29 de maio de 2024

«EU AJUDO-A!»


«Ajudem-na, por favor, porque ela não fala árabe!» – disse às crianças beduínas num dos centros que visitamos no deserto da Judeia.

Antonella, a voluntária italiana, estava comigo enquanto a Ir. Lulu visitava outro centro.

– Banana, apple, umbrella, car, ball, onion, plane, bus, train... (Banana, maçã, guarda-chuva, carro, bola, cebola, avião, autocarro, comboio) – os pequenos beduínos começaram a dizer tantas palavras em inglês, que aprenderam nas aulas.

Os olhos banharam-se-me em lágrimas. Até os mais caladitos pareciam que se queriam ouvir a falar em inglês.

– Eu ajudo-a. Sei inglês! – disse uma menina.

Em coro todos os outros continuavam a repetir o repertório de palavras inglesas que foram aprendendo no jardim infantil.

E levaram, contentes, Antonella para uma das casinhas de zinco e madeira que usamos para as lições.

Entretanto, eu fiquei com as mães e as jovens que, satisfeitas, imitam crianças não só com palavras, mas também com frases inteiras em inglês.

Com jogos, à força de repetir e de estar com eles, um novo vocabulário vai-se forjando. E com ele, novas possibilidades de aprendizagem, que – confiamos – vão proporcionar ferramentas úteis para a convivência intercultural e navegar o futuro incerto destas crianças e das suas famílias.

Ir. Cecília Sierra

Missionária Comboniana a trabalhar com os beduínos do Deserto da Judeia, Terra Santa

22 de maio de 2024

COMBONIANOS ACOLHEM 23 NOVOS MISSIONÁRIOS

Os três neo-professos etíopes

O Instituto Comboniano acolheu 23 jovens africanos de língua inglesa que nele fizeram a sua primeira profissão religiosa.

O evento teve lugar em Namugongo, no Uganda, a 11 de maio de 2024.

Os neo-professos são naturais do Sudão (um), Zâmbia (um), Etiópia (três), Sudão do Sul (quatro), Quénia (quatro), Maláui (cinco) e Uganda (cinco).

A profissão dos votos de castidade, pobreza e obediência por um ano segundo a Regra de Vida dos Missionários Combonianos conclui o período de dois anos do noviciado e marca a sua pertença ao Instituto.

Dom Giuseppe Filippi, bispo comboniano emérito de Kotido, no Uganda, presidiu à Eucaristia solene das primeiras profissões.

Cinco superiores provinciais encontravam-se entre as irmã, irmãos e padres da Família Comboniana que participaram na cerimónia.

Irmãs e padres locais e muitos leigos também marcaram presença na celebração.

As paróquias onde os 23 noviços fizeram a experiência pastoral enviaram delegações à cerimónia, colorindo ainda mais o evento.

O grupo que veio do Karamoja destacou-se pelas canções, danças, presentes e trajes tradicionais luzidos. 

A concluir a celebração, os participantes partilharam um repasto saboroso que reforçou os laços de comunhão e amizade.

Os 23 neo-professos vão terminar a formação de base e os estudos teológicos em vários escolasticados combonianos internacionais ou nos Centros para Irmãos.

O P. Manuel Fidelino Jardim, comboniano madeirense, faz parte da equipa formativa do noviciado de Namugongo.

Namugongo é o local onde, entre 1885 e 1887, pelo menos 22 jovens pajens católicos e 23 anglicanos foram martirizados às ordens do rei Mwanga.

A Igreja Católica celebra a memória de São Carlos Lwanga e companheiros, mártires do Uganda, a 3 de junho.

O Santuário dos Mártires de Namugongo fica nos subúrbios de Campala, a capital ugandesa.

20 de maio de 2024

MUDANÇA NA COZINHA


Desde 15 de maio que a comunidade de Qillenso tem uma nova cozinheira. 

Guyyate Makarsa, que cozinhava para nós há 34 meses, antes da Páscoa quis falar comigo.

– Depois da Páscoa, queria começar uma nova fase da minha vida! – explicou. – Quero ir para Adola aprender a arte de cabeleireira para ter alguma autonomia quando me casar.

Ela começou a cozinhar para nós em 2022 depois de duas senhoras de terras mais baixas terem desistido de trabalhar em Qillenso por causa da humidade. Uma era mãe e o bebé não parava de chorar. A outra tinha dores de dentes contínuas.

Nessa altura, Guyye – como a chamamos – estava no 12º ano e tinha duas horas de aulas por dia, das 16h00 às 18h00. O pai disse-lhe para vir cozinhar para nós uma vez que tinha aprendido alguma coisa com uma amiga.

Fez o exame de admissão à universidade duas vezes, mas não conseguiu nota para frequentar a universidade pública. Uma irmã mais nova está a estudar Farmácia numa universidade privada e o pai não tem maneira de manter as duas. É pena, porque é muito inteligente. É vítima da crise da educação na Etiópia.

Agora, com 24 anos, chegou a hora de planear o futuro. Antes de casar quer alguma autonomia económica.

– Estou preocupada, porque vão ficar sem cozinheira! – confessou.

– Não te preocupes. Deus deu-te-nos e vai dar-nos alguém outra vez. Tu, prepara o teu futuro! Obrigado por cuidares de nós tão bem durante os últimos quase três anos. Vai em paz! – respondi.

Perguntamos às Missionárias da Caridade se conheciam alguma mulher que soubesse cozinhar. Prometeram ver.

Entretanto, num domingo uma candidata a irmã de Qillenso telefonou-me a perguntar como iam as coisas! Entre as muitas questões quis saber como estava Guyyate.

– Vai deixar-nos para poder estudar em Adola! – respondi. – Vamos ficar sem cozinheira!

Disse-me que conhecia uma senhora de Fullasa, onde ela esteve algum tempo numa comunidade das irmãs com quem vive, que tinha experiência de cozinha para estrangeiros. Trabalhou com os missionários espiritanos de Dadim, entre os borana, e com as Irmãs em Fullasa. E fala oromo!

Pusemo-nos em contacto telefónico e a Sr.ª Werqe (significa Ouro) aceitou vir trabalhar connosco. Tem uns 40 anos. O filho acompanhou-a a Qillenso.

A primeira coisa que dizemos foi levá-la ao mercado para lhe comprar alguma roupa quente. Guyye foi a Adola comprar-lhe um par de botas. 

A senhora é dedicada e cozinha bem. Espero que se dê com a nossa humidade, sobretudo em julho quando o nevoeiro denso e a morrinha se entranham até à medula dos ossos!

Por agora, fica três meses à prova!

Quanto a Guyye, no dia 17 levei-a para Adola com as suas coisas. Que Deus abençoe o seu futuro. Merece!

6 de maio de 2024

PÁSCOA EM MAIO





A maioria dos cristãos celebrou a Páscoa da Ressurreição do Senhor a 31 de março. A comunhão ortodoxa fê-la a 5 de maio. Calendários diferentes ditam datas diferentes.

A regra para a celebração da Páscoa é simples e foi estabelecida há 1700 anos pelo Concílio de Niceia, em 325: a ressurreição do Senhor celebra-se no domingo depois da lua cheia do equinócio da Primavera.

Contudo, este ano enquanto católicos e outros cristãos celebraram a Páscoa a 31 de março, ortodoxos fizeram-no a 5 de maio. Porquê? Enquanto católicos e protestantes celebram a Páscoa segundo a data do calendário gregoriano que se impôs como contador universal, a comunhão ortodoxa segue o vetusto calendário juliano, em vigor desde há quase meio século antes de Cristo ter nascido, que foi substituído pelo gregoriano em 1582 para acertar as contas do ano solar.

Os dois calendários têm uma diferença de 13 dias no início do mês. Por isso, a data da Páscoa varia entre 22 de março e 25 de abril segundo as contas do calendário gregoriano e 4 de abril e 8 de maio segundo a contagem do juliano.

Podemos voltar a celebrar a Páscoa numa data comum? Os dois calendários coincidem de vez em quando. Para o ano a celebração das igrejas orientais e ocidentais faz-se no domingo, 20 de abril. O Relatório de Síntese da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu em outubro passado, evoca a coincidência.

«Providencialmente, a data da solenidade da Páscoa coincidirá para todas as denominações cristãs [no ano em que se celebra os 1700 anos do Concílio de Niceia]. A Assembleia exprimiu um vivo desejo de conseguir encontrar uma data comum para a festa da Páscoa, de modo a poder celebrar no mesmo dia a ressurreição do Senhor, nossa vida e nossa salvação», escreve nas propostas apresentadas para a unidade cristã.

O Patriarca Ortodoxo de Constantinopla também manifestou o desejo de os cristãos no Oriente e Ocidente celebrarem a Páscoa em «data unificada». 

«É um escândalo celebrar separadamente o acontecimento único da única ressurreição do único Senhor», afirmou o Patriarca Bartolomeu I na sua homilia de 31 de março, dia em que despachou delegados para saudarem as igrejas que celebraram a Páscoa do Senhor em Constantinopla.

A necessidade de uma celebração comum da Páscoa foi também manifestada pelo Papa Francisco em junho de 2015 quando afirmou aos participantes do retiro mundial para padres que «temos de chegar a um acordo» para uma data comum para a Páscoa.

 

MESMA DATA, CELEBRAÇÕES DIFERENTES 

A Etiópia celebra as suas festas cristãs segundo o calendário juliano e a Igreja Católica também o segue nos seus dois ritos: Oriental e Romano. 

A Igreja Católica foi restabelecida na Etiópia no século XIX sob dois ritos: o Oriental no Norte (onde a população é predominantemente de origem semita e segue a Igreja Ortodoxa Etíope) e o Romano no Sul (entre as etnias cuchitas mais protestantes e católicas) por dois grandes bispos missionários italianos: Santo Justino de Iacobis e o Cardeal Guilherme Massaia, respetivamente.

As duas tradições católicas usam práticas litúrgicas diferentes. Os Católicos do Rito Oriental começam a Quaresma duas semanas antes dos do Rito Romano, seguindo a tradição ortodoxa de uma quaresma de 55 dias, celebrada em moldes próprios com jejum diário depois do jantar e até ao meio-dia ou às 15h00 do dia seguinte. Durante os 55 dias de quaresma seguem uma dieta tipicamente vegana, abstendo-se de qualquer produto de origem animal: carne, leite, ovos... Os talhos ortodoxos encerram durante a quaresma, mas os muçulmanos e outros permanecem abertos.

Os católicos de Rito Latino fazem jejum na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa e abstêm-se de carne durante as sextas-feiras. Durante as celebrações da Quaresma as palmas, teclados e tambores litúrgicos são guardados na sala de arrumos até à Páscoa bem como flores e adornos.

A celebração da Páscoa do Senhor é também diferente. A liturgia oriental é celebrada dentro de portas e não contempla o rito do lume novo nem a renovação das promessas batismais, que é feita na celebração do Timket, o Batismo/Epifania do Senhor, a 19 de janeiro. 

A vigília pascal começa às 19h00 e decorre pela noite dentro. 

As mulheres vestem predominantemente de branco (roupa nova ou lavada). Os homens cobrem-se com um manto branco. 

Durante a celebração, a assembleia escuta onze leituras bíblicas (dez passagens das Escrituras Hebraicas e uma do Evangelho de João) mais dois textos dos Padres antigos. À meia noite, é proclamado um canto tradicional que anuncia que o Senhor ressuscitou. A liturgia dura até perto da aurora, feita de muitos cânticos, orações, procissões à volta do altar, incenso e velas.

Depois da igreja, a Páscoa faz-se em casa com o quebrar do jejum da carne. Cada família, de acordo com o orçamento familiar, cozinha um cordeiro, um cabrito ou um frango. Bebidas alcoólicas tradicionais também fazem parte do menu pascal: tela (cerveja caseira) ou tej (uma bebida fermentada de mel com água).

Os ritos pascais romanos são iguais em todo o lado, vertidos para as línguas locais. A celebração começa depois do pôr do sol com a bênção do lume novo, fora do templo, e continua com a celebração da Palavra (que pode ter até sete leituras das Escrituras Judaicas e duas das Cristãs, incluindo a proclamação do Evangelho da Ressurreição. Entre cada leitura é costume cantar-se um hino ou salmo). 

Segue-se a liturgia batismal em que, por um lado, os fiéis renovam as promessas feitas no dia do batismo, e, por outro, os catecúmenos, as pessoas que durante um ano ou mais se prepararam para serem admitidas na Igreja Católica, são batizadas. A mãe de todas as vigílias conclui com a liturgia eucarística. Tudo junto, leva entre três a quatro horas. Não há pressa!

A Páscoa é também altura para as pessoas, no Sul, renovarem o guarda-roupas, mas vestindo-se de cores diversas. Também comem uma refeição melhorada que normalmente mete um prato de galinha cozida com alguns ovos numa calda espessa, bem condimentada e picante, acompanhada com injera, pão tradicional etíope feito com tef, um cereal miúdo autóctone, ao jeito de uma panqueca gigante. Os familiares visitam-se para se cumprimentarem e provam do almoço pascal.

1 de maio de 2024

MÃE PEREGRINA



 

A pastoral urbana oferece possibilidades distintas da pastoral rural. No campo, porque as famílias vivem dispersas e não há eletricidade, as atividades são diurnas e estão centradas na igreja paroquial e nas capelas. Na cidade, as celebrações fazem-se na igreja e nas casas dos fiéis.

Há dois anos, consagrámos todas as famílias católicas da cidade de Adola, uma a uma, ao Sagrado Coração de Jesus. As Missionárias da Caridade – as Irmãs de Santa Teresa de Calcutá – encaixilharam imagens do Coração de Jesus e do Coração de Maria e os padres traduzimos as orações da consagração para a língua guji. 

Cada semana visitávamos uma família, rezávamos o terço, fazíamos juntos a oração de consagração, entregávamos a oração para a continuarem a rezar, colocávamos as imagens dos Sagrados Corações na parede da sala e benzíamos a casa e os arrumos.

A celebração, em que participavam católicos vizinhos, terminava com uma pequena refeição. As famílias mais pobres preparavam café ou chá com um pedaço de pão.

A consagração das famílias ao Coração do Bom Pastor foi uma iniciativa pastoral bem sucedida. As famílias ficavam felizes por acolherem a celebração, receberem a visita das missionárias e missionários e dos vizinhos, serem consagradas a Jesus e abençoadas.

Para dar continuidade à prática da oração comunitária nos lares católicos, decidimos introduzir a reza do terço nas suas casas em vez de o fazermos sempre no bairrinho para a gente necessitada que as irmãs construíram em Adola. 

Na segunda-feira à tarde, depois das 17h00, encontramo-nos na casa da família marcada com a imagem da Senhora de Fátima dentro de um pequeno oratório de madeira, oferta de uma organização católica austríaca às Irmãs.

Depois de distribuir alguns terços de plástico, acender uma vela e dar as boas-vindas uns aos outros, iniciamos a oração do terço em língua guji. Petrós, o catequista que trabalha com as Missionárias da Caridade, preside à reza do terço. A cadência lenta e cantada da oração convida à meditação.

Cada mistério é intercalado com um cântico em guji ou amárico. 

Depois do terço, é a vez de escutar o Evangelho do dia em guji e amárico. Alguns dos presentes partilham o que a Palavra do Senhor lhes inspira. 

O padre no fim da celebração abençoa a assembleia doméstica.

Segue-se um pequeno momento de convívio à volta de uma chávena de café ou chá servida com cevada torrada ou outra comida ligeira.

A imagem da Senhora de Fátima permanece no seu oratório com a família que a acolheu até à segunda-feira seguinte, altura em que visita um novo lar. É presença maternal que une a família em oração à sua volta.

A Mãe passa de casa em casa dos seus filhos em Adola. Quando a visita chega ao fim, começa um novo ciclo. 

O Papa Francisco repetiu durante a visita a Fátima por ocasião da celebração centenária, a 13 de maio de 2017, que «Temos Mãe!» Mãe peregrina, de casa em casa, de coração em coração. Mãe dos católicos de Adola. Mãe de todas e de todos. Bendita.