30 de outubro de 2025

ROSTOS DA ESPERANÇA


Pela primeira vez, um grupo de mulheres beduínas palestinianas encontrou-se diante de tantos homens que não eram de sua família nem partilhavam a sua língua, a sua fé ou a sua terra. Tudo parecia separá-las… e, no entanto, algo invisível e profundo as uniu.

Na humilde cabana de chapas e zinco — transformada em sala de encontro e coração da aldeia beduína de Abu Nawar —, prepararam-se com cuidado para o tão esperado momento. 

— São da Igreja! — dissemos-lhes. — Vêm como peregrinos da paz. 

E elas, com uma mistura de timidez e dignidade, abriram a sua casa e o seu coração para acolher mais de trinta bispos e outras pessoas das dioceses da Lombardia, na Itália, que chegaram a esta terra ferida e sagrada «em peregrinação de paz e esperança universal, para expressar solidariedade, proximidade e apoio às comunidades atravessadas por conflitos e tensões».

Os aromas do café acabado de fazer e do chá de ervas misturavam-se com o ar quente do deserto. Jamila, a anfitriã, organizava com paciência as vizinhas: cada uma trazia o café preparado na própria casa, como se, com cada xícara, oferecesse uma bênção. Os aromas do café acabado de fazer e do chá de ervas misturavam-se com o ar quente do deserto. Jamila, a anfitriã, organizava com paciência as vizinhas: cada uma trazia o café preparado na própria casa, como se, com cada xícara, oferecesse uma bênção.

Pela primeira vez, como concessão à tradição, as mulheres deixaram-se ver, partilhando o mesmo espaço com homens estranhos. Com mãos firmes e olhares suaves, mostraram os seus bordados tradicionais: fios coloridos que contam a sua história, a sua resistência, a sua beleza.

São cerca de vinte e cinco mulheres — avós, mães, jovens — unidas pelo desejo de preservar a arte das antepassadas e de tecer com as próprias mãos um futuro mais digno. Após semanas de aprendizagem, algumas receberam naquele dia o primeiro pagamento.

— É o primeiro dinheiro que ganho com meu próprio trabalho. Sinto-me tão feliz! — diz Rimal, com brilho nos olhos. — Sonhava ser enfermeira, mas tive de abandonar a escola. Caminhávamos horas para chegar, às vezes sem comer. Desde a guerra, tudo parou… Mas ainda sonho. Adoro inglês e quero escrever um livro. Tenho tantas histórias para contar!

O pequeno salão comunitário encheu-se de risos, olhares e gratidão. As mulheres ofereceram a cada bispo um simples cartão de Natal, feito por outras beduínas que não puderam estar presentes.

— O que estão a cantar? — perguntou, curiosa, Naufa, ao ouvir os bispos entoarem O sole mio.

— Que bonito... Que voltem outra vez! — repetia, emocionada.

No fim, o silêncio desceu como um manto. Os bispos, guiados pelo arcebispo, ergueram as mãos para abençoar. E sob o céu imenso do deserto, a presença de Deus foi sentida próxima, envolvendo a todas e a todos — cristãos, muçulmanos, crentes e buscadores — num mesmo abraço.

No meio da pobreza e da incerteza, onde tantas fronteiras dividem, as mulheres beduínas teceram, com sua hospitalidade, uma pequena profecia:

  • que, mesmo na terra árida, prenhe de conflito e de dor, a vida floresce;
  • que, mesmo na hostilidade, a paz pode nascer;
  • que Deus, o Único, de todos e todas, continua a infundir o seu sopro de vida neste deserto, tecendo entre nós e connosco Fios de Paz.

Ir Cecília Sierra

Missionária Comboniana no Deserto da Judeia 

16 de outubro de 2025

OS PRESENTES DA MISSÃO


O serviço missionário é uma tarefa e também um grande presente de Deus. Melhor, um ror de presentes! O Senhor da Missão, que chama e envia, também abençoa.

A missão deu-me...

Alguém me perguntou o que é que a missão me deu em 44 anos de vida missionária comboniana. Uma pergunta simples que me obrigou a fazer memória das muitas bênçãos que recebi por aceitar ser discípulo missionário de Jesus ao jeito de São Daniel Comboni.

Uma família muito alargada. Jesus promete a quem deixar os afetos e as raízes por causa dele uma recompensa cem vezes maior aqui e, depois, a vida eterna. Ele é um cavalheiro e honra a sua palavra! Deixei Cinfães, a família e os amigos para seguir Jesus como missionário comboniano. Estudei a teologia na Inglaterra (quatro anos) e trabalhei na Etiópia (doze anos) e no Sudão do Sul (mais sete). Também passei nove meses no México em formação permanente. Agora tenho uma família alargadíssima, espalhada pela Europa, África e América. Gente que são meus pais, irmãos e amigos. As redes sociais ajudar a mantem a comunicação com as pessoas que trago no coração como prenda de Jesus. 

Um povo novo. A missão deu-me um povo novo com quem vivo uma relação esponsal, aceitando as suas luzes e sombras. No dia 16 de janeiro de 1993 cheguei à missão de Qillenso, no seio do povo guji do sul da Etiópia, pelas mãos do saudoso P. Ivo do Vale. Até esse dia, não sabia que havia um povo que se chamava guji que pertence à grande família oromo. Entretanto, aprendi a sua língua, as expressões da sua cultura, a sua cozinha, as tradições. Também ganhei algumas peças de vestuário típicas dos homens gujis. Esta é a terra sagrada que calco descalçado do meu próprio etnocentrismo. A aprendizagem de provérbios e de algumas estórias abriu-me a uma sabedoria nova, complemento das referências que pautavam o meu sistema de valores. 

Novos modos de dizer Deus. Nós os portugueses temos as nossas maneiras de dizer Deus, de rezar, de crer – que variam de norte a sul. O povo guji também tem uma maneira tradicional de invocar o Todo-Poderoso. Nas orações próprias da cultura, invocam Deus como nosso pai e nossa mãe, nosso avô e nossa avó, nosso bisavô, aquele que nos deu à luz. É uma fórmula que codifica uma convicção não só bíblica, mas que foi encriptada por outros povos: viemos de Deus. Como disse São Paulo no Areópago de Atenas, «é nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos». É interessante ouvir dizer que o silêncio atravessa Deus e que o amor seco (o amor sem obras) aleija! No Sudão do Sul, as pessoas tinham o hábito de dizer constantemente «Allah karim», «Deus é generoso» em árabe, outra invocação que juntei à minha ladainha dos nomes de Deus. A missão também é oração. Jesus iniciou as pessoas numa nova relação com Deus, chamando-lhe Abba, Papá. O missionário reza com a gente e ao seu jeito, facilitando e iniciando a experiência de Deus na escola de Jesus.

Uma nova vivência do tempo. O tempo – com o espaço – afiguram-se-nos como um conceito absoluto. Contudo, na Etiópia descobri que não há nada mais relativo do que a vivência do próprio tempo. Os etíopes contam o tempo usando um calendário diferente: estamos em 2018 desde o dia 11 de setembro, o primeiro dia de Meskerem, o mês que abre o ano etíope que tem 13 meses: 12 de 30 dias e um – Pagumê – de cinco ou seis, se o ano for bissexto. As zero horas são não à meia-noite, mas às seis da manhã. Depois, o Natal celebra-se a 7 de janeiro e a Epifania a 19; a Páscoa só de vez em quando coincide com a data do calendário universal como em 2025. A Assunção é a 22 de agosto e a Santa Cruz a 27 de setembro. Também aprendi que o tempo não se conta, mas faz-se através de encontros interpessoais e que a luminosidade é a forma natural de determinar as horas do dia. O relógio de pulso, esse é uma pulseira cara! Se o dia estiver enevoado, as horas são percebidas de uma forma diferente.

Mística do quotidiano. Na Etiópia, o dia-a-dia transcorre calmamente. Aprender o tempo é também desacelerar o viver. Nos primeiros oito anos, o serviço missionário era sobretudo feito a pé. Agora o asfalto já chegou ao território da missão e, onde não o há, as picadas são suficientemente largas para um carro passar. Vivendo devagar, caminhando pela floresta, voltei a tomar consciência do entorno: os pássaros e os seus chilreios felizes, os raios de sol a brincar com a neblina matinal por entre os ramos das árvores seculares, orquídeas selvagens, flores pequeninas a pintar o verde do chão... Recuperei a mística do quotidiano e até voltei a escrever versos.

Experiência profissional única. Em Portugal, exerci o meu serviço missionário sobretudo através do jornalismo, integrando a redação das revistas combonianas Além-Mar e Audácia durante uma dúzia de anos. O governo geral do Instituto comboniano convidou-me a integrar como diretor de informação a equipa de duas missionárias e um missionário encarregada de estabelecer a Rede de Rádios Católica no Sudão do Sul. Apesar da falta de meios técnicos, dos tiros na noite e de um clima abrasador, foi uma experiência profissional única. Comecei na Rádio Bakhita, em Juba. Quando as outras sete emissoras FM no Sudão do Sul e uma nos Montes Nubas, no Sudão, e mais uma estação dos Salesianos entraram em funcionamento montei uma redação própria com mais dois jornalistas. Foi um tempo exigente – preparar profissionais da informação e reportar o diário de um país a nascer, com alguns mal-entendidos com as autoridades à mistura – mas também muito proveitoso.

 

A missão dá à Igreja...

Outra pergunta: o que é que a missão dá à Igreja? A resposta engloba prendas múltiplas.

Identidade. A missão devolve a identidade à Igreja. A Igreja é missão. Jesus instituiu-a não para ser um clube isotérico de redimidos. Ele enviou-a aos confins do mundo, aos confins da vida para anunciar a Boa Nova do Reino de Justiça, Paz e Alegria já presente no meio de nós. A Igreja sem missão não é Igreja.

Partilha. O cardeal Luis Antonio Tagle, que chefia o Dicastério para a Evangelização – o ministério vaticano da missão, foi bispo da diocese filipina de Imus. Tinha muito poucos padres, mas quis partilhar alguns com a missão. Os conselheiros não estavam de acordo, mas eles partiram. E a diocese foi abençoada com uma abundância de vocações. A missão explica a matemática de Deus: para multiplicar é preciso dividir. A partilha é o caminho para a revitalização e renovação das Igrejas mais antigas.

Energia. A Igreja universal é a comunhão de todas as Igrejas particulares ou locais. As Igrejas jovens energizam as Igrejas mais antigas – mais exaustas, dão-lhes irmãs e padres para as servir nos diversos ministérios – calcula-se que cerca de quatro centenas de sacerdotes estrangeiros servem a Igreja em Portugal – no meio da seca vocacional extrema em que vivemos. A alegria com que as Igrejas mais jovens celebram a liturgia e a vida é estímulo às Igrejas mais antigas para balançar as normas litúrgicas com a criatividade do Espírito Santo que (co)move as comunidades. E recorda que a fé viva não é só cerebral (de ideias) ou cordial (de intimismos), mas que envolve o corpo inteiro: é palavra, música, dança, silêncio. As comunidades mais antigas estão mirradas e precisam da energia celebrativa das comunidades jovens que ensinam que todas as situações são boas e próprias para celebrar: a vida e a morte, a alegria e a tristeza. Celebrar juntos num ato de solidariedade efetiva e afetiva.

Hospitalidade. A hospitalidade é um preceito no Sul global. Nas comunidades do Norte impera mais a desconfiança. Proclamar Deus como o Pai comum é acolher a todos – mesmo os estranhos – como irmãos comuns. A hospitalidade mantém as comunidades acolhedoras e abertas às necessidades dos mais pobres e necessitados. E também se aprende. Nas minhas andanças pelas veredas do território guji, em novembro e dezembro, tempo da abundância de milho, se passasse por um miúdo a comer uma espiga cozida ou assada enquanto guardava o gado, ele imediatamente a partia e partilhava comigo. Eu sabia que até à noite não ia ter mais nada que comer, mas seria muito malcriado se não aceitasse a sua hospitalidade generosa. A hospitalidade faz-se e aceita-se. É um ato de humildade e de humanidade, é dizer que não sou autossuficiente, que o outro dá sentido à minha identidade.

9 de outubro de 2025

POBRE, EU TE AMEI


Aí está o primeiro grande documento de Leão XIV que também é o último de Francisco. O papa americano explica que o papa argentino tinha em mãos uma exortação apostólica sobre o cuidado da Igreja pelos pobres e com os pobres que ele assumiu, completou e hoje publica. Os Agostinhos, a que o papa Leão pertence, são uma congregação mendicante como os Franciscanos e Dominicanos, entre outras.

Chama-se DILEXI TE, «Eu te amei», e versa sobre o amor para com os pobres no seguimento de DILEXIT NOS, «Amou-nos» a exortação de Francisco sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus.

A exortação apostólica escrita a quatro mãos é um documento curto que começa e acaba com as palavras «Eu te amei» tiradas do Apocalipse de São João (3, 9), o último livro da Bíblia. Tem 121 parágrafos e 130 notas. As citações que apoiam o texto remetem sobretudo para o magistério de Francisco.

O documento pontifício abre com uma curta introdução de três parágrafos e desenvolve o tema em cinco capítulos: Algumas palavras indispensáveis; Deus escolhe os pobres; Uma Igreja para os pobres; Uma história que continua; e, Um permanente desafio.

Deixa uma pergunta fundamental: «Muitas vezes pergunto-me, quando há tanta clareza nas Sagradas Escrituras a respeito dos pobres, por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres» (nº 23).

 

Algumas pérolas

De uma leitura rápida do texto, respiguei algumas passagens-chave:

Os pobres são o caminho de santificação para os cristãos (cf. nº 3);

«Nos pobres, Ele [Jesus] ainda tem algo a dizer-nos» (nº 5);

«No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo» (nº 9);

«O serviço da caridade [é] o núcleo incandescente da missão eclesial» (nº 15);

«Ele [Jesus} apresenta-se ao mundo não só como Messias pobre, mas também como Messias dos pobres e para os pobres» (nº 19);

«A caridade é uma força que muda a realidade, um autêntico poder histórico de transformação» (nº 91);

«Torna-se normal ignorar os pobres e viver como se eles não existissem. Apresenta-se como uma escolha razoável organizar a economia exigindo sacrifícios ao povo, para atingir certos objetivos que interessam aos poderosos. Entretanto, para os pobres restam apenas promessas de “gotas” que cairão, até que uma nova crise global os conduza de volta à situação na qual estavam anteriormente. É uma verdadeira alienação que leva a encontrar apenas desculpas teóricas e não a tentar resolver hoje os problemas concretos daqueles que sofrem» (nº 93);

«Mesmo correndo o risco de parecer “estúpidos”, é tarefa de todos os membros do Povo de Deus fazer ouvir, ainda que de maneiras diferentes, uma voz que desperte, denuncie e se exponha. As estruturas de injustiça devem ser reconhecidas e destruídas com a força do bem, através da mudança de mentalidades e também, com a ajuda da ciência e da técnica, através do desenvolvimento de políticas eficazes na transformação da sociedade. É preciso recordar sempre que a proposta do Evangelho não é apenas a de uma relação individual e íntima com o Senhor» (nº 97).

«O cuidado com os pobres faz parte da grande Tradição da Igreja, como um farol de luz que, a partir do Evangelho, iluminou os corações e os passos dos cristãos de todos os tempos. Portanto, devemos sentir a urgência de convidar todos a entrar neste rio de luz e vida que provém do reconhecimento de Cristo no rosto dos necessitados e dos sofredores. O amor pelos pobres é um elemento essencial da história de Deus connosco e irrompe do próprio coração da Igreja como um apelo contínuo ao coração dos cristãos, tanto das suas comunidades, como de cada um individualmente» (nº 103).

«Com frequência, o bem-estar torna-nos cegos, a ponto de pensarmos que a nossa felicidade só pode ser alcançada se conseguirmos viver sem os outros. Nesse sentido, os pobres podem ser para nós como mestres silenciosos, reconduzindo o nosso orgulho e a nossa arrogância a uma conveniente humildade» (nº 108).

«Para nós, cristãos, a questão dos pobres remete-nos à essência da nossa fé. A opção preferencial pelos pobres, ou seja, o amor que a Igreja tem por eles, como ensinava São João Paulo II, “é decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no qual, apesar do progresso técnico-económico, a pobreza ameaça assumir formas gigantescas”. A realidade é que, para os cristãos, os pobres não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo. Com efeito, não basta limitar-se a enunciar de modo genérico a doutrina da encarnação de Deus. Para entrar verdadeiramente neste mistério, é preciso especificar que o Senhor se faz carne que tem fome e sede, que está doente e na prisão» (nº 110).

«Por vezes, em alguns movimentos ou grupos cristãos, nota-se a falta ou mesmo a ausência de compromisso pelo bem comum da sociedade e, em particular, pela defesa e promoção dos mais fracos e desfavorecidos. A este respeito, é preciso recordar que a religião, especialmente a cristã, não pode ser confinada à esfera privada, como se os fiéis não devessem interessar-se também pelos problemas relacionados com a sociedade civil e pelos acontecimentos que dizem respeito aos cidadãos» (nº 112).

«Convém dizer uma última palavra sobre a esmola, que hoje não goza de boa fama, frequentemente nem mesmo entre os cristãos. Não só é raramente praticada, como às vezes é até desprezada» (nº 115).

«O amor e as convicções mais profundas devem ser alimentados, e isso faz-se com gestos. Permanecer no mundo das ideias e das discussões, sem gestos pessoais, frequentes e sinceros, será a ruína dos nossos sonhos mais preciosos. Por esta simples razão, como cristãos, não renunciamos à esmola. Um gesto que pode ser feito de várias maneiras, e podemos tentar fazer de forma mais eficaz, mas que deve ser feito. E será sempre melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada. Em todo o caso, tocar-nos-á o coração. Não será a solução para a pobreza no mundo, que deve ser procurada com inteligência, tenacidade e compromisso social. Mas precisamos de praticar a esmola para tocar a carne sofredora dos pobres» (nº 119)

«O amor cristão supera todas as barreiras, aproxima os que estão distantes, une os estranhos, torna familiares os inimigos, atravessa abismos humanamente insuperáveis, entra nos meandros mais recônditos da sociedade. Por sua natureza, o amor cristão é profético, realiza milagres, não tem limites: é para o impossível. O amor é sobretudo uma forma de conceber a vida, um modo de a viver. Assim, uma Igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja de que o mundo hoje precisa» (nº 120).

«Quer através do vosso trabalho, quer através do vosso empenho em mudar as estruturas sociais injustas, quer através daquele gesto de ajuda simples, muito pessoal e próximo, será possível que aquele pobre sinta serem para ele as palavras de Jesus: “Eu te amei”» (Ap 3, 9).

8 de outubro de 2025

7 DE OUTUBRO: FIOS DE PAZ NO DESERTO

O 7 de outubro pesa na memória dos povos, especialmente na Terra Santa. Enquanto o mundo observa com ansiedade e dor os ecos da guerra e sonha com a paz, numa pequena aldeia no deserto da Cisjordânia floresce algo diferente: a esperança, bordada por mãos beduínas.

Nesse mesmo dia, um grupo de mulheres — avós, mães e jovens estudantes — reúne-se na creche da aldeia, transformada em ateliê e espaço de encontro. Com linhas e agulhas, elas aprendem, ensinam, partilham. 

O bordado palestiniano — arte milenar, memória viva, símbolo de identidade e resistência — volta a ganhar vida entre os seus dedos.

— Posso convidar outra pessoa? Hoje ela não pôde vir... — pergunta alguém. 

Outra mostra, orgulhosa, o seu primeiro desenho. 

Elas riem, animam-se, prometem avançar juntas. 

Em um mês, dizem, todas bordarão com desembaraço. 

Quem sabe mais, ensina; quem aprende, agradece.

Recebem agulhas, linhas, padrões e uma pequena bolsa como quem recebe uma semente. 

Cada ponto bordado é um gesto de esperança; cada reunião, um ato de solidariedade.

Enquanto o mundo recorda a ferida, elas tecem o futuro com fios de paz. 

No meio do deserto da Cisjordânia, o 7 de outubro deixa de ser apenas um dia de dor: torna-se um canto de resistência criativa, um amanhecer de vida que renasce entre as mãos.

Ir Cecília Sierra, 

Missionária Comboniana na Cisjordânia 

5 de outubro de 2025

ETIÓPIA: MISSIONÁRIAS DA CARIDADE CELEBRAM 25 ANOS EM ADOLA







As Missionárias da Caridade celebraram hoje a presença de um quarto de século em Adola. Em amárico, a capital administrativa e cidade santa do povo Guji, chama-se Kibre Menguist.

O P. Eliseo Citton – missionário comboniano da província italiana que trabalhou com o povo guji – presidiu à Eucaristia, que foi concelebrada pelos párocos de Qillenso (de que Adola faz parte) e de Soddu Abala, assistidos por um diácono capuchinho.

A missa jubilar foi muito participada por católicos das duas paróquias, uma verdadeira celebração cheia de vida e cor. 

As autoridades locais também marcaram presença.

No fim da missa, os participantes visitaram algumas instalações, sobretudo onde os pacientes estão internados.

Os jovens prepararam um drama e algumas danças típicas para animar a ocasião.

Depois, os participantes ofereceram presentes às irmãs, agradecendo os 25 anos de serviço missionário sobretudo aos mais pobres entre os pobres em Adola e Soddu Abala.

Os festejos concluíram com um almoço partilhado que incluiu o bolo de aniversário.

As Missionárias da Caridade – as irmãs fundadas por Santa Teresa de Calcutá – chegaram a Adola no ano 2000.

Começaram por viver em três contentores. Entretanto, o espaço expandiu-se e agora conta com um hospício com internamentos diferenciados para homens e mulheres, cozinhas e lavandaria, armazéns, um jardim infantil e uma escola de corte e costura, uma quinta e a casa da comunidade.

Dom João Migliorati, bispo de Hawassa, também construiu uma casa no espaço com vista à criação da diocese de Adola, que – projeto que, com a sua morte, foi congelado. A diocese de Hawassa é maior que Portugal.

As irmãs estão a construir um novo edifício para a escolinha e capela para os utentes. A capela original, tecida com canas-da-índia em estilo tradicional, foi destruída pelas térmitas. 

No hospício, internam pessoas com deficiência ou com doenças crónicas sem possibilidade de serem cuidadas em família (como a sida) e doentes terminais. Tratam também casos de malnutrição – sobretudo entre crianças e mulheres – e de tuberculose, servindo ao todo mais de 160 utentes. Também têm um berçário para bebés rejeitados.

As irmãs têm uma quinta que produz carne, vegetais, cereais e frutas para alimentar os internados.

O infantário oferece a primeira experiência de escolarização a cerca de duas centenas de crianças, sobretudo pobres.

As missionárias, além da assistência sanitária aos doentes e do ensino na pré-escola e na escola de corte e costura, também colaboram na pastoral em Adola e Soddu Abala.

Preparam crianças e jovens para a primeira comunhão e para o crisma e animam o grupo juvenil que reúne cada domingo à tarde no recinto da comunidade.

Aos sábados, os padres de Qillenso celebram a missa vespertina com os internados. É sempre uma festa!

O cemitério católico de Adola encontra-se no terreno das irmãs.

A presença das Missionárias da Caridade é uma bênção de Deus para os doentes, sobretudo crónicos e terminais, e para as duas paróquias com que colaboram na evangelização das crianças, dos jovens e das mulheres.

1 de outubro de 2025

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA


Os bispos africanos denunciaram recentemente que «as alterações climáticas podem expor mais de 100 milhões das pessoas mais pobres de África a secas, inundações e calor extremos até 2030». É trágico que os mais empobrecidos do continente que menos contribuiu para a pegada global de carbono e que mais energias renováveis usa estejam a pagar a fatura do aquecimento global causado pela queima de combustíveis fósseis.

De facto, enquanto a América produz só 12,4 por cento da eletricidade que consome através das energias renováveis, a Europa 15,3 por cento e a Ásia 16,8 por cento, a África gera mais de metade eletricidade recorrendo a fontes limpas e contribui com apenas três por cento para as emissões globais de CO2. Por outro lado, 18 por cento da população mundial vive em África, mas só consome seis por cento da energia global. Mais de metade da população do continente ainda não tem acesso à corrente elétrica.

O continente, contudo, tem grandes alternativas para fazer a transição energética de combustíveis fósseis para energias limpas. Detém 60 por cento da capacidade solar mundial e um potencial de cerca de 59 mil gigawatts de energia eólica. A África do Sul, por exemplo, está a evoluir do carvão para o óleo e o gás como primeiro passo para a descarbonização. O País do Arco-Íris é o líder absoluto na produção elétrica com energias solar e eólica no continente. A Etiópia também tem investido na descarbonização. Em 2024, o Governo proibiu a importação de veículos com motores atmosféricos. A mudança para veículos elétricos, contudo, traz algumas dificuldades: a tecnologia é mais cara e desvaloriza-se rapidamente, a distribuição da eletricidade é errática e os mecânicos com conhecimentos técnicos são muito poucos. Além disso, o país inaugurou em Setembro, no Nilo Azul, a Barragem da Grande Renascença Etíope, a maior hidroelétrica do continente, capaz de gerar 5,15 gigawatts. E instalou o quinto maior parque eólico do continente.

Apesar de os custos de produção das energias solar e eólica e de as baterias terem embaratecido significativamente, a transição energética na África tem de fazer face a vários desafios, sendo o primeiro o do financiamento. A produção de energia solar em África é sete vezes mais cara e ao continente só chega três por cento do investimento global nas energias limpas, muito aquém dos 200 mil milhões de dólares anuais necessários. A vulnerabilidade política do continente assusta os investidores privados e a rede de distribuição de energia elétrica é obsoleta.

Contudo, a iniciativa Missão 300 quer ligar 300 milhões de africanos à rede elétrica nos próximos cinco anos, porque a eletricidade melhora a economia, produz segurança, promove a qualidade de vida e revoluciona a agricultura. 

A produção solar de pequena escala com tecnologias simples e baratas é uma alternativa local a ter em conta porque, além de gerar eletricidade, cria emprego com a instalação e manutenção dos sistemas de distribuição. E o continente precisa de parar de cozinhar a carvão.