Andava a explorar os arredores do Forte de Jesus, em Mombaça, no Quénia, quando me chamou a atenção um adolescente com uma camisola do Futebol Clube do Porto com as listas finas dos tempos do patrocínio da PT. Noutras latitudes africanas também encontrei alguém com o equipamento alternativo laranja muito desbotado do mesmo clube e uma camisola do Benfica bastante maltratada.
Os equipamentos dos clubes rivais portugueses chegaram aos mercados africanos através do negócio de roupas usadas, que, pelos dados da ONU, movimenta anualmente mais de três mil milhões de euros. A Oxfam calcula que África gasta cerca de 40 milhões de euros por ano na importação de roupa em segunda mão, geralmente artigos de Primavera e Verão. Mas também gorros de lã, sobretudos e outros artigos de Outono e Inverno.
A ditadura da moda obriga muita gente dos países ricos a renovar o guarda-roupa todos os anos e a descartar o que já não se usa. Um americano deita fora em média 37 quilos de roupas por ano. Na última década, os europeus gastaram quatro vezes mais em vestuário. Em Portugal, o desperdício de roupa atinge as 195 mil toneladas anuais.
Quase 80 por cento do vestuário recolhido tem uma segunda vida, sobretudo em África. Vem em grandes fardos, de 45 a 450 quilos, depois de as peças serem seleccionadas e separadas para venda ao quilo. É comum encontrar gente à procura de uma pechincha em grandes montes de vestuário usado em cima de plásticos, no chão, em muitos mercados africanos.
Os mercados de roupa usada são populares, porque o material é barato, de melhor qualidade e com mais variedade do que o que vem da China e do Bangladesh ou da produção local. Depois, em cada mercado há um costureiro que na hora ajusta as peças às medidas do comprador. Os negociantes também ganham: no Zimbábue um fardo de roupa, comprado ao quilo, pode dar um retorno até dez vezes a despesa.
(Um parêntesis: a indústria é responsável por cerca de dez por cento das emissões de carbono. Em Portugal, já há lojas a vender roupas em segunda mão.)
Os governos da Comunidade da África Oriental (EAC na sigla inglesa, que engloba Quénia, Uganda, Tanzânia, Burundi, Ruanda e Sudão do Sul) começaram a taxar a roupa usada em 2016 para em 2019 acabar com a sua importação em nome da dignidade e da promoção da indústria local.
O Governo norte-americano não gostou da opção da EAC e ameaçou acabar com a isenção de taxas do acordo de comércio livre aos países que boicotassem as roupas usadas. Só o Ruanda se manteve firme.
A África – com Mali e Burkina Faso – é um grande produtor de algodão, mas falta mão-de-obra especializada, investimentos e energia contínua para autonomizar o continente no que respeita a têxteis e vestuário.
A pandemia global veio impor alguns entraves à importação de roupa em segunda mão. Os compradores têm medo que os artigos venham infectados com o novo coronavírus apesar de serem fumigados antes da exportação.
O Quénia impôs em Março uma suspensão da importação dos artigos para combater a pandemia. Entretanto, as indústrias locais estão a produzir equipamentos de protecção individual, incluindo máscaras.
A covid-19 pode dar um novo fôlego aos fabricantes e estilistas africanos.
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