«O missionário deve estar disposto a tudo: à alegria e à tristeza, à vida e à morte, ao abraço e à despedida. E a tudo isso estou disposto também eu», escreveu o jovem padre Daniel Comboni ao pai pouco depois de chegar a Santa Cruz, a missão entre os dincas que o acolheu na margem do Sudd, o grande pantanal do Sudão do Sul.
Visto esta disposição na hora em que me preparo para regressar à Etiópia 21 anos depois.
É a estação da alegria e da tristeza. Alegria de partir finalmente para um sonho que foi adiado em 2007 e em 2013 para aceitar outros serviços que me foram pedidos no Sudão do Sul e em Portugal.
Tristeza das saudades.
Da vida e da morte: é preciso dizer adeus para poder dizer olá!
Dos abraços e da despedida. E eu gosto muito de abraços…
E também dos agradecimentos!
O meu enorme bem-hajam, antes de mais, à Trindade bondosa por estes quase oito anos vividos dentro de portas exercendo um cargo de liderança que nunca ambicionei e que me fez crescer em humanidade e humildade!
Aos meus irmãos missionários pela confiança, paciência e fraternidade que me brindaram!
Aos meus pais, irmãs e restante família pelo apoio e pelo carinho!
A todas as amigas e amigos por encarnarem a ternura de Deus por mim.
Parto 29 anos mais velho do que da primeira vez! Com uma prótese na anca, com olhos e ouvidos mais cansados, com menos cabelo, dentes e forças para Qillenso, a missão que me acolheu, mas que está muito diferente 21 anos depois a começar pelo alcatrão na estrada.
Inspiram-me as palavras de Paulo aos cristãos de Tessalónica: «tanta afeição sentíamos por vós, que desejávamos ardentemente partilhar convosco não só o Evangelho de Deus mas a própria vida, tão queridos nos éreis».
Estou mais velho, mais cansado, mas parto por amor ao povo que me amou durante oito anos e que me fez renascer, para partilhar o Evangelho e a vida, a minha vida. O que dela resta…
Algumas vozes interpelam-me: «Porque partes? Aqui és tão preciso!». Alguém foi mais franca: «Parece-me uma inutilidade ires… Cá também há trabalho de missão, se calhar até bem mais necessário».
Peço emprestados uns versos à grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen: «E eu tenho de partir para salvar / Quem sou, para saber qual é o nome / Do profundo existir que me consome / Neste país de névoa e de não ser».
Parto porque tenho de partir, sair da minha zona de conforto, ir às periferias da vida dizer «Deus ama-te» através do meu amor, pobre e pequeno.
E levo-te contigo no coração: não vou sozinho, não ficas sozinha, não ficas sozinho.
Parto, porque a missão é um privilégio, é uma graça! De Deus.
José Vieira