Oitenta pessoas participam
na peregrinação a Santa Cruz-Pan Nhom, organizada pelos Missionários
Combonianos no âmbito do Ano da Fé. A maioria eram jovens das missões
combonianas de Lomin, Tali, Mapuordit e Yirol, a comunidade anfitriã. Havia
ainda uma dúzia de combonianas e combonianos mais um padre Fidei Donum da
Coreia do Sul e um voluntário italiano.
Daniel Comboni mais cinco
companheiros chegaram a Santa Cruz em Fevereiro de 1858, mas tiveram que
abandonar o lugar 11 meses depois derrotados pela doença e morte.
A peregrinação começou a
12 de Março com a apresentação dos participantes e partilha de expectativas.
Queríamos fazer memória de São Daniel Comboni e companheiros, celebrar o Ano da
Fé e rezar pela eleição do novo papa que decorria no Vaticano e pela paz e
reconciliação no Sudão do Sul.
No primeiro dia visitámos
três capelas da paróquia de Santa Cruz de Yirol: Nyang, Nom Lau (um campo de
retornados) e Biling. Nas duas primeiras rezámos juntos e o pároco, José
Parladé, benzeu a estrutura da capela para os refugiados.
Em Biling fomos recebidos
por mais de 1,000 pessoas. Imolaram um bode – que tivemos de saltar por cima à
maneira Dinka de dar as boas-vindas – seguindo-se a recepção oficial debaixo de
uma enorme árvore da família do mogno. As autoridades locais agradecerem a
igreja e a escola primária com oito salas construída pelo padre Parladé e
pediram a Deus que conservasse o comboniano espanhol por mais trinta anos. Também
pediram um hospital, trabalho para as mulheres, um centro juvenil, um jardim
infantil, poços… O único oficial que não pediu nada ofereceu talhões a quem
quisesse construir casa em Biling. No final, almoçamos todos juntos e a equipa
dos peregrinos jogou uma partida de futebol contra os locais e perdeu por
quatro a dois. O dia encerrou com a eucaristia, o jantar e o visionamento de um
filme sobre o patriarca José.
No segundo dia, depois da
oração da manhã e do pequeno-almoço (chá e biscoitos), dirigimo-nos para Malek
para rezar com a comunidade e fazer a celebração do perdão. A segunda paragem
foi Lam Atot onde outro bode foi morto para dar as boas-vindas ao grupo.
Lam Atot é a comunidade
mais distante da paróquia – a mais de hora e meia de carro – e só tem uma
pequena estrutura de zinco e palha. A escola primária funciona debaixo das
árvores. Depois do almoço, passámos a tarde a descansar e os mais jovens a
jogar. O dia concluiu com a missa, janta e um filme sobre Jesus, em Dinka. De
noite caíram umas pingas grossas que causaram algum alvoroço entre os
peregrinos a dormir a céu aberto.
O terceiro dia começou às
cinco da manhã: era o dia da caminhada para chegar a Pan Nhom e havia que
começar cedo para não sermos derrotados pelo sol. Depois da oração da manhã e
do pequeno-almoço, a caravana de dois camiões e quatro todo-o-terreno
dirigiu-se para Pan Nhom. Primeiro problema: um pneu do camião de apoio foi cortado
e o veículo ficou pelo caminho. Depois de uma hora de viagem – os guias diziam
que 35 minutos chegavam – atingimos o fim da picada e ao princípio do pantanal.
Deixámos os carros e começámos a jornada a pé. Os guias diziam que em duas
horas estávamos em Pan Nhom mas quatro horas depois a caminhar sobre lama negra
e pegadiça – que nos «roubava» o calçado – ou com a água pela cintura, chegámos
ao segundo ponto de descanso – e ainda estávamos a quase duas horas do
objectivo.
Era meio-dia e as contas
eram fáceis de fazer: precisávamos de umas nove horas para chegar a Pan Nhom,
estar lá um bocadinho e voltar aos carros – o que nos obrigava a caminhar no
pântano durante a noite, comidos pelos mosquitos e sem luz para ver o caminho.
E como a caminhada era supostamente curta não havia nem água nem comida.
Quarenta e dois decidimos que era melhor ficar por onde estávamos. Trinta e
oito, contudo, insistiram em chegar a Pan Nhom, incluindo o padre Michael
Barton.
Os que ficámos celebraram
a Eucaristia debaixo de uma acácia. Na homilia falei de Santa Cruz e do sonho africano
que virou pesadelo: o entusiasmo dos primeiros meses entre os dinkas e a
derrota da malária. Mas também a capacidade de aprender com o fracasso e
elaborar um plano global para a evangelização da África – que funcionou. Enfim,
na vida não há becos sem saída nem experiências perdidas.
Depois da missa iniciamos
o caminho de retorno: mais penoso e lento, porque as forças faltavam. Mas
chegámos!
Para mim a caminhada de
oito horas foi uma experiência de solidariedade e cuidado muito forte: jovens –
moços e moças – preocupavam-se com os mais velhos, acompanham-nos, davam-nos a
mão, uma palavra de encorajamento. Também foi bonito ver alguns pássaros e
caminhar no Sudd, uma das zonas húmidas maiores do mundo, e sentir o silêncio
cheio de vida. De animais grandes, só vimos os excrementos de um elefante.
Às oito e meia estávamos
de volta a Yirol para descobrir que tínhamos um Papa novo que escolheu o nome
de Francisco e veio da Argentina. Depois de um bom duche e da janta foi
xixi-cama. O grupo que foi até Pan Nhom chegou às três da manhã.
A 15 de Março,
aniversário de Daniel Comboni, encerrámos a peregrinação com uma missa de ação
de graças por tudo ter corrido bem e pelo Papa Francisco. O ambiente era de
festa apesar do cansaço. Uma peregrinação que se tornou parábola de vida.