3 de junho de 2016

BOM PASTOR DO CORAÇÃO TRESPASSADO



Os combonianos têm uma espiritualidade apostólica para a missão que é própria e específica, condensada no ícone do Bom Pastor do Coração Trespassado. Não se trata de uma devoção, mas é participação da experiência da vida do pai e fundador, São Daniel Comboni, inspirado nos temas do pastor bom e belo (João 10) e do peito aberto pela lança (João 19, 31-36).

Comboni escreveu a 15 de Fevereiro de 1879, 32 meses antes de morrer, na Relação à Sociedade de Colonia, na Alemanha: «O Sagrado Coração de Jesus palpitou também pelos povos negros da África Central e Jesus Cristo morreu igualmente pelos Africanos. Jesus Cristo, o Bom Pastor, acolherá também a África Central dentro do seu redil» (Escritos 5647).

Depois explica que o ícone tem consequências práticas para os seus filhos: «O missionário apostólico não pode percorrer senão o caminho da cruz do divino Mestre, semeada de espinhos e fadigas de todo o género. […] Portanto, o verdadeiro apóstolo não deve ter medo de nenhuma dificuldade, nem sequer da morte. A cruz e o martírio são o seu triunfo» (idem).

O Bom Pastor do Coração Trespassado encarna e expressa a vivência e experiência cristológicas do missionário comboniano. Os Documentos Capitulares 2015 sublinham três pontos importantes relacionados com esta maneira de rezar, viver e ser missão:

1. «Nós somos discípulos de Jesus, chamados a realizar o seu projecto. Característica do discípulo é o encontro pessoal com o Bom Pastor e a escuta da sua voz, saboreando o seu amor e caminhando atrás d’Ele (João 10, 1-21). Jesus chama-nos a viver e a promover vida plena para todos, conscientes de que trabalhamos num mundo em que forças poderosas levam por diante um plano de morte e destruição» (n.º 2);

2. «Nós, combonianos, recebemos uma rica herança espiritual com a qual nos identificamos: o Bom Pastor, sinal de uma vida livremente doada para que todos a recebam em plenitude; a cruz, de onde o coração aberto de Cristo nos convida a assumir o cuidado uns dos outros; a África, ícone da riqueza humana e cultural do mundo, mas também do clamor dos pobres evangelizados e evangelizadores» (n.º 3);

3. «A visão cristã de pessoa como ser em relação, em contraposição com uma cultura individualista cada vez mais invasiva […] corresponde à espiritualidade comboniana do Bom Pastor que nos coloca na atitude de saída em direcção ao outro e se torna fonte da nossa alegria. Para viver este impulso é necessário manter os olhos fixos em Jesus Cristo que nos introduz na contemplação do mistério de Deus mas também no mistério do homem, onde o encontramos presente na sua riqueza e diversidade» (n.ºs 27 e 28)

Estes três pontos são um comentário carismático dos capitulares às leituras que a liturgia nos propõe para a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, titular do Instituto.

Em Ezequiel 34, 11-16, o Senhor Deus revela-se como o pastor que cuida das ovelhas tresmalhadas: sai, vai procurá-las para as conduzir à terra que é delas para se nutrirem e repousarem. Uma imagem forte de ternura e dedicação.

«Hei-de procurar a ovelha que anda perdida e reconduzirei a que anda tresmalhada. Tratarei a que estiver ferida, darei vigor à que andar enfraquecida e velarei pela gorda e vigorosa», (Ezequiel 34, 16) diz o Senhor Deus.

Paulo, escrevendo aos Romanos (5, 5b-11), recorda-nos que «o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.»

Finalmente, no evangelho escutamos uma das três parábolas da misericórdia que fazem o capítulo 15 do evangelho segundo São Lucas.

Os versículos 3 a 7 falam de uma ovelha que se perdeu – uma ovelha entre 100 – e de um pastor que deixa as outras 99 no deserto e vai à sua procura até a encontrar. Uma atitude diferente da cultura estatística dominante em o que conta são os números e não as pessoas!

E o que lhe faz quando a encontra? Põe-na alegremente aos ombros e ao chegar a casa convoca os amigos para a festa da alegria: «Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida» (versículo 6b).

Há uma canção de alegria intensa e imensa na banda sonora das parábolas da misericórdia de Deus!

A figura do pastor com a ovelha às costas é um dos símbolos protocristãos mais comuns desde o século II. Está esculpido em lápides funerárias, túmulos e estátuas – algumas delas nos Museus do Vaticano, e pintado em frescos nas catacumbas romanas, nomeadamente nas de São Calisto e de Priscila.

O Bom Pastor do Coração Trespassado fala de cuidado, de serviço, de vida, de amor, de alegria, de saída. O coração aberto do Senhor é manancial de vida, olho de água e sangue, espaço permanente de acolhimento e repouso onde há lugar para todos.

Contemplando o coração escancarado de Jesus, celebramos o amor de Deus por nós, o amor que está em nós, o amor que nasce de nós. É missão nossa cumprir esse amor no cuidado e na cura de todos, a começar pelos da casa! Somos chamados a dar o peito não às balas – uma imagem machista e violenta – mas ao abraço e à ternura, ao encontro.

Hoje como ontem Jesus repete: «Vinde a mim todos os que estais cansados de carregar o peso do vosso fardo e Eu vos darei descanso. Carregai a minha carga e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas vidas» (Mateus 11, 28-29).

O Papa Francisco recordou-o aos Capitulares Combonianos na audiência memorável de 1 de outubro de 2015: «Como consagrados a Deus para a missão, estais chamados a imitar Jesus misericordioso e manso, para viver o vosso serviço com coração humilde, ocupando-vos dos mais abandonados do nosso tempo.»

E prosseguiu: «Não cesseis de pedir ao Sagrado Coração a mansidão que, sendo filha da caridade, é paciente, tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta. […] Daquele Coração, aprende-se a mansidão necessária para enfrentar a acção apostólica também em contextos difíceis e hostis.»

Numa sociedade agressiva e paranóica, a espiritualidade do Coração Trespassado do Bom Pastor propõe-nos a humildade, a mansidão e a misericórdia como virtudes apostólicas e sinais que testemunham a presença do Reino de Deus entre nós.

O Papa rematou com um anseio que é um desafio: «Que da contemplação do Coração ferido de Jesus se possa renovar sempre em vós a paixão pelos homens do nosso tempo, que se exprime com amor gratuito no compromisso de solidariedade, sobretudo para com os mais débeis e necessitados. Assim podereis continuar a promover a justiça e a paz, o respeito e a dignidade de cada pessoa».

A 15 de junho, faz 50 anos que a comunidade comboniana de Lisboa foi dedicada ao Coração de Jesus. Com esta celebração queremos fazer realmente eucaristia: queremos dizer um bem-haja ao Senhor da Missão pela sua presença amorosa e constante entre nós, incarnada nos missionários, amigos, benfeitores e colaboradores.

A Dona Rosalina também expressa a presença amorosa de Jesus entre nós há 50 anos, em Outubro: uma verdadeira mãe dedicada e escondida para todos. Para ela o nosso reconhecimento agradecido!

Jesus manso e humilde de coração, fazei o nosso coração, semelhante ao Vosso.

Assim seja!

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