O documento que os participantes no XVIII Capítulo Geral dos Missionários Combonianos confiaram à Comissão Pós-capitular para edição final fala três vezes de
cenáculos de apóstolos, uma revisita à intuição profética e carismática de Daniel Comboni.
A expressão é tirada do Capítulo I das
Regras (de 1871)
do Instituto das Missões para a Nigrícia que trata da natureza e objectivos do organismo. Recordamos o texto: «Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam necessariamente a natureza do centro de onde procedem.»
Nesta reflexão, quero destacar três palavras da citação: pequeno, juntos e centro.
PEQUENO [CENÁCULO DE APÓSTOLOS]Daniel Comboni antecipou o seu Instituto como «pequeno cenáculo de apóstolos». Três palavras que se completam: as suas missionárias e missionários são poucos, vivem juntos e são apostólicos: enviados no nome de Jesus, não em nome próprio.
As diversas relações ao XVIII Capítulo Geral sublinham um facto deveras conhecido: o Instituto está a envelhecer e a diminuir e tem que redimensionar a sua presença.
A 1 de janeiro éramos 1582, menos 111 que em 2009, com uma média etária de 59,4 anos. 550 missionários (cerca de um terço do Instituto) têm mais de 70 anos. Mas não devemos perder o sono nem a serenidade: o Senhor continua a abençoar-nos com bastantes vocações (99 teólogos, 65 noviços e 224 postulantes), sobretudo africanas!
Esta realidade de pequenez faz parte da experiência de kenose do Instituto: a participação no esvaziamento de Jesus (Filipenses 2, 6-11). Por outro lado, a requalificação – que prevê o encerramento de 45 comunidades nos próximos seis anos – não é uma estratégia de sobrevivência, mas ajuda para um melhor serviço à missão.
No mundo de hoje, onde tanto se anda em bicos de pés, aceitar ser pequeno é contracorrente, mas é o que Jesus quer de nós: ele chamou aos seus seguidores pequenino rebanho que não deve ter medo (Lucas 12, 31) que é sal da terra e luz do mundo (Mateus 5, 15.16). Sal a mais estraga e luz a mais queima!
JUNTOS [RESPLANDECEM E AQUECEM]Somos um grupo pequeno chamado a atuar unidos a missão. Daniel Comboni vê os seus missionários como raios de luz, solícitos e virtuosos. E explica: «Juntos resplandecem e aquecem.»
O nosso fundador parece futurar a mais de século de distância a tecnologia
LED – ou DEL: díodos emissores de luz – que é a forma mais barata e eficaz de alumiar.
A luz dos díodos está nos aparelhos electrónicos, nos semáforos, nas novas lâmpadas das nossas casas. Substituem a velha tecnologia do filamento incandescente e das lâmpadas frias que usam o (cancerígeno) mercúrio juntando um número de díodos luminosos que dão mais luz e usam menos energia. O segredo está em juntar pequenos LEDs numa só lâmpada seguindo a velha máxima da «união faz a força.»
Este é o desafio maior ao nosso serviço missionário: trabalhar juntos, em rede. No passado éramos mais protagonistas, solistas e às vezes
primas donas da grande sinfonia da evangelização dos povos.
Na Sala da Rocha, na Casa Generalícia, em Roma – que guarda objectos pertencentes ao nosso fundador e a alguns dos seus seguidores mais ilustres – há uma lápide de homenagem a Daniel Comboni que abre com as palavras «Fece da solo e com una audacia senza pari avere una missione», «Fez sozinho e com uma audácia sem par haver uma missão.»
Esta visão de serviço missionário já era! O documento final do Capitulo fala dos combonianos não como solistas mas peregrinos, cuidadores, colaboradores, servidores do Evangelho.
Ser cenáculos é essencial para a nossa vocação «de ser nas fronteiras testemunhas e profetas de relações de fraternidade, baseadas no perdão, na misericórdia e na alegria do Evangelho» como o documento final do Capítulo grafa no parágrafo de abertura.
O Papa Francisco – naquele memorável 1º de outubro na Sala Clementina, durante a
audiência aos capitulares – desafiou-nos a sermos mansos, misericordiosos e humildes ao jeito de Jesus, o Pastor bom e belo: «Como consagrados a Deus para a missão, sois chamados a imitar Jesus misericordioso e manso, a fim de viver o vosso serviço com coração humilde, assumindo o cuidado dos mais abandonados do nosso tempo»,
disse.
A comunidade não é uma estação de apoio para um serviço missionário mais eficaz nem a torre de marfim para descanso dos guerreiros: é o modo de anunciar o evangelho «dois a dois».
O documento final do Capítulo usa 27 vezes o termo comunidade. Num mundo tão fragmentado em clivagens socioculturais, viver o evangelho juntos em comunidade interculturais é um contributo muito importante para a globalização da fraternidade.
«Sentimos o apelo a recuperar o sentido de pertença, a alegria e a beleza de ser verdadeiro “cenáculo de apóstolos”, comunidade de relações profundamente humanas. Estamos chamados a valorizar, antes de mais entre nós, a interculturalidade, a hospitalidade e a convivialidade nas diferenças. O mundo tem uma necessidade imensa deste testemunho», deslinda o documento final.
[REVELAM NECESSARIAMENTE A NATUREZA DO] CENTROComo Instituto e como missionários temos um centro único: não é a missão, mas é Jesus, que nos amou e nos chamou para sermos «Discípulos missionários combonianos ao serviço da alegria do Evangelho no mundo de hoje.»
O nosso serviço missionário nasce da contemplação de Jesus, o Pastor bom e belo, que veio «para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10, 10). Vida/viver aparece 66 vezes no documento final.
O Papa Francisco recordou que na origem da nossa missão está um dom: «a iniciativa gratuita do amor de Deus que vos dirigiu uma dupla chamada: a estar com Ele e a ir pregar.»
Não somos missionários de uma ideologia ou filantropia: somos enviados de Jesus e por isso a nossa vida pessoal e comunitária deve estar centrada n’Ele através da escuta da sua Palavra.
O Papa
escreve no nº 174 de
A alegria do Evangelho: «A Palavra de Deus ouvida e celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça interiormente os cristãos e torna-os capazes de um autêntico testemunho evangélico na vida diária.»
E aos capitulares ajuntou: «A missão, para ser autêntica, deve referir-se e colocar no centro a graça de Cristo que brota da Cruz: crendo n’Ele pode-se transmitir a Palavra de Deus que anima, sustenta e fecunda o empenho do missionário. Por isso, caros irmãos, temos de alimentar-nos sempre da Palavra de Deus, para ser seu eco fiel; acolhê-la com a alegria do Espírito, interiorizá-la e fazê-la carne da nossa carne como Maria.»
Para sermos díodos de Jesus, luzeiros do Evangelho num mundo conturbado, temos que evangelizar juntos a partir d’Ele que é a luz que somos chamados a irradiar «em saída.»
Termino, recordando a última frase que o Papa Francisco pronunciou na audiência aos capitulares: «Antes de dar a bênção, gostaria de dizer uma coisa que não está escrita aqui, mas é uma coisa que sinto: eu sempre, sempre, tive uma grande admiração por vós, pelo trabalho que fazeis, pelos riscos que enfrentais… Sempre senti esta grande admiração. Obrigado.»
Estas palavras podem ser boas para o nosso ego pessoal e institucional, mas são sobretudo um desafio para continuarmos a ser, trabalhar e arriscar juntos como pequenos cenáculos de apóstolos próximos das periferias humanas e geográficas!
É isto que peço para cada um de nós através da intercessão de São Daniel Comboni!