23 de maio de 2022

«ESTIVE NA PRISÃO…»


A pastoral carcerária é uma das novidades do serviço missionário oferecido pela paróquia de Qillenso, no sul da Etiópia, na prisão masculina de Adola.

Os combonianos construíram há alguns anos uma sala de oração simples de cerca de sete por sete metros, que partilham com outras confissões cristãs.

Ofereceram o material que sobrou aos ortodoxos para iniciarem a construção da própria igrejinha.

Junto aos dois espaços de oração cristãos há também uma pequena mesquita.

A pastoral na prisão é uma resposta à afirmação de Jesus: «estive na prisão e fostes ter comigo» (Mateus 25, 36).

Visitamos a prisão cada terça-feira para rezar e estar com os detidos que participam no nosso encontro.

Normalmente vamos quatro pessoas: duas Missionárias da Caridade (as irmãs de Madre Teresa), um leigo e um missionário.

Começamos com uma pequena oração de mãos dadas fora da prisão pedindo a inspiração do Espírito Santo para a nossa visita.

Depois de entrarmos no estabelecimento de correção, os homens somos revistados. Os telemóveis e os cartões de identificação ficam na portaria.

A prisão está construída colina abaixo. Alberga uns 650 presos: 250 frequentam a escola primária da primeira à oitava classe; um grande número trabalha em teares manuais: o pano tecido de algodão é usado na confecção de roupas tradicionais à venda no estabelecimento prisional; alguns prisioneiros jogam matraquilhos; outros reparam e limpam calçado.

A pandemia obrigou-nos a suspender as visitas ao estabelecimento durante dois anos. Retomamos a atividade pastoral a 13 de abril. Uma surpresa agradável: encontramos a sala de oração limpa e pintada. Tem uma enorme pintura de Jesus na Cruz com a Senhora da Soledade. Os pastores protestantes com quem partilhamos o espaço têm por hábito virar a imagem contra a parede.

Os Católicos adoram imagens — acusam.

A capela é simples: tem 14 bancos e uma mesa num pequeno estrado. Além da pintura, tem uma cruz de madeira e uma televisão com o descodificados de imagens satélite.

Cerca de meia centena de pessoas costumam tomar parte no encontro. Estão bem nutridos e limpos.

A maioria são jovens.

Os católicos são dois ou três pelo que a oração que fazemos é ecuménica.

Começa com um cântico acompanhado por uma kerara, uma espécie de harpa local de cinco cordas, e de um tambor. Os participantes cantam com entusiasmo.

No primeiro encontro os ortodoxos decidiram competir com música gravada.

Sholango, um ancião da igreja de Adola, introduziu o encontro. Apresentou os novos participantes.

Era a primeira vez que eu entrava numa prisão para rezar.

Três presos fizeram longas orações entrecortadas por muitos amens na boa tradição protestante.

No primeiro encontro utilizamos uma leitura da profecia de Isaías em que Deus promete libertar os prisioneiros.

A leitura e as reflexões foram feitas em amárico e em guji.

No espaço de oração há algumas bíblias que os participantes usam para acompanhar a leitura e as reflexões.

Sholango explicou o texto. Recordou que ele próprio na sua juventude passou duas semanas na prisão de Adola devido a uma rixa.

A Ir. Francília, Missionária da Caridade indiana, exortou em inglês os participantes a usar o tempo da sentença para se refazerem. Deus está com eles na prisão. Jesus também foi prisioneiro durante uma noite.

Um dos participantes traduziu para amárico.

Durante as diversas reflexões alguns dos participantes tiravam notas em pequenos bocados de papel.

Um recluso concluiu o encontro com uma oração de bênção.

No final, um católico pediu para ser ouvido em confissão.

Na saída, passamos pela escola para deixar uma caixa de esferográficas que o diretor pediu para os alunos.

Os encontros semanais são muito informais. No início, os participantes saúdam-nos e abraçamo-nos. Há muita alegria.

Normalmente começamos com um cântico seguido de orações espontâneas de invocação e louvor.

Depois lemos uma leitura bíblica e fazemos uma pequena reflexão. Eu costumo usar o evangelho do domingo anterior.

Depois há um momento de partilha, com perguntas e respostas.

A grande maioria dos orantes vem de tradições protestantes diversas. A discussão centra-se muito nas nossas diferenças: o culto a Maria, o uso de imagens, etc. Na boa tradição protestante, os argumentos de ambas as partes têm sempre um fundo bíblico.

O encontro termina com orações espontâneas.

Na saída, alguns fazem os seus pedidos: de remédios, de conselhos, um preso que usa uma cadeira de rodas pediu para lha compor-mos. As irmãs ofereceram-na há muito tempo e as rodas precisam de ser revistas.

Os guardas prisionais — mulheres e homens — também nos tratam com simpatia.

«Estive na prisão e e fostes ter comigo». Jesus está em toda a parte.

10 de maio de 2022

MAIO «LOUVADO SEJAS»



A diocese de Hawassa, no sul da Etiópia, celebra em maio o Mês Louvado Sejas para aprofundar a Carta Encíclica Laudato Si’ (Louvado Sejas) que o Papa Francisco escreveu «sobre o cuidado da casa comum» a 24 de Maio de 2015. 

O Mês Louvado Sejas abriu a 3 de maio, com uma eucaristia na catedral. Na celebração, presidida pelo administrador apostólico, o comboniano P. Juan Núnez, participaram quase todos os párocos da diocese e representantes das suas vinte paróquias.

O vicariato tem sensivelmente o tamanho de Portugal.

Os participantes receberam um desdobrável com o sumário da encíclica em que o Papa propõe uma ecologia integral que cuida da criação e cuida dos pobres.

O documento, intitulado Uma jornada com a criação: Mês de Maio Louvado sejas, Comprometidos a cuidar da nossa casa comum, foi preparado pela Comissão do Movimento Laudato Si’ do Vicariato de Hawassa.

No final da eucaristia, cada paróquia recebeu uma pequena árvore para plantar junto à igreja como monumento à encíclica Laudato Si’.

O pé de oliveira brava de Qillenso foi plantado no final da missa dominical de 8 de maio.

Depois da comunhão, o catequista explicou o essencial do Mês Louvado Sejas.

Os católicos são convidados a cuidar dos espaços públicos organizando campanhas de limpeza à volta da igreja, da clínica e da escola; apanhando plásticos, garrafas e outros lixos; plantando árvores de espécies locais — porque os eucaliptos dão dinheiro mas destroem a biodiversidade e os solos — para combater as mudanças climáticas que aqui também se sentem…

As igrejas devem colocar cestos ou caixotes para depositar o lixo.

Os pais, para manterem os pequenos sossegados durante a missa, dão-lhes biscoitos ou bolachas. Os pacotes de plástico acabam no chão das igrejas ou esgalhados pelos espaços envolventes.

Os anciãos da comunidade lideraram a procissão com o broto, que foi plantado depois de ter sido abençoado.

A eucaristia terminou no exterior da igreja junto à oliveirinha Laudato Si’.

A Etiópia tem sido assolada por fomes cíclicas causadas por períodos de secas extremas devido ao fenómeno meteorológico El niño.

Correntemente, cerca de treze milhões de pessoas vivem sob a ameaça da fome na Etiópia, Quénia e Somália depois de três anos de seca, que já matou muito gado.

2 de maio de 2022

FEZ-SE PÁSCOA!


Este ano a Páscoa do Calendário Juliano — em uso pela comunhão ortodoxa e também pelos católicos na Etiópia — foi celebrada uma semana depois da Páscoa segundo o Calendário Gregoriano — seguido pela grande maioria das Igrejas cristãs. 

Uma vez cada oito anos a data coincide nos dois contadores do tempo, mas a diferença a separar as duas páscoas pode chegar às quatro semanas. Não me pergunte porquê, porque não sei.

No programa pastoral para as celebrações pascais coube ao pároco ir para a zona pastoral de Adola. Eu fiquei na sede da missão.

Em Qillenso, a vigília pascal estava marcada para as 19h00, 13h00 segundo a hora local — aqui as zero horas são às seis da manhã.

Uma hora antes começamos os preparativos.

Sob um céu muito carregado, com alguns trovões fortes, apanhamos a lenha para a fogueira pascal, sempre com um olho nas nuvens. Felizmente, foram despejar a carga de água a outro sítio e pudemos iniciar a vigília pascal — a mãe de todas as vigílias — já passava das 19h30, à espera que as pessoas fossem chegando.

Feita a Liturgia da Luz, no campo de futebol da missão, os participantes — guiados pelo Círio Pascal, símbolo do Senhor Ressuscitado — encaminharam-se para a pequena e acolhedora igreja, decorada a preceito.

A ELPA, a elétrica da Etiópia, portou-se bem e tivemos eletricidade durante toda a Liturgia da Palavra. Antes da celebração iniciar, atendi de confissão alguns penitentes à luz de uma vela.

Fizemos as sete leituras das Escrituras Judaicas — é importante fazer memória do imenso amor de Deus pelo seu povo, por cada pessoa, por cada criatura — e relembrar a história desse amor sofrido desde a Criação até à promessa do coração novo que substitui o coração empedernido do amado para ser também amante!

Cada leitura foi intercalada com um cântico acompanhado pelo teclista, que esteve «desempregado» durante o tempo da Quaresma. Nesta estação litúrgica aqui todos os instrumentos musicais são calados!

Foi tão lindo e comovedor poder cantar de novo Glória a Deus e Aleluia ao ritmo cadenciado das palmas e dos gestos depois dos quarenta dias de sobriedade litúrgica.

A luz «apagou-se» durante a homilia e a partir daí a celebração continuou com a igreja bastante bem composta, iluminada pelo Círio Pascal, pelas velas do altar e pela minha pequena lanterna que uma acólita segurava para eu poder ler o missal.

Dez catecúmenos e uma dúzia de bebés foram batizados durante a Liturgia Batismal. Algumas crianças fizeram a Primeira Comunhão na Liturgia Eucarística. A comunidade continua a crescer!

Os catecúmenos e os meninos da primeira comunhão receberam um terço e os bebés uma medalha de Nossa Senhora.

Era cerca das dez da noite quando disse às pessoas: «Ide em paz, aleluia, aleluia!»

A vigília foi uma celebração tranquila, uma experiência do Senhor Ressuscitado entre nós! O ambiente escuro e o bruxulear das velas ajudou ao repouso do espírito.

A noite de Páscoa foi de chuva intensa que se prolongou por parte da manhã.

No Domingo da Ressurreição, algumas pessoas vieram cedo à igreja para a prepararem para a Celebração da Palavra presidida pelo Catequista.

Como de costume, cortaram umas ervas longas e carnudas dos pântanos e espalharam-nas pelo chão. Depois da celebração juntaram-se no salão paroquial para um café celebrativo.

Eu fui celebrar a Missa da Ressurreição à igrejinha de Urdata, a uns seis quilómetros a norte de Qillenso, na periferia da cidade de Me’ee Bokko.

A celebração estava marcada para as 9h30, mas o catequista telefonou-me para não ir antes das 10h30. A chuva — que não queria parar — estava a atrasar os fiéis.

Ao longo da estrada vi muitas pessoas vestidas para ir ver o Senhor nas diversas comunhões presentes na cidade: as mulheres com vestidos e mantilhas onde predominava o branco e os bordados tradicionais ou os mantos longos e vestidos brancos com listas negras, étnicos; os homens com roupas mais sóbrias, embora alguns vestissem fatos brancos decorados com pequenas árvores verdes com troncos pretos — a oda, a árvore sagrada dos oromos, etnia a que os gujis pertencem.

A estrada de acesso à pequena igreja, construída com blocos e coberta de lâminas de zinco, estava muito enlameada e com os saltos do todo-o-terreno receei entornar a água benzida na vigília pascal que levava num balde para os batismos.

As pessoas iam chegando a conta-gotas.

«É por causa da chuva!» — explicava-me um catequista.

No templo luterano vizinho a assembleia cantava com entusiasmo puxada pelo pregar intenso do pastor.

«Huum! Parece que a chuva não cai sobre os protestantes!» — comentei, jocoso!

Entretanto, os jovens do coro vestiram as túnicas roxas com estolas brancas. Mas não entravam no templo!

Alguém decidiu ir alugar um pequeno gerador. A ELPA não retomou o fornecimento da energia e a Missa de Aleluia não podia ser celebrada sem o acompanhamento do teclado!

Era meio-dia quando, finalmente, iniciamos a celebração eucarística. A igrejinha, com o chão adornado de ervas, estava cheia de fiéis em trajes festivos (foto).

O coro cantou e dançou a preceito e a assembleia também!

Na celebração cinco catecúmenos e sete bebés receberam o Batismo e onze crianças fizeram a Primeira Comunhão. E receberam terços e medalhas!

No fim da celebração, a comunidade ofereceu aos dois catequistas um fato de três peças! Uma maneira interessante de marcar a Páscoa de quem os serve.

À vinda para casa estacionei o todo-o-terreno junto à antena de comunicações móveis para falar com os meus pais através de vídeo-chamada. Faz parte da minha rotina dominical desde os tempos em que vivi no Sudão do Sul. A casa onde vivo fica num baixio e o sinal da internet é muito fraco para usar o vídeo.

Assim passei a primeira páscoa de regresso à Etiópia!