2 de agosto de 2020

CHEIA DE GRAÇA



Reunimo-nos para celebrar a festa da Senhora da Graças em tempo de pandemia global.

Hoje fazemos uma celebração mínima, reduzida ao essencial: a Eucaristia — que é a fonte e o cume, o princípio e o fim da vida cristã — numa igreja enfeitada com os nossos corações engalanados.

Esta festa ajuda-nos a manter viva a nossa fé e a alimentar sua dimensão mariana de cinfanenses: com Maria, a mãe de Deus e a nossa mãe, aprendemos a ser discípulos missionários de Jesus.

Celebramos a Virgem Maria sob o título de Senhora das Graças.

Cheia de graça é o nome novo que o Anjo Gabriel chamou a Maria durante a anunciação.

Cheia de graça é o nome com que chamamos a Mãe cada vez que rezamos a ave-maria, a oração mais simples e talvez a mais efetiva que aprendemos desde pequeninos.

Saudamos a Senhora das Graças com as palavras do arcanjo Gabriel e com as palavras de Santa Isabel, a mãe de São João Batista, o nosso padroeiro.

Maria é cheia de graça, porque foi agraciada pelo Senhor. Ela é a cheia do amor do Amado.

A graça é o colinho de Deus, é o Espírito de Jesus ressuscitado. A graça e a verdade são os dons de Jesus (João 1, 17).

A grandeza de Maria está na resposta incondicional à graça que o Senhor lhe deu com um simples: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra».

Ou, como Isabel lhe disse: «Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor».

Maria é feliz, é bendita entre as mulheres, porque acredita sem reservas no plano de Deus desde a anunciação ao pentecostes e dispõe-se a vivê-lo incondicionalmente, sem mas nem sês.

Ela diz «faça-se» ao anjo depois de resolver as suas questões; ela conserva no seu coração o mistério do nascimento e da infância de Jesus; a atenção dela durante a boda de Caná apressa a hora de Jesus; ela mantém-se de pé, forte, junto à cruz; ela está em oração com os discípulos na sala de cima no Pentecostes.

O favor que Deus fez a Maria nossa Mãe — cheia de graça também pode ser traduzido por favorecida com graça — é o favor que faz a cada um dos seus filhos. A todos: santos e pecadores sem exceção.

Paulo escreve aos cristãos de Roma: «onde aumentou o pecado, superabundou a graça» (5, 20). Deus cobre sempre o nosso pecado com o seu amor excessivo.

A nós resta responder a esse amor desmedido com o nosso amor pequenino, limitado, mas um amor amado!

Nessa resposta, olhamos para Maria para aprender a responder ao amor do amado. Ela é nossa Mãe e Mestra. Ela diz-nos o que disse aos serventes das bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser!»

O evangelho que a liturgia nos propõe para hoje conta que Jesus teve compaixão ao ver aquela grande multidão que o esperava no lugar deserto e afastado para onde se costumava retirar.

Jesus comoveu-se até as entranhas. O nosso bispo, Dom António Couto, traduziria: «Jesus tripou».

Esta atenção aos necessitados, esta compaixão entranhada Jesus aprendeu-a da Mãe. Foi ela que nas bodas de Caná disse a Jesus: «Não têm vinho».

Quando Jesus respondeu: «Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora», ela simplesmente disse aos serventes: «Fazei o que Ele vos disser!».

Esta compaixão Jesus propõe-no-la como forma de compromisso cristão.

A grande revolução nas tecnologias da informação com o advento da internet transformou o mundo numa imensa aldeia onde somos vizinhos uns dos outros. Acompanhamos o que se passa do outro lado do mundo em tempo real.

Os dramas, os apelos, a situação das grandes multidões que encontramos nas redes sociais deve mover-nos interiormente e pôr-nos em estado de empatia para com todos.

Jesus diz-nos hoje: «Dai-lhes vós de comer!».

A nossa presença nas redes sociais deve ajudar os nossos contactos a terem mais vida, a viverem melhor, com mais esperança, com mais alegria.

Costumamos chamar ao evangelho de hoje o milagre da multiplicação dos pães. Eu prefiro chamar-lhe o milagre da partilha.

Os cinco pães e dois peixes — o pouco que temos — com a graça de Deus e a benção de Jesus chegam para todos — cinco mil homens, mais as mulheres e as crianças — e ainda sobraram 12 cestos de restos.

A partilha, abençoada por Deus, faz milagres.

A Terra produz comida suficiente para todos os seus habitantes. Apesar disso, mais de 30 por cento da população passa fome. 

O problema está na distribuição e no desperdício. Muita comida é usada para produzir combustíveis verdes. Um terço da comida produzida acaba no lixo.

Jesus manda recolher as sobras do grande piquenique no lugar ermo relvado. Ensina-nos a não desperdiçar, a guardar as sobras.

Quando eu era pequeno e se deixava cair um pedaço de pão ao chão, limpava-se o pão e dava-se-lhe um beijo antes de o consumir.

O pão, a comida é alimento sagrado e não se deve deitar ao lixo. Aliás como tudo. A nossa cultura faz muito desperdício, descarta tantas pessoas e coisas. 

Somos chamados a recolher no cesto do amanhã as sobras, a reciclar os nossos lixos, a tratar as pessoas com a dignidade que lhes é própria.

Que Maria, a Senhora das Graças, nos ensine a viver com graça, agraciados e agradecidos pela vida, pela bondade e pelo amor que Deus nos tem em harmonia com a criação inteira.

Que com São Paulo possamos dizer: «não foi em vão a graça de Deus» (Gálatas 2, 21) porque é pela graça de Deus que somos o que somos (1 Coríntios 15, 10).

Amén.

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