28 de novembro de 2025

A NOIVA RESPLANDECENTE


— O meu marido vai deixar-me trabalhar e conduzir! — disse-nos, com um sorriso rasgado, a jovem noiva beduína.

Está envolta no seu longo vestido rosa pálido, ricamente debruado, tão leve que parecia flutuar com o vento do deserto.

Ela terminou o curso de enfermagem com as melhores notas. Várias clínicas já lhe ofereceram emprego.

Alguns meses atrás, rompeu outro noivado — mesmo depois da festa — ao descobrir que o futuro marido não a deixaria exercer a profissão. 

— Estudei tanto para ficar em casa? Não! — disse, firme, apoiada pelo carinho da mãe, a sua aliada mais fiel.

Hoje celebrámos o seu novo noivado, numa pequena aldeia beduína situada numa montanha do deserto da Cisjordânia, nos territórios palestinianos ocupados.

A noiva, que esteve connosco nos acampamentos de verão e no projeto de bordado Fili di Pace (Fios de paz), brilha como um fio luminoso entre tantas mulheres.

A festa decorre ao ar livre, no deserto, entre montanhas e colinas douradas pelo pôr do sol, no topo onde fica a sua aldeia. 

—O meu filho vai buscá-las. Deixem o carro lá em baixo! — disse-nos a mãe. 

O caminho é íngreme, uma verdadeira aventura: doze pessoas amontoadas num jipe, saltando entre pedras e curvas, roçando o abismo com o coração a bater forte sob o céu estrelado.

No topo, a noite é iluminada com luzes, cantos e risos. 

Quase todos os rostos nos são familiares. 

Dança-se, conversa-se, abraçam-se famílias que tiveram que deixar as suas aldeias por medo e que aqui encontraram um lar. 

As crianças correm para nos cumprimentar, as mães abraçam-nos com carinho. Aqueles que ainda não nos conhecem ficam surpreendidos com tanta familiaridade.

As missionárias somos as únicas não palestinianas. 

E ela, a noiva, está resplandecente. Os seus olhos refletem a promessa de um futuro aberto, onde a sua inteligência e o seu desejo de servir vão abrir novos caminhos para tantas raparigas beduínas.

A vida não é fácil! Mas continuam a encontrar-se, a dançar, a celebrar. Porque, apesar de tudo, a vida insiste, floresce no meio do deserto — e elas, com uma força suave e obstinada, escolhem não desistir, levantar os olhos, abrir caminhos e viver.

Ir Cecília Sierra

Missionária Comboniana no Deserto da Cisjordânia

19 de novembro de 2025

TUDO É CAMINHO


Deitei-lhe a mão. Hoje! Finalmente. Para os caminhantes tudo é caminho é a criação mais nova de José Tolentino Mendonça. 

Traz na capa estampado um barbusano. Planta perene e altaneira da Floresta Laurissilva da Madeira. De tronco denso, resistente. Um símbolo apropriado do homem, poeta, pensador, místico, mestre que nasceu na Pérola do Atlântico há sessenta anos.

Nasce de chofre como o riacho que brota de uma fraga rasgada na montanha! Sem introdução nem prefácio. Nem tão pouco posfácio. Capítulo segue capítulo. Sem páginas nem grandes espaços em branco. Cento e oitenta páginas com cinquenta e duas reflexões breves. Variadas. Profundas. Desafiantes. Inspiradas. Inspiradoras...

A sabedoria do invisível e do indizível destilada em letras e espaços. Porque «a sabedoria é amar tudo»! 

Um desafio a viver no real, a contemplar o real tal e qual. Sem frases feitas ou de efeito pirotécnico.

Um ótimo presente de Natal. Com certeza!

8 de novembro de 2025

NATAL: TUDO ESTÁ PRONTO


Agulha e linha dançam entre os dedos das mulheres beduínas no deserto da Cisjordânia. Traçam pequenos sinais de luz com o bordado tradicional palestiniano: cartões de natal que contam a beleza e a fragilidade desta terra amada —a cabana aberta para o céu, as estrelas que guiam, as ovelhas, os camelos e os burros que acompanham o mistério do nascimento de Jesus. 

O Natal aproxima-se, e nas pobres cabanas de zinco do deserto as mulheres bordam sem parar com mãos pacientes e corações cheios de esperança.

Na Cisjordânia, onde o conflito e a insegurança marcam o dia-a-dia, onde a ameaça de expulsão pesa sobre o único lugar a que chamam de casa, elas continuam a criar, acreditar e esperar.

Com dedicação, preparam também enfeites para a árvore de natal: não bolas metálicas, frias, mas criações vivas, tecidas com cor, paciência e dignidade.

Imagine uma árvore na sua casa ou na sua igreja, adornada com estes bordados! Sinais silenciosos de uma solidariedade que une os corações além de qualquer distância.

E enquanto preparam pequenos saquinhos, delicados como confetes, tornam-se mensageiras de paz e partilha.

Tudo está pronto...

Neste Natal, voltemos o nosso olhar para a Terra Santa e o seu povo: para fazer renascer a esperança, abrir o coração à solidariedade e reconhecer nas «manjedouras» de hoje os lugares onde Deus se faz próximo, na simplicidade e na ternura desarmada de quem vive nas margens da vida.

«Entrar em contacto com os pobres e os impotentes é uma forma fundamental de encontrar o Senhor da história», recorda o Papa Leão XIV.

Há alguns meses, levámos uma máquina de costura nova para a pequena aldeia beduína e eu disse, quase sem pensar: «E se eles os atacarem novamente, o que acontecerá à máquina?»

Uma das mulheres, mãe de seis filhos — três dos quais com menos de onze anos — respondeu-me com uma calma que partiu o meu coração: «Quando os virmos chegar, vou correr para a salvar».

Esta manhã, outro grupo de colonos chegou antes do amanhecer e destruiu com uma máquina escavadora a casa de uma família da aldeia. 

«Esta noite não vamos conseguir dormir», dizem as mulheres, enquanto recebem linhas e tecidos para bordar. 

Trabalham contra o tempo, entre o medo e a esperança, sabendo que qualquer dia pode ser a sua vez.

No entanto, continuam a bordar. 

Decorações para as árvores de natal, postais com Maria, José e o Menino Jesus — que também nasceu aqui, nesta terra ferida, à noite, vulnerável.

A pergunta delas é urgente: «Podemos ficar, pelo menos, até ao Natal?»

Ir. Cecília Sierra

Missionária Comboniana no Deserto da Cisjordânia

 

Se quiseres celebrar um natal solidário e comprar alguns dos produtos bordados pelas beduínas do Deserto de Judá deixa o teu contacto nos comentários. Obrigado! Shukran!

7 de novembro de 2025

NEM CHICOS-ESPERTOS NEM MORCÕES


O evangelho de hoje é tirado de Lucas (16, 1-8). Jesus conta aos discípulos – e, por meio deles, a nós também – uma das parábolas mais desconcertantes que criou.

Era uma vez um administrador que foi denunciado por desperdiçar os bens à sua guarda. Quando o patrão o chamou para fechar as contas, ele pôs-se a matutar: «Vou perder o emprego. E agora? Não tenho forças para trabalhar nem coragem para mendigar!»

Então, gizou uma estratégia para ganhar a hospitalidade dos devedores. Chamou-os um a um para restruturar as dívidas. O primeiro devia cem talhas de azeite. Ele cortou o débito para cinquenta. Ao que devia cem medidas de trigo, fez um desconto de vinte por cento.

No fundo, o que o administrador fez foi obrigar o homem rico a respeitar a Lei que proibia a usura, empréstimos com juros. No tempo de Jesus era costume cobrar cem por cento nos empréstimos de azeite e vinte e cinco por cento nos de trigo.

No fim, o credor elogia a esperteza do administrador desonesto no trato com os seus semelhantes.

A parábola parece advogar a corrupção como modo de vida. Mas não!

Primeiro, diz que só há um Senhor e que nós somos todos administradores. O que temos não é nosso: foi-nos confiado. Às vezes esbanjamos... O Senhor chamar-nos-á a contas!

Depois, a chave de leitura é esta: no trato com os nossos semelhantes não precisamos de ser morcões. Nem tão pouco chicos-espertos. Somos filhos da luz! Precisamos de atuar com esperteza, usar a cabeça, pensar como resolver as situações, discernir. 

Deixemos que a luz de Deus ilumine as nossas relações interpessoais, combatendo a mundanidade – como tantas vezes nos convidou o saudoso Papa Francisco.

4 de novembro de 2025

A MODA DOS CORREDORES


Cheguei à Etiópia na manhã de 9 de Janeiro de 1993. Adis Abeba, Nova Flor, como foi rebatizada – os Oromos, esses continuam a chamar-lhe Finfinne – era uma mistura promíscua do velho e do novo, do belo e do feio. O Hilton convivia com casebres feitos de barro, madeira, plásticos ou zinco. Era assim por toda a cidade. As ruas, a pedir há muito nova camada de asfalto para tapar os buracos, eram disputadas por veículos, peões e grandes filas de burros de carga, com gado a pastar placidamente nas rotundas e alamedas. O Governo tinha gastado três décadas a lutar contra os separatistas da Eritreia e a guerra e a corrupção sorveram os dinheiros públicos.

Hoje, Adis – como afetuosamente lhe chamamos – é uma metrópole moderna, cheia de altos edifícios de desenhos arrojados, grandes avenidas à mistura com alguns bairros-de-lata. Transformou-se num estaleiro onde grandes construções nascem um pouco por toda a cidade como cogumelos depois das primeiras chuvas.

O executivo municipal da capital, entretanto, lançou o Projeto de Desenvolvimento do Corredor – assim, no singular – em Fevereiro de 2024, uma iniciativa de transformação urbana para melhorar a mobilidade e segurança, infraestruturas e espaços públicos.

Começou com cinco corredores no centro da cidade. Alargaram as faixas de rodagem e sobretudo os passeios para peões e ciclistas. Construíram fontes luminosas e espaços verdes. Colocaram candeeiros vistosos e árvores nos separadores centrais. Na segunda fase, lançada oito meses depois, a edilidade vai fazer mais oito corredores novos com uma intervenção de 132 quilómetros. Contudo, para alargar vias e passeios, são demolidas lojas, habitações e outras construções sem consultas adequadas ou compensação. Normalmente, as estruturas a destruir são marcadas com um X e os ocupantes têm alguns dias para as desocupar.

O projeto capitalino foi alargado a mais de seis dezenas de centros urbanos e chegou inclusive a Adola, a capital administrativa e sagrada do povo Guji, com quem vivo, a mais de 460 quilómetros da capital. O município exige a demolição do muro da frente da igreja e da biblioteca pública católica e a sua reedificação alguns metros mais atrás, ameaçando com multa se não o fizermos. Uma empresa começou por pedir oitenta mil birr (cerca de 460 euros), seis meses de salário de um professor, para fazer a demolição.

A Amnistia Internacional acusa as autoridades de violar os direitos humanos dos despejados por falta de consultas públicas e planeamento jurídico antes das demolições e pediu uma «pausa imediata» no projeto. O impacto social e psicológico nos residentes obrigados a mudar imediatamente de casa e de lugar também é enorme. Em Jimma, uma cidade no Oeste do país, 15 mil pessoas foram desalojadas por via dos corredores. Depois, pelo menos nalgumas zonas da capital, à noite os corredores estão bem iluminados e com belas fontes decorativas a funcionar, cenário para selfies, enquanto no bairro ao lado não há nem água nas torneiras nem luz. O progresso é bem-vindo, mas com respeito pelos cidadãos e seus direitos.