©SAmado
Reclamar a alegria de sermos missionários aqui e agora é
dos desafios mas importantes que temos à nossa frente como província e como
indivíduos. Os missionários italianos que iniciaram a fundação em Portugal eram
gente alegre – apesar das dificuldades inerentes a cada começo e dos problemas
com a língua – e ainda são recordados por esse testemunho de gente simpática e de
bem com a vida. E nós, os seus descendentes?
As canseiras apostólicas, a idade, as doenças, as desilusões
da vida, a inércia, a acédia podem ter diluído o entusiamo e a alegria de
sermos missionários de Jesus através da animação missionária da Igreja em
Portugal e do serviço de formação e de outros encargos dentro da província e do
Instituto. É normal. Por isso, temos que acolher cada dia a exortação de Paulo
ao seu amigo Timóteo: «Recomendo que reacendas o dom de Deus que se encontra em
ti» (2Tm 1:6).
A exortação apostólica Evangelii
gaudium (EG) ou A alegria do
Evangelho que o Papa Francisco escreveu em obediência aos padres sinodais
que participaram na xiii
Assembleia-Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre «A nova evangelização
para a transmissão da fé cristã» que teve lugar no Vaticano entre 7 e 28 de
outubro de 2012 pode servir de pano de fundo para esta reclamação da nossa
alegria.
O Papa Francisco escreveu que «o grande risco do mundo atual,
com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista
que brota do coração comodista e mesquinho. […] Muitos caem nele [risco],
transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida» (EG 2). O
sublinhado é meu.
Felizmente que esta experiência não é um beco sem saída e
ultrapassa-se facilmente com o renovar do encontro pessoal com Jesus Cristo (EG
3) e o regresso ao outro.
Gostava de usar a parte segunda «Tentações dos agentes
pastorais» (EG 76 a 109) do Capítulo ii
«Na crise do compromisso comunitário» para desbravar caminhos que nos levem de
novo à alegria.
A alegria é uma palavra transversal à Bíblia e um frequente
habitante das suas páginas. Para mim a afirmação mais inspiradora encontra-se
em Neemias 8. Os trolhas encarregados das obras de restauração do Templo de
Jerusalém desenterraram dos escombros o Livro da Lei de Moisés e o sacerdote
Esdras organizou uma mega celebração da Palavra junto à Porta das Águas. Um
número de levitas leu e explicou o Livro durante um dia inteiro e criou uma
grande comoção na multidão que não arredou pé. O governador Neemias no fim
disse ao povo para preparar um bom jantar, bem regado com vinho doce e
partilhado com os pobres porque «este é um dia grande, consagrado a Deus; não
vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a nossa força» (Ne 8:10).
Talvez será por isso que o povo na sua sabedoria milenar
cunhou o ditado «um santo triste é um triste santo.»
O Papa Francisco, em «Tentações dos agentes pastorais»,
convida-nos a dizer não à acédia egoísta, ao pessimismo estéril, ao mundanismo
espiritual e à guerra entre nós e sim a uma espiritualidade missionária e às
relações novas geradas por Jesus Cristo. E lança sete desafios fundamentais:
«Não nos deixemos roubar o entusiasmo missionário» (80); «não deixemos que nos
roubem a alegria da evangelização» (83) – que usei como título desta reflexão; «não
deixemos que nos roubem a esperança» (86); «não deixemos que nos roubem a
comunidade» (92); «não deixemos que nos roubem o Evangelho» (97); «não deixemos
que nos roubem o amor fraterno» (101); e «não deixemos que nos roubem a força
missionária» (109).
Ora aqui está: o entusiasmo missionário, a esperança, a
comunidade, a fraternidade, a força missionária e o Evangelho são os percursos
com os quais podemos reclamar a alegria de sermos missionários.
GLOBALIZAÇÃO DO
INDIVIDUALISMO
O Papa Francisco recorda que a cultura globalizada em que
vivemos é o desafio fundamental que enfrentamos (EG 76). E ajunta: «O
individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que
debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas» (EG
67).
De pessoas sociais e solidárias passamos a indivíduos
solitários. Recordo na minha infância a prática de «dar a mão» com a qual os
lavradores se entreajudavam desde a sementeira até à colheita organizando um
calendário de vessadas, apanha da batata, esfolha do milho, vindima e apanha da
azeitona e na gestão das águas comuns de levadas e tanques. O trabalho era
animado com cantares ao desafio. Certamente que éramos mais pobres mas também mais
felizes.
A urbanização juntou as pessoas em grandes aglomerados junto
ao litoral ao mesmo tempo que as isolou. Passou-se da sociedade do nós à do eu
com a exaltação do individualismo selvagem.
O Papa chama-lhe acédia egoísta. A acédia é uma palavra
grega de tradução difícil: os mestres espirituais chamavam-lhe o demónio do
meio-dia ou do meridiano. Tem a ver com preguiça, torpor, moleza espiritual,
exaustão, apatia, melancolia, até mesmo depressão. Kathleen Norris escreveu Acedia & Me: A Marriage, Monks, and a
Writer's Life, uma investigação muito interessante sobre esse tema.
O Papa Francisco caracteriza a
acédia e os seus efeitos: «as pessoas sentem imperiosamente necessidade de
preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização
fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus que nos
convoca para a missão e nos torna completos e fecundos. Alguns resistem a
provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia
paralisadora» (EG 81).
E diz que as pessoas sentem-se
exaustas não por excesso de trabalho, mas «nas atividades mal vividas, sem as
motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne
desejável» (EG 82), juntando o irrealismo, o imediatismo, o sucesso e a vaidade
como outros elementos que ajudam à «acédia pastoral» e geram o «pragmatismo
cinzento da vida», «mesquinhez», «psicologia do túmulo», «tristeza melosa, sem
esperança que se apodera do coração como «o mais precioso elixir do demónio”»,
«escuridão e cansaço interior» (Cfr EG 83).
PESSIMISMO DERROTISTA
Outra das tentações que nos pode afetar sobremaneira é o
pessimismo derrotista. Volto a citar o Papa Francisco: «Uma das tentações mais
sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos
transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre» (EG
85).
Para vencer é preciso
acreditar. Se partimos para uma atividade a pensar que não vai dar, não vai dar
mesmo. Apesar de muitas vezes as situações pastorais em que estamos envolvidos
na animação da Igreja local, na formação de futuros combonianos e nos diversos
serviços provinciais e pastorais pareçam difíceis, não são impossíveis: não nos
devem intimidar ou derrotar porque
«o mau espírito da derrota é irmão da tentação de separar prematuramente o
trigo do joio, resultado de uma desconfiança ansiosa e egocêntrica» (EG 85)
como escreveu Francisco.
Vivemos numa sociedade
«espiritualmente desertificada» em que o projeto comum é construído à margem de
Deus negando as raízes cristãs da sociedade e da cultura. Lembro-me que quando
visitei o Subiaco em 2003 – fazia parte das visitas guiadas dos capitulares – registei
o sentimento que estava a contemplar uma das nascentes do grande caudal do
génio europeu. Foi nas escarpas rochosas do monte Subiaco que Bento de Núrcia (480-547)
sentiu a inspiração do ora et labora e
deu corpo ao projeto beneditino que revolucionou a cultura e a agricultura na
Europa e em Portugal.
É verdade que vivemos
emersos num deserto espiritual mas uma das grandes descobertas do povo de
Israel durante o êxodo de quarenta anos por uma sucessão de desertos é que Deus
também se encontra no deserto e caminha com o seu povo. Por isso o autor do
Deuteronómio escreve: «Eu vos conduzi durante quarenta anos pelo
deserto, mas as roupas que vestíeis não se gastaram, e o calçado não se rompeu
nos vossos pés» (Dt 29:4) e ainda: «A tua roupa não envelheceu sobre ti e os teus
pés não incharam durante esses quarenta anos» (Dt 8:4).
O deserto é o lugar da
tentação e do demónio – Jesus foi levado para o deserto para ser tentado pelo
diabo (Mt 4:19) –, mas também é o lugar do encontro amoroso e sedutor com Deus:
«É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao
coração» (Os 2:16).
Nas palavras do Papa
Francisco - que por sua vez cita o Papa Bento xvi
- o deserto abre novos horizontes: «É precisamente a partir da experiência deste deserto, deste
vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para
nós, homens e mulheres. No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que
é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da
sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos
implícita ou negativamente. E, no deserto, existe sobretudo a necessidade de
pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra
Prometida, mantendo assim viva a esperança» (EG 86).
No novo êxodo, Deus
caminha connosco para nos libertar das novas escravidões: tráfico de pessoas,
droga, corrupção, fundamentalismo religioso, egoísmo económico que só vê o
lucro e não respeita a terra e os seus ciclos de regeneração … para nomear
alguns dos males que afetam o mundo de hoje, para nos abrir à solidariedade da
partilha e da acolhida. Porque «somos pessoas-cântaro para dar de beber aos
outros» (EG 86).
Um cântaro vazio ou
furado não dá de beber a ninguém… Para darmos de beber aos outros temos primeiro
de ir-nos encher à fonte da vida: «quem beber da água que Eu lhe der,
nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte de
água que dá a vida eterna» (Jo 4:14).
REGRESSO AO OUTRO
A solução para os
desafios do individualismo e do pessimismo passam pelo regresso ao outro!
Precisamos de uma
espiritualidade de resistência cultural que nos sustente no remar contra a
corrente, uma espiritualidade missionária que nos devolva o abraço e o
encontro, redescobrindo a mística do viver juntos: «Neste tempo em que
as redes e demais instrumentos da comunicação humana alcançaram progressos
inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a «mística» de viver
juntos, misturar-nos, encontrar-nos, dar o braço, apoiar-nos, participar nesta
maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de
fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada» (EG 87).
Demos uma olhadela à Regra de Vida: «O encontro pessoal com
Cristo é o momento decisivo da vocação do missionário» (RV 21.1). No princípio
da nossa vocação está o encontro pessoal com Cristo que ganha espessura e
consistência através dos muitos encontros de que é tecida a nossa vida. A
relação comprometida com Deus deve levar-nos a uma relação comprometida com os
outros através de dinâmicas de comunhão e serviço (cf. EG 91).
Como Jeremias, temos que escolher o lado positivo da
realidade: «Vejo o ramo da amendoeira», respondeu o profeta a Deus que lhe
perguntou o que via (Jr 1:11). Ele podia ter dito que via a chuva que não
parava de cair no inverno palestiniano, a humidade a agarrar-se-lhe aos ossos,
a lama pegada nos seus pés. Mas preferiu fixar a amendoeira que anunciava a
primavera com os seus rebentos.
Os ingleses têm um ditado interessante: Há sempre uma linha
de prata numa nuvem negra. Cabe-nos eleger onde fixar o olhar: na positividade
ou na negatividade da vida. Um olhar positivo alimenta a esperança.
Depois vivemos numa sociedade cardíaca e neurótica em que se
«só estou bem onde não estou», como cantava António Variações. Para dar saúde
ao nosso coração temos que aprender «a encontrar os demais com a atitude
adequada, que é valorizá-los e aceitá-los como companheiros de estrada, sem
resistências interiores. Melhor ainda, trata-se de aprender a descobrir Jesus
no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações; e aprender também a
sofrer, num abraço com Jesus crucificado, quando recebemos agressões injustas
ou ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optar pela fraternidade» (EG 91).
Temos de aprender de Jesus que é manso e humilde de coração para
encontrar alívio para o nosso espírito (Mt 11:29) ou, como escreveu S. Inácio
de Antioquia aos Tralianos, «preciso da mansidão para vencer o Príncipe do
mundo.»
Estamos treinados a adorar Jesus na Eucaristia. Temos que
aprender a ver a sua presença real nos outros, a começar pelos confrades com
quem vivemos e passando pelos pobres e mais abandonados.
MUNDANISMO ESPIRITUAL
O Papa Francisco é
useiro e vezeiro na denúncia do carreirismo eclesial sobretudo na cúria
vaticana. Falou disso várias vezes e em circunstâncias diferentes e não
surpreende que o tema emerja na sua exortação apostólica. Ele denuncia a busca
da glória humana e do bem-estar espiritual (EG 93) muitas vezes disfarçados
atrás das aparências da religiosidade e do amor à Igreja. E diz que o gnosticismo
- «uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada
experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente
confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na
imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos» (EG 94) – e o
«neoplagianismo autorreferencial e prometeico» que vem do complexo de
superioridade estão por detrás de um «elitismo narcisista e autoritário» que
consome as energias a controlar em vez de abrir caminhos à graça de Deus.
Ele avisa: «Quem caiu
neste mundanismo olha de cima e de longe, rejeita a profecia dos irmãos,
desqualifica quem o questiona, faz ressaltar constantemente os erros alheios e
vive obcecado pela aparência» (EG 97). É um comportamento humano normal atacar
o mensageiro quando não se gosta da mensagem.
O papa argentino
recorda que o centro da Igreja é o Evangelho enraizado na vida das pessoas e
não as liturgias exibicionistas, a doutrina ou o prestígio eclesial.
O Papa situa a origem
dos conflitos interpessoais na busca do poder, prestígio, prazer e segurança
económica (EG 98).
COMUNIDADE SANADORA
As Regras de 1871 descrevem a congregação como cenáculo de
apóstolos. Recordemos o texto original: «Este Instituto torna-se, pois, como um
pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao
centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que
saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam
necessariamente a natureza do centro de onde procedem» (Escritos 2648). Um
confrade nosso no Sudão do Sul insurgia-se contra esta imagem da comunidade
comboniana que apodava de ultrapassada e esvaziada de sentido nos dias de hoje.
Mas eu acredito que o ícone continua válido! E noto que os raios resplandecem e
aquecem quando estão juntos!
Kate Daniel escreveu
que voltamos para casa para cada um para sermos curados e aclamados. A comunidade
é o espaço de cura, perdão e reconciliação e também o lugar para o testemunho
de comunhão fraterna, «que se torna fascinante e resplandecente» para um mundo
marcado pela guerra, pela violência e «por um generalizado individualismo que
divide os seres humanos e põe-nos uns contra os outros visando o próprio
bem-estar» (EG 99).
O Papa Francisco escreve
na sua simplicidade desarmante e profunda que «sair de si mesmo para se unir
aos outros faz bem» (EG 87).
Ele recorda que «o
modo de nos relacionarmos com os outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é
uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada
do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as
moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração
ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai
bom» (EG 92) e exorta a que não deixemos que nos roubem a comunidade.
Fraternidade mística, contemplativa que sabe ver a grandeza
sagrada do outro.
A oração de
intercessão também tem uma dimensão muito especial no processo de reconciliação
que é fundamental para a vida comunitária. Tiago escreve: «Rezai uns pelos
outros para que sareis» (Tg 5;16).
Recordo-me que quando
chegamos a Lisboa em finais de 1985 o Mota e eu tínhamos muitos problemas com o
P. Carlos Sobrinho que Deus tem. Era o superior da comunidade e comportava-se
connosco como um padre-mestre ressabido, chato, crítico… A princípio custava-me
aturá-lo e uma vez até fui bastante rude com ele. Um ano, fomos os dois fazer o
retiro anual à Buraca com o clero diocesano e ele veio confessar-se a mim.
Percebi as suas dificuldades e as suas lutas e… comecei a rezar por ele. A
nossa relação mudou como da noite para o dia. Já não o via como um padre-mestre
azedo, mas como um irmão que fazia um grande esforço para ultrapassar os
limites de um carácter colérico.
OUTROS DESAFIOS
O Papa Francisco
termina a secção sobre as tentações dos agentes de pastorais com oito
parágrafos sob o título «Outros desafios eclesiais» em que aborda as questões
dos leigo, das mulheres e dos jovens na Igreja (EG 102-108).
São temas genéricos,
mas que nos podem dar algumas pistas indicativas na nossa relação com as Irmãs
Missionárias Combonianas, Seculares, Leigos Missionários Combonianos,
colaboradores, empregados, benfeitores, familiares e amigos e repensar o espaço
que têm na nossa vida apostólica e pessoal.
O Papa escreve que «a formação dos leigos e a evangelização das
categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio
pastoral» (EG 102). E eu acrescentaria que a formação é uma dimensão a
descobrir na nossa animação missionária.
A animação missionária é parte
integrante da missão comboniana e a formação dos leigos para a missão deveria
ser um elemento importante desse ministério. A formação dos leigos e o seu
envolvimento na atividade missionária é uma maneira concreta de os ajudarmos a viverem
o compromisso batismal que faz de nós todos missionários. O Papa escreve que
«em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se
discípulo missionário» (EG 120).
A participação dos leigos na
animação missionária deve ir para além do vender livros, distribuir envelopes e
fazer assinaturas. Eles também devem ser atores dessa forma de evangelização
sem precisarem de vestir albas, porque isso é uma forma de clericalização do
laicado. Algumas comunidades têm uma experiência interessante com o
envolvimento dos leigos na animação missionária que deviam ser inspiradoras.
O Papa Francisco também faz uma
reflecção interessante sobre o tema incontornável do lugar da mulher na Igreja escrevendo
que «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social» (EG
103). Um tema que deveríamos ter em conta no nosso ministério.
Finalmente, o Papa argentino
nota que a pastoral juvenil sofreu um abanão importante com «o impacto das
mudanças sociais» (EG 105). A quem o dizes – pensamos nós e pensam sobretudo os
colegas que trabalham no sector da pastoral vocacional.
Noto em alguns de nós uma certa
ansiedade em relação à falta de vocações. A sobrevivência do homo
combonianus parece estar ameaçada.
Acho que como congregação nunca reflectimos tanto na formação como resposta a
essa ameaça. Mas este período de «vacas magras» de vocações não nos deveria
tirar o sono e deixar-nos à beira de um ataque de nervos. Porque a vocações é
um dom de Deus! E também um mistério. A história da Igreja está cheia de ciclos
de recessão e expansão vocacionais. Em vez de lamentarmos os insucessos
deveríamos repensá-los juntos para descobrir novos modos e espaços de pastoral
vocacional juvenil.
Vivemos numa cultura
«pós-cristã» em que a fé está enfraquecida e os índices de natalidade são muito
baixos. Sem bebés não há missionários! Por outro lado, os jovens de hoje levam
muito mais tempo a amadurecer e preferem compromissos a prazo. Há uma nítida
mudança epocal na juventude e o Papa pede que aprendamos «a falar-lhes na
linguagem que eles entendem» (EG 105).
Os jovens de hoje não são uma
geração rasca: talvez andem à rasca por causa de uma escola que os formata em
vez de os educar para a vida e pela falta de saídas de emprego. Mas continuam
generosos e solidários, «aderindo a várias formas de militância e voluntariado»
(EG 106). Basta ver a disponibilidade para ajudarem no Banco Alimentar – umas
das grandes iniciativas de sucesso nos nossos dias – e o uso das redes sociais
para campanhas de solidariedade e denúncia.
Seguindo as indicações do papa
argentino, temos de encontrar os jovens onde eles estão: nos movimentos e
associações, os novos espaços das agregações (EG 105) e eu ajuntaria na
universidade para além da paróquia e da escola.
Há uma afirmação do Papa que eu
gostaria de reter: a escassez de vocações «fica-se a dever à falta de ardor
apostólico contagioso nas comunidades, pelo que estas não entusiasmam nem
fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem
vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito
disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que
desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização,
especialmente se essa comunidade vivente reza insistentemente pelas vocações e
tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho de especial consagração» (EG
107). O Papa está a falar das comunidades em geral, mas temos que examinar até
que ponto as comunidades combonianos se reveem neste diagnóstico.
O «vinde e vereis» (Jo
1:39) era importante para Jesus como método de pastoral vocacional e continua a
ser importante para nós, hoje! Para as nossas comunidades serem contagiantes e
fascinarem os jovens de hoje temos que recuperar a alegria de ser missionários
aqui e tornar-nos e às nossas comunidades espaços de hospitalidade, encontro,
de experiência de fraternidade e de Deus.
Termino com o último
parágrafo desta secção: «Os desafios existem para ser superados. Sejamos
realistas, mas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de
esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária!» (EG 109). Como
costumava a dizer a uma amiga minha que me repetia sem sessar «é difícil», «é
difícil mas não é impossível!» Nós temos recursos interiores e comunitários
necessários para dar a volta à situação e viver com generosidade a vocação de
missionários do Evangelho da Alegria, uma alegria cordial que ninguém nos
poderá tirar (Jo 16:22)!