e de simplicidade.

Nunca alimentou conflitos. Encarnou sempre no seu viver o carisma que herdou de S. Daniel Comboni ao detalhe. Nunca nos desligámos, apesar de cada um de nós ter seguido caminhos diferentes.

Por altura do falecimento dos meus pais, em 2012, sendo ele já bispo desta diocese, mandou-me uma mensagem via Facebook para vir ajudá-lo na diocese. Eu não vi razões para que não considerasse o seu pedido. Aceitei o projeto, e devidamente combinado com os Combonianos aqui na África do Sul, entrei na residência episcopal em julho 2015.

Nomeou-me imediatamente diretor diocesano das Obras Missionárias Pontifícias e diretor de outra Instituição vocacionada para os pobres, o Lenten Appeal. Também queria que eu dirigisse a Cáritas diocesana. Porém, depois de termos conversado, achámos melhor arranjar outra pessoa para o fazer.

A vida aqui em casa correu sempre muito calmamente e sem problemas.

Eu passei a administrar a casa. Foi sempre uma casa de muitas visitas. Depois de me ter ensinado e mostrado onde fazer as compras, eu comecei a fazer tudo no estilo que ele já tinha adquirido e senti-me sempre bem.

A diocese de Witbank é muito grande. Dom Joe, para o seu trabalho de pastor, era forçado a viajar mais de 40 mil quilómetros por ano. Foi um bispo presente, totalmente dedicado de tal maneira, que se esqueceu de si mesmo, de cuidar da sua saúde, totalmente doado ao Senhor e ao seu povo. Em casa onde comia poucas vezes, o sal quase não se usava e os fritos foram eliminados. Também me habituei a comer assim.

Fora, em trabalho apostólico, nunca selecionou comidas. Aceitava o que as pessoas lhe davam. Talvez aqui tenha estado a origem da sua úlcera no estômago, que no dia 27 de março pela manhã muito cedo lhe rebentou, perfurando-lhe o estômago.

Nem ele, nem o seu médico, nem eu nos apercebemos de qualquer manifestação desse problema. Nunca se queixou desse perigo que o levou à morte.

Levei-o ao hospital logo de manhã cedo acompanhado do seu médico pessoal. Só me disse; «Pinto, chama-me o medico imediatamente, que não aquento as dores» enquanto se contorcia todo à entrada da nossa capela onde nos preparávamos para celebrar a Eucaristia logo de manhã.

Neste mesmo, dia 27 de março, durante a noite, depois de descobrirem o que se estava a passar, foi operado de urgência. Puseram-no em coma induzida durante sete dias. Eu visitava-o duas vezes por dia na unidade de cuidados intensivos no hospital privado da cidade de Witbank.

Como os seus rins começaram a falhar, no dia 7 de abril, mudámo-lo para o melhor hospital privado da África do Sul perto de Pretória. Estava agora mais cuidado no campo de especialistas renais e outros a quase duas horas de carro daqui de casa. Agora era o seu amigo médico que mais perto dele nos ia informando e telefonando também à sua família na Itália.

No dia 11 de abril os médicos descobriram que sangrava pelo estômago. Neste mesmo dia sofreu uma segunda operação ao estômago e a infeção generalizou-se e tornou-se impossível de controlar.

Todos os católicos da diocese e por muitas partes do mundo estavam unidos em oração por ele. Ele conhecia muita gente em todos os continentes. E mais fervorosamente começaram a orar por ele quando começámos a saber que só um milagre o podia salvar.

Depois de tanto viajar paro o hospital, depois de tantas lágrimas derramadas, depois de tanto esperar em Deus, depois de tantos momentos contemplando o mistério, no dia 30 de maio pelas 4h30 da madrugada, eu acordei sobressaltado pelo telefone com a notícia: «O nosso bispo acabou de nos deixar». Era o seu amigo doutor a dar-me a notícia.

Precisei de ar. Nestes dois meses vivi sozinho em casa. Não tinha com quem partilhar a minha dor. Refiz-me e alguns minutos depois comecei a telefonar aos amigos mais chegados que a desgraça tinha finalmente chegado.

O momento que eu mais temia e que me manteve colado ao meu telefone, ao telefone do Sr. Bispo e ao telefone da casa.

O seu funeral está marcado para o dia 6 de junho às 10h00. Será em Witbank no pavilhão multiusos da cidade para que todos possam participar. Depois haverá uma breve cerimónia na catedral onde será sepultado junto à sua cátedra que permanecerá vazia.

Neste momento de luto e dor é o que me é possível dizer. Que o Senhor da missão o recompense pelo exemplo de vida simples, pobre e trabalhosa que o levou a esgotar-se em favor dos outros por toda a sua vida. Descanse em paz.


Ir. Artur Fernandes Pinto
Missionário Comboniano

17 de maio de 2019

ESCOLAS INTERCULTURAIS


3,5% dos alunos que frequentam o ensino público básico e secundário em Portugal são estrangeiros e têm cerca de 180 nacionalidades diferentes.

Os dados referem-se ao ano lectivo de 2015-2016 e foram publicados pelo Observatório das Migrações.

Mais de um quarto dos alunos estrangeiros era brasileiro: 9 687 ao todo.

No segundo e terceiro lugar encontravam-se crianças de Cabo Verde (4 433 ) e Guiné-Bissau (2 768).

Seguiam-se os alunos oriundos de Angola (2 750) e da Ucrânia (2 741).

Os 2 475 alunos da Roménia representavam o sexto grupo mais numeroso seguidos pelos colegas de São Tomé e Príncipe, Moldávia, China e do Reino Unido, que completavam a quadro das dez nacionalidades mais representadas nas escolas públicas em Portugal.

No ensino superior, há mãos de 42 mil estudantes estrangeiros de 167 países, representando mais de 12 por cento dos universitários matriculados em Portugal.

13 785 são brasileiros. Seguem-se estudantes da Espanha, Angola, Cabo Verde, Alemanha e França.

Coimbra, Minho, Porto, Lisboa e o Politécnico de Bragança são as instituições do ensino terciário com mais estrangeiros matriculados.

Os números referem-se ao ano lectivo de 2016-2017.

15 de maio de 2019

MEU QUERIDO PAI DO CÉU


Esta é uma prece da Tua filha muito amada, Carolina de Jesus Fiúza, que hoje, com a força desta comunidade, é enviada por dois anos a amar o povo da Etiópia.

Desde há uns bons tempos que oiço o Teu convite a ecoar dentro de mim e que me diz:

“Faz-te ao largo e lança as redes para a pesca. Não tenhas medo: vem comigo ser pescadora de Homens. Vem, segue-me!

Pois a Ti agradeço este convite e é com muita alegria que, como Maria, digo SIM, Faça-se em mim segundo a Tua palavra!

A Ti devo um grande OBRIGADA pois este Sim é fruto de uma relação entre nós dois. A Ti muito OBRIGADA por nunca desistires de mim e porque em mim confias. A Ti também agradeço todas estas pessoas que aqui estão das mais diversas formas, física ou espiritualmente. A Ti agradeço estas mil vidas que, muitas vezes, sem o saberem, são também Mil vidas para a Missão, tal como pedia São Daniel Comboni: as Mil vidas para a Missão. Agradeço-Te a coragem e força que dão ao meu Sim e a confiança que em mim depositam.

A todas estas estas vidas e a Ti agradeço e prometo: prometo errar, falhar. É a condição humana! Porém, prometo tentar melhorar sempre, prometo aprender, escutar, calar, aceitar, entender, partilhar o que sou, receber o que são… e, mais que tudo, AMAR. Prometo entregar-me totalmente ao povo etíope e Fazer o que posso, com o que tenho, onde estiver.
Olho para mim e vejo-me pequena. Porém, é com as minhas limitações, com o que trago na minha bagageira, que me quero entregar a Ti e partir para junto dos mais pobres e necessitados, inspirada por São Daniel Comboni. E confio em Ti. Confio que Tu não escolhes os capacitados, mas sim capacitas os escolhidos. Assim, confio que me darás as capacidades para amar este maravilhoso povo da Etiópia, onde Tu já estás desde sempre.

Talvez muitos não entendam porque escolho partir em missão. Compreendo e aceito a incompreensão de muitos. E agradeço o apoio que, ainda assim e de forma incondicional, me dão. Tal como o meu querido pai diz, “o bem pode fazer-se em muitos lados!”. E não é mentira… porém, Tu meu Pai do céu, Tu que és um só Corpo, mas com muitos membros e cada membro com a sua função, Tu chamas-nos a todos a ser missionários, de formas muito distintas. Hoje e a mim, sei que me chamas a partir, chamas-me assim a ser um grão de trigo que morre na terra para que nasça fruto. E isto é um mistério. Tal como o mistério do Teu Filho muito amado que morreu na Cruz. Tal como Ele, também dou o meu Sim, pronta a fazer nascer e crescer a missão aos pés da Cruz. Conseguiremos nós alguma vez entender este mistério da morte de Jesus na Cruz, meu Pai? Talvez não. Da mesma forma, talvez não seja entendível o meu Sim para muitos. É um mistério, também. Também para mim a missão que me entregas em mãos é um mistério. Mas, ainda assim, digo Sim. Digo Sim confiadamente pois sei que nunca, mas nunca me abandonarás.

Meu Deus, Tu sabes a Gratidão que trago dentro a tantas pessoas. Sem oportunidade de mencionar todas, agradeço em especial à minha Família, àquela que me dá sentido, que me deu genes de missionária!

Agradeço-Te em particular a vida dos meus pais, Edite e Manuel Fiúza, que me educaram da melhor forma que sabiam. Sem eles, a minha vida, valores, dons… tudo o que sou, de forma alguma seria possível. Agradeço-Te as suas vidas e o fruto da sua criação que sou eu hoje, este dom que sou e que quero colocar a render. Agradeço-Te porque lhes dás a capacidade de me amarem e apoiarem incondicionalmente, ainda que, muitas vezes, não compreendam as minhas decisões. Peço-Te que os guardes, que olhes sempre por eles e que sempre lhes dês a força para lutar pela Vida, tal como me ensinaram a fazer.

Agradeço-Te a vida do meu namorado, Hélder Neves, que desde sempre me apoiou e me deu a força nos momentos de maior dúvida. Agradeço-Te o amor que nos une e que só de Ti pode vir. E sei que este Sim não é apenas meu, mas de ambos. Também ele aceita o convite de viver em missão comigo. E esta missão aceitamo-la com muita confiança! Peço-Te que olhes sempre por ele, acolhendo-o nos Teus braços. E que aquilo que Tu uniste, o amor que nos une a nós dois, jamais ousemos separar ou danificar. Dá-nos a confiança e a coragem de nos mantermos sempre unos!

Agradeço-Te a vida de todos os paroquianos da minha “terra, ó que linda de terra”, esta linda Santa Eufémia. Esta terra que me viu crescer e que me acompanhou na vida e fé cristãs. Entre catequistas, grupos de coro, sacerdotes que aqui já conheci (e já são três), e tantas pessoas que hoje olho e das quais trago o melhor… agradeço-Te a vida de cada uma. Um agradecimento especial ao Padre Nuno Gil, cuja jovialidade e força para chegar a todos não me deixam indiferente. Peço-Te que lhe sigas dando ânimo para continuar a conduzir e construir o Teu Reino aqui na Terra.

E, por fim, e sabendo que muitas outras vidas teria a agradecer, agradeço-Te toda a Família Comboniana. Agradeço por serem luz neste caminho em que procuro diariamente descobrir-Te e apaixonar-me mais e mais por Ti. Agradeço-Te pelo exemplo que cada um é para mim de vida inspirada em São Daniel Comboni e por possibilitarem que entenda cada vez mais e melhor a minha vocação missionária. Agradeço-lhes verdadeiramente pois em mim confiam a missão na Etiópia, e peço-Te que consiga sempre ser o melhor de mim como LMC.

Meu Deus, tu sabes o que trago dentro, melhor que ninguém. Tu sabes o quanto dói deixar o amor que tenho aqui. Porém, tu também sabes o quanto estou feliz pois, ali onde vou também me espera o amor. Pois vou ao encontro o amor, seguindo os passos de quem me convida.

Bem sabes, que este nunca será um Adeus, mas sempre um Até breve.

Até breve minha comunidade. Nunca tenham medo de dar o vosso Sim, pois Deus, como Pai misericordioso, nunca vos abandonará. Deixo-vos uma lembrança: uma Cruz tipicamente Etíope (que inclusive vos foi enviada por uma irmã Missionária Comboniana da Etiópia), para que recordem que todos formamos parte de uma mesma cruz, a Cruz de Cristo. Rezem por mim e pelo povo e missão na Etiópia. Confiem que nós também rezaremos por vós.

10 de maio de 2019

O DRAMA DO ÉBOLA


A RD Congo está a braços com o surto mais grave de ébola em quarenta anos.
As províncias de Kivu-Norte e Ituri, no Leste da República Democrática do Congo, vivem sob ameaça mortal do vírus do ébola desde 1 de Agosto de 2018. A epidemia de febre hemorrágica foi declarada no Verão passado e a Organização Mundial da Saúde diz que, até Abril, havia 1168 casos registados (1102 foram confirmados e 66 são suspeitos) e 741 mortes (675 confirmadas e 66 prováveis), incluindo 85 casos e 30 mortes de prestadores de cuidados de saúde. Mais de metade das vítimas são do sexo feminino, e 30 por cento são crianças.

O vírus do ébola foi identificado em 1976 em dois surtos distintos: em Nzara (no então Sul do Sudão) e Yambuku, uma área florestal junto ao rio Ébola, no Zaire, de onde recebeu o nome.

O morcego-da-fruta é o hospedeiro do vírus (de que se conhecem cinco estirpes) e transmite-o aos humanos através do sangue e outros fluidos e secreções de animais selvagens (chimpanzés, gorilas, macacos, antílopes e porcos-espinhos) que comem fruta contaminada com a sua saliva. Os humanos transmitem o vírus uns aos outros através dos fluidos corporais.

A República Democrática do Congo (este surto é o décimo e o mais mortífero desde 1976), o Uganda, a República do Congo e o Gabão são os países mais afectados pelo ébola. Normalmente os surtos surgem nas florestas tropicais. Contudo, o evento mais mortífero que infectou quase 29 mil pessoas e matou mais de 10 mil entre 2013 e 2016 na Serra Leoa, Guiné e Libéria, na África Ocidental, ocorreu em meios urbanos e rurais.

O surto no Kivu-Norte está longe de estar dominado, apesar dos esforços das organizações internacionais de saúde e do Governo – que montaram uma dúzia de centros de tratamento e campanhas de vacinação. Dois elementos dificultam o combate ao vírus e a assistência às vítimas: a desconfiança por parte das populações e os elementos armados – que atacaram vários centros de tratamento.

«É das coisas mais complicadas daqui», afirma o P.
Claudino Ferreira Gomes, um missionário comboniano que vive em Butembo, sobre os ataques. «Não se sabe bem quem ataca. Hoje houve mais um ataque, com incêndio e a morte de um polícia. Um dos assaltantes foi ferido, está no hospital e vai ser interrogado para se saber donde vem, quem são os mandantes, etc. Há vozes que acusam os que vêm tratar o vírus como sendo eles quem o trouxe! Outros não acreditam que essas equipas sanitárias se interessem pelo ébola, mas que andam a fazer tráfico de órgãos.»

Um dos envolvidos na polémica do ébola é o bispo católico de Beni-Butembo. Escreveu uma mensagem a encorajar as populações a colaborar com os técnicos de saúde e a tomar os medicamentos, criticando quem propõe as rezas em vez dos remédios para tratar a doença (até por interesses económicos, porque uma bênção paga-se). Em resposta, grupos armados começaram a assaltar instituições ligadas à Igreja Católica, incluindo um centro de retiros dos Combonianos.

Os ataques aos centros de tratamento põem a região em risco: sem equipas sanitárias, o vírus pode matar mais de 60 por cento dos habitantes de Butembo e levar à quarentena da região. Representa ainda uma ameaça mortal para as áreas fronteiriças do Uganda, Ruanda e Sudão do Sul (sobretudo Yei, onde combates entre forças do Governo e da oposição não permitem a presença de equipas de saúde no terreno).