A liturgia cristã celebra apenas três nascimentos: de Maria (a 8 de setembro), de João Batista (a 24 de junho) e de Jesus (a 25 de dezembro). Os santos são recordados à volta da data da sua morte, a que se chama dies natalis, literalmente o dia do nascimento (para a vida eterna).
Foi Jesus quem afirmou João Batista ao declarar que «entre os nascidos de mulher ninguém é maior que João» (Lucas 7, 28), porque, citando a profecia de Malaquias, «é acerca dele que está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente, que há de preparar o caminho diante de ti”» (Lucas 7, 27).
Jesus apresenta João Batista como o cantoneiro de Deus, aquele que prepara os caminhos do coração para as pessoas acolherem o Messias, o salvador prometido e muito esperado. É o porteiro da promessa: abre a aliança antiga à nova aliança, está entre a promessa e o seu cumprimento, está no limiar do tempo novo.
O nascimento de João Batista é prenúncio do advento de uma pessoa especial: foi precursor de Jesus do berço ao túmulo.
O acontecimento é acolhido com alegria pelos vizinhos que dão os parabéns a Isabel e Zacarias, casal idoso e estéril, por serem agraciados por Deus com um filho. Uma vergonha, uma maldição transformada em bênção.
Oito dias depois, no dia da circuncisão e de dar o nome, querem chamar o menino de Zacarias como o pai. A mãe — e depois o pai — põem-lhe o nome de João. O nome que o anjo indicou ao sacerdote Zacarias no dia da sua anunciação.
João vem do hebraico e quer dizer graça de Deus, Deus é graça, agraciado por Deus, o Senhor faz graça.
Na Bíblia, o nome dá identidade e missão. João é dom da graça de Deus para os pais idosos; é graça para o povo de Deus a quem prepara para a vinda do Messias.
Lucas conta que Zacarias recuperou a fala depois de escrever numa tabuínha «João é o seu nome». Os presentes admiraram-se e ficaram atemorizados com tais prodígios, perguntando: «O que irá ser este menino?». Ele cresceu com espírito forte a viver no deserto, o local do silêncio vasto, do encontro amoroso de Deus que fala ao coração do seu povo.
João começou a pregar na margem do Jordão um batismo de penitência a todo o povo, para preparar a vinda iminente de Alguém a quem diz não ser digno de desatar as sandálias, o serviço íntimo do discípulo ao mestre. E do amigo ao noivo.
Segundo os evangelhos, João proclamava um evangelho, uma boa nova, muito semelhante à de Jesus: «Convertei-vos, pois está próximo o reino dos Céus» (Mateus 3, 1).
O seu aparecimento nas margens do Jordão a batizar as pessoas que confessavam os pecados cansou grande comoção.
Os judeus estavam fartos do domínio romano e o anúncio da vinda iminente do Messias provocou uma peregrinação massiva e expectante para o rio. O próprio Jesus se junta, solidário, a essa mole humana que, em fila, recebe o batismo para o perdão dos pecados.
João Batista proclama um evangelho de fogo: anuncia a vinda do Messias como julgamento. Um julgamento que compara às queimadas antes das primeiras chuvas para preparar os pastos; à limpeza do trigo e à queima da palha no fim da colheita; ao abate e queima das árvores sem bom fruto…
Já na prisão, ouve falar de Jesus e do seu evangelho — muito diferente das suas expectativas —, fica perplexo e manda perguntar: «És tu o que está para vir ou havemos de esperar outro?» (Mateus 11, 3).
Celebrar São João Batista como padroeiro é acolher-nos à sua proteção, colhermos o paradigma da sua vida:
- João vestia-se à maneira dos profetas — com peles de camelo — e alimentava-se de mel silvestre e gafanhotos. Um homem que vive uma vida com uma pegada mínima, sustentada, uma sobriedade feliz — como propõe o Papa Francisco para resolver a crise humana e ambiental em que vivemos devido ao consumismo insaciável;
- um homem feliz com o seu lugar, que não quer usurpar o papel do Messias («Não sou quem pensais»), mas quer que Jesus inicie a sua missão («é necessário que Ele cresça e eu diminua»);
- um homem que tem dúvidas e procura respostas ao enviar os seus discípulos a Jesus;
- um homem que faz o mesmo apelo ao devoto que faz fila para o batismo e ao rei a quem chama à razão por causa «das suas maldades».
— ao crente anónimo pede a partilha da comida e da roupa com quem não tem;
— ao funcionário público pede que não exija mais do que é devido;
— às forças da ordem pede justiça e contentamento com o salário.
Olhar para João Batista, o profeta, é aceitar — como dizia Deus a Isaías — ser espada afiada e seta aguçada na aljava do Senhor, tocando a Sua glória.
Como o profeta Isaías, podemos sentir-nos servos cansados, extenuados, deprimidos, porque vivemos numa sociedade que não valoriza a matriz cristã de onde vem. Mas o Senhor repete: não chega sermos servos, somos luz das nações, discípulos missionários que portam a salvação de Deus até aos cantos mais distantes do mundo.
Ao jeito de João, apontamos para Jesus e dizemos: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo».
A energia que alimenta a nossa luz vem das boas obras, da partilha do pão e da ternura, do respeito pela lei numa sociedade tão corrupta e corrompida, de nos sentirmos felizes com a pessoas que somos e com o que temos.
Assim, podemos celebrar São João Batista como nosso glorioso padroeiro! Mesmo em tempo de pandemia — como hoje o fazemos. Que ele nos proteja e sacuda a nossa inércia. Amen.
Sem comentários:
Enviar um comentário