31 de agosto de 2024

FÉRIAS MISSIONÁRIAS



DEZOITO JOVENS ESPANHÓIS E UMA ITALIANA passaram três semanas na Etiópia, em agosto, a animar campos de férias infantis e cuidar da própria formação espiritual.

Uma dúzia de mulheres e sete homens, incluindo dois padres e um seminarista, com idades entre os 19 e os 35 anos, universitários e profissionais (sobretudo das áreas de saúde e educação) partilharam parte das suas férias com crianças gujis, do sul da Etiópia.

Os visitantes foram assistidos por seis jovens de Adis-Abeba mais um grupo de jovens locais, juntamente com dois postulantes e um escolástico combonianos, que os apoiaram nas traduções e nas dinâmicas.


Os campos de férias para crianças dos cinco aos 14 anos – mas que contou com miúdos mais pequenos e mais velhos – decorreram na Casa de Acolhimento das Missionárias da Caridade – as imãs de Santa Teresa de Calcutá – em Adola e nas paróquias-missões de Qillenso e Soddu Abala.

Mais de 800 crianças juntaram-se diariamente nos três centros para rezar e aprender catequese, brincar, jogar, cantar e praticar desporto. As atividades – que ocupavam toda a manhã – acabavam com um lanchezinho de biscoitos energéticos e refresco.


Era notável a alegria que nem a chuva nem o nevoeiro – que também quiseram marcar presença nas atividades – diluíram nos participantes de todas as idades.

Entretanto, dois espanhóis, assistidos por um postulante comboniano que fazia de tradutor, deram um curso de introdução ao uso de computadores na Biblioteca São Daniel Comboni, em Adola. 


Os participantes, 27 rapazes e 13 meninas, dos 10 aos 21 anos, aprenderam a usar o computador, os programas mais populares e a internet durante três semanas, em turnos diários, de manhã e de tarde. 

Os jovens espanhóis vieram de paróquias das dioceses de Segorbe-Castellón e Valência, muitos com ligação ao Movimento Neocatecumenal.

Além de animarem os campos de férias, fazerem a pequenada feliz e ensinarem computação, também participaram ativamente na vida de oração diária (Missa, vésperas e adoração) das Missionárias da Caridade com quem se hospedaram.


Nas tardes livres, seguiram um programa de formação que incluiu missa, catequeses e outras atividades espirituais, animadas pelos dois padres que os acompanharam. 

Também participaram na Eucaristia dominical na capela do Centro de Acolhimento (no sábado à noite) e na Igreja de São Daniel Comboni em Adola, com algumas canções.

Alguns inclusivamente acompanharam o missionário comboniano na celebração dominical em capelas à volta da cidade.

O campo de férias em Qillenso terminou a 29 de agosto com a celebração da Eucaristia. No final, os mais velhos receberam cadernos e os mais pequenos guloseimas.

No dia seguinte, uma avó perguntou-me onde estavam os «farenji», estrangeiros. Expliquei-lhe que iam a caminha de Adis-Abeba para à noite apanharem o avião para a terra deles. «As crianças estão a chorar!», respondeu.


As três semanas de férias no sul da Etiópia foram imersão numa realidade nova para os visitantes, que os encheu de alegria que é – como o Papa Francisco sublinhou na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa – missionária. Alguns, inclusive, já tinham passado algum tempo na Índia, em comunidades das Missionárias da Caridade.

Para Veronika, a jovem italiana com raízes polacas, a estada superou todas as expetativas. «Foi uma oportunidade única», confessou.

Mar, a mais jovem do grupo, estudante de medicina, explicou que durante as três semanas criou ligações afetivas sobretudo com as crianças na Casa de Acolhimento de Adola, complicando-lhe o regresso a Espanha.


Infelizmente, uma das jovens partiu um braço na brincadeira com a irmã e foi evacuada para Espanha para ser operada com urgência uma semana antes de o campo terminar.

Os jovens regressaram às suas famílias a 30 de agosto. Partiram de Adola de madrugada para apanharem à noite o avião em Adis-Abeba.


24 de agosto de 2024

OS CUSTOS DA MISSÃO


As duas palavras em oromo e inglês que o superior provincial me deixou no WhatsApp falavam volumes e eram ansiadas há muito: «Kabajamaa... Finally!». «Reverendo... Finalmente!». A legenda ilustrava a foto do meu Bilhete de Identidade (BI) de residente temporário renovado com um crédito de quatro meses extra. Agora expira em janeiro.

O documento tinha caducado a 15 de setembro de 2023. O processo de renovação demorou onze meses menos dois dias. Por não ter o documento em dia, foi muito complicado viajar para os funerais dos meus pais. Tecnicamente, eu era ilegal. Regressei ao país sem problemas com um visto de turista.

Antes, a renovação do BI demorava de duas a quatro semanas. Entretanto, as autoridades etíopes descobriram que muitos processos de licenças de trabalho e residência não seguiram os trâmites legais. Um funcionário do Secretariado Católico – o único organismo da Igreja Católica reconhecido pelo Governo e definido como organização não governamental – montou um cambalacho para embolsar algum do dinheiro pago pelos missionários. Por isso, os processos foram revistos um a um. O funcionário, entretanto, foi demitido.

Os missionários católicos para trabalharem na Etiópia precisam de um contrato profissional com o Secretariado Católico. Há 31 anos, vim como professor de inglês. Desta feita, porque tenho mais de 60 anos – a idade da reforma na Etiópia – fui contratado como formador voluntário.

No meu caso, o processo de verificação da atribuição do permisso de trabalho e residência levou quase um ano. Com a agravante de o Serviço de Imigração e Cidadania cobrar uma penalidade de cinco dólares americanos por cada dia sem visto de residência. 

Apesar de ter submetido o pedido de renovação a tempo e horas, tive de pagar a coima de 1 600.00 dólares. Junte-se-lhe o preço da renovação da residência e tudo junto custou 3 100.00 dólares, pouco mais de 2 800.00 euros. Uma pequena fortuna para ter o privilégio de ser missionário na Etiópia que amo como meu país por mais um ano.

De facto, até julho a renovação de residência temporária custava 150 dólares, um pouco mais de 135 euros, e podia ser paga no correspondente em birr, a moeda local. Entretanto, a nova tabela do Governo elevou o montante para 1 500.00 dólares, pagos na moeda americana. O país passa por uma grave crise económica – recentemente o birr foi desvalorizado em 30 por cento – e o Governo parece querer arrecadar moeda forte através de qualquer meio ao seu dispor.

A província comboniana da Etiópia tem cerca de 20 missionários não etíopes. Sem penalidades, a sua permanência custa perto de 30 000.00 dólares por ano, pouco mais de 27 mil euros, dinheiro que deveria ser usado para servir os mais necessitados.

O cardeal de Adis-Abeba, Arcebispo Berhaneyesus Sourapiel, nomeou recentemente uma comissão para negociar o custo da renovação de residência temporária dos missionários estrangeiros com o Governo para tentar baixar o custo para um preço mais praticável.

Entretanto, a nova moda etíope de amplas avenidas que começou na capital e alastrou a outras cidades, está a colocar alguns problemas acrescidos aos missionários. 

Há duas semanas as autoridades municipais de Dilla, uma cidade no Sul da Etiópia, notificaram as duas comunidades salesianas que tinham dois dias para esvaziar as construções até cinco metros na frente da missão para alargar a rua fronteira. Entre as construções demolidas ao longo dos 170 metros estavam o laboratório, o armazém, a sala de pesagem e observação e outra divisória da clínica das Salesianas. No final, o autarca deu uma semana para esvaziar o espaço, mas nada de compensação pelas demolições e cercas a serem refeitas.

Em Hawassa, a cidade que dá nome à diocese onde trabalho e capital do Estado Regional Sidama, as autoridades municipais estão em conversações com as Missionárias da Caridade, as irmãs de Santa Teresa de Calcutá. Querem transformar a rua que passa à frente da sua casa de acolhimento numa avenida com dois corredores. 

Primeiro, projetaram demolir o muro do centro e recuá-lo para junto dos dois edifícios de dois pisos que servem de internamento para cerca de 300 pacientes: 180 mulheres e crianças e 120 homens. Agora planeiam demolir os dois edifícios, embora não haja espaço para os reconstruir nas atuais instalações. As negociações continuam. A autarquia quer oferecer um novo terreno às missionárias para reconstruir os edifícios de internamento perto do local onde vivem. 

A missão de Daye, também no Estado Regional Sidama, corre igualmente o risco de perder uma faixa larga de terreno à frente do edifício da comunidade comboniana, no adro da igreja e no recreio da escola primária, para alargar e alcatroar a rua que passa à frente. Ficaremos por aqui?

13 de agosto de 2024

«QUANDO É O PASSEIO?»

 

7:45 da noite. Os miúdos descem de um brinquedo para subir a outro, a correr. Querem aproveitam ao máximo esta oportunidade única, a primeira vez que a maioria veio a um parque de diversões com atrações mecânicas e piscinas para terminar o acampamento de verão.

Vieram em três autocarros, de três comunidades beduínas. Crianças e mães estão de visita a uma das cidades mais quentes da Palestina – Jericó, uma das urbes mais antigas do mundo.

– Já tenho 20 shekels! – diziam-nos alguns garotos no início do acampamento. 

A vida é dura para os pais. Por causa da guerra em Gaza, muitos perderam o trabalho.

Com sacrifício, juntaram o dinheiro necessário para a entrada no parque de diversões. Outros não puderam vir. O ingresso custa cerca de dez euros. Podem usar todas as diversões o tempo que quiserem. 

Miúdas que nunca tinham visto as máquinas, sobem sem medo ao martelo, à barca e a outros divertimentos.

As mães, de baixo, assustadas, observam como as filhas se divertem.

Os carros de choque e as cadeirinhas voadoras são os mais simples.

Há também jogos para os mais pequenos. Descalços, a maioria, sentem-se no seu ambiente. Estão aqui desde a manhã, sem ligar ao calor.

Agora ainda há luz e corre uma brisa fresca. Querem ficar até ao fim, até às dez da noite.

As crianças vão cair de sono, vencidas pelo cansaço, ao sentar-se no autocarro. 

Sem dúvida que vão recordar esta experiência à espera que chegue já o próximo ano e nos comecem a perguntar: «Quando é o passeio?»

Ir Cecília Sierra

Missionária Comboniana a trabalhar com beduínos no deserto da Judeia

7 de agosto de 2024

CASA CHEIA


Regra de Vida dos Missionários Combonianos estipula que cada comunidade comboniana tem de ser formada pelo menos por três membros. Contudo, na Etiópia, quatro das oito comunidades seguem a regra de Jesus que enviou os seus discípulos dois a dois. Qillenso é uma delas. Desde novembro de 2021 que a comunidade é formada pelo P. Hippolyte Apedovi e por mim.

O P. Hippolyte nasceu no Togo, África Ocidental, há 33 anos e foi ordenado há quase quatro. Está em Qillenso desde 2019. É o pároco e ecónomo da comunidade. Eu cheguei há três anos. Sou o superior e diretor da escola.

Cada semana, um de nós vai para Adola, o outro centro da missão, na sexta à tarde e volta para o almoço de terça-feira para as várias atividades pastorais: assistência às Missionárias da Caridade e às pessoas que elas servem, eucaristia dominical na igreja dedicada a São Daniel Comboni e noutra capela da zona, oração do terço na casa de umas das famílias católicas e visita semanal à penitenciária de Adola.

O missionário que fica em Qillenso, celebra a missa para os jovens (no sábado), a missa dominical na igreja da missão e numa das capelas. Na segunda-feira celebra na capela de Badeye. O P. Hippolyte no domingo joga futebol com os jovens. Eu prefiro assistir!

Todavia, em julho a situação mudou com a chegada do postulante Ashenafi Adane. Veio estar connosco dois meses para a sua experiência na missão. Em agosto, foi a vez do postulante Petros Demeqe vir por um mês para o mesmo fim. Petros está no segundo ano do postulantado a estudar filosofia e Ashenafi no terceiro.

Os dois postulantes participam nas atividades de pastoral da missão, participam nas diversas atividades da comunidade e ajudam manter o espaço limpo e arrumado. 

Ashenafi durante as duas últimas semanas de agosto vai estar em Adola a assistir a dois ou três voluntários espanhóis que vão introduzir meia centena de jovens à comunicação digital para dar uso aos oito computadores da biblioteca católica. 

Os voluntários fazem parte de uma vintena de jovens, assistidos por dois padres, que vão estar na comunidade das Missionárias da Caridade durante duas semanas para orientar os campos de férias com a criançada das missões de Qillenso e Soddu Ababa.

No princípio de agosto chegou o novo elemento da comunidade. Chama-se Biruk Guirma e tem 29 anos. Terminou a formação teológica em Nápoles, na Itália. Vai estar em Qillenso durante dois anos para uma experiência missionária.

Biruk fala uma das línguas oromo pelo que vai ser fácil entrar no guji, que pertence ao mesmo grupo linguístico.

Em princípio vai ser encarregado da pastoral juvenil da missão e dirigir a escola de Qillenso. A escola no ano passado teve quase 200 alunos da quinta à oitava classe.

Lá diz o povo na sua sabedoria milenar que não há fome que não traga fartura! Até ao princípio de setembro somos cinco. Depois ficamos três, como manda a regra comboniana!

5 de agosto de 2024

OBRA MARAVILHOSA

Estremece cada fímbria do meu ser
arrepia-se cada célula da meu corpo
ao ouvir que sou obra maravilhosa
moldado na bondade de Deus
pelas mãos de um amoreiro
a quem dou glória
vivendo a vida até ao último suspiro
em que devolvo o beijo
que o Papá depositou nos meus lábios
quando nasci!