3 de junho de 2021

HOSPITALIDADE DIVINA


Quando vivi na Etiópia andava sobretudo a pé. Nas idas para as capelas era normal cruzar-me com miúdos que guardavam o gado. Os gujis são ganadeiros. Se algum miúdo estivesse a comer uma espiga de milho cozido ou assado, invariavelmente partia-a a meio e dava-me metade. Custava-me aceitar, porque o pequeno pastor não tinha mais comida até chegar a casa. Mas não aceitar a sua hospitalidade e partilha era má educação.

Hoje a Igreja celebra a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.

Jesus quer comer a sua Páscoa connosco cada vez que celebramos a Eucaristia. Não na sala de cima num bairro de Jerusalém, mas na sala do nosso coração.

Na Eucaristia, Ele prepara a mesa e é mesa. Prepara a comida e faz-se comida.

«Tomai, todos, e comei: isto é o meu Corpo, que será entregue por vós […] Tomai e bebei» — repete Jesus cada vez que celebramos a missa.

Não aceitar comungá-lo é rejeitar a hospitalidade divina.

Jesus é o novo Cordeiro imolado da Páscoa judaica: sangue que marca a casa dos hebreus e protege os primogénitos do anjo da morte. Carne para o caminho longo da libertação que foi o êxodo do Egito para a terra da promessa. Comida à pressa, de pé, com a cintura apertada e cajado na mão, prontos para andar.

Infelizmente, fomos construindo paulatinamente uma teologia da indignidade em relação à comunhão do corpo e sangue do Senhor glorioso, que nos afasta do altar.

O Papa Francisco escreveu no seu primeiro documento A alegria do Evangelho que a Eucaristia é a plenitude da vida pascal. 

E acrescenta: «não é prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos». 

Para ti e para mim.

Participar na missa sem comungar é um passo certo para a anorexia espiritual.

Por outro lado, comungar o Senhor é fazer comunhão com a comunidade dos crentes.

A Didaqué, o primeiro catecismo cristão do século I, usa uma imagem muito bonita quando explica a Eucaristia: «da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e depois recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino porque tem o é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre».

Jesus ordenou: «Fazei isto em memória de mim».

Fazer memória do Senhor é repetir os seus gestos eucarísticos na ceia da sala de cima. 

É transformar-se em eucaristia como Ele: pão partido e repartido para a salvação do mundo.

1 comentário:

Arlindo Pinto disse...

Muito bem, meu caro padre Zé Vieira. Publiquei o teu texto também no nosso site: https://www.comboni.org/pt/contenuti/113214