6 de junho de 2021

NUS… ESCONDIDOS

 

É costume vermos o pecado em termos das coisas que fazemos ou deixamos por fazer. O capítulo terceiro do livro bíblico do Génesis propõe uma interpretação diferente: mais que coisas, o pecado é sobretudo um estado, uma atitude de vida, uma autorreferencialidade. Um querer ser senhor de si mesmo e de tudo.

Eva e Adão tinham à sua disposição todo o Jardim de Deus menos a árvore do meio. Dessa não podiam comer.

A serpente disse a Eva que Deus lhes proibiu comer dos frutos da árvore do meio, porque abrir-lhes-ia os olhos e seriam como Deus conhecendo o bem e o mal.

Porque o fruto proibido era atraente e precioso para esclarecer a inteligência — mas não era uma maçã,  a mulher comeu e partilhou com o marido. De facto, abriram-se-lhes os olhos e … viram que estavam nus. Tiveram que fazer das folhas da figueira roupa interior. Lingerie muito incómoda!!!

Deus chega para o passeio do entardecer, mas Adão falha o encontro.

Deus chama-o: «Onde estás?». Ele responde: «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me.»

Deus sabe porque se sentiam nus e pergunta porquê comeram o fruto da árvore proibida. E começa o jogo do passa as culpas: foi a mulher, foi a serpente…

Resultado: além de se descobrirem nus e terem vergonha da nudez, foram expulsos do paraíso para ganhar a vida com suor e dor. Queriam tudo e perderam tudo…

Mas Deus fez-lhes túnicas de peles e vestiu-os. A Sua ternura não tem limites.

No evangelho (Marcos 3, 20-23) Jesus é confrontado pelos familiares e pelos escribas.

Os primeiros, ouvindo estórias do seu comportamento, vieram de Nazaré a Cafarnaum para o levarem consigo porque «está fora de si».

Os segundos fizeram mais de 180 quilómetros para testar a ortodoxia de Jesus. Diabolizaram-no, declararam-no possesso,  membro de um culto satânico.

Jesus desmonta o absurdo da acusação: Belzebu (o deus sírio das moscas) não se pode combater a si mesmo, porque se auto-destrói.

E diz: «Tudo será perdoado aos filhos dos homens, os pecados e as blasfémias que tiverem proferido; mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo jamais será perdoado; é réu de pecado eterno» (versículos 28 e 29).

Pecar contra o Espírito Santo é recusar ver a bondade de Deus a trabalhar no outro. O que os doutores da lei fizeram foi isso: como não conseguiam desmontar a mensagem de Jesus, atiraram-se ao mensageiro. Este é um comportamento comum nos nossos dias, sobretudo na política.

O Catecismo da Igreja Católica explica porque o pecado contra o Espírito Santo é eterno. 

No parágrafo 1864 diz: «não há limites para a misericórdia de Deus, mas quem recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus, pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo».

Aos familiares Jesus responde que tem uma nova família: não é genética, feita de laços de sangue, mas pelo fazer a vontade de Deus.

Os familiares acusavam Jesus de estar fora de si. Ele estava fora de si, não porque era louco mas porque vivia inteiramente para os outros. Por isso nem tempo tinha para comer ou descansar. Os outros são o centro da sua vida.

Sair de si é o caminho curativo que somos chamados a percorrer.

O psiquiatra Viktor E. Frankl nota em O Homem em Busca de um Sentido, o seu livro de memórias dos campos de extermínio nazis que «quanto mais uma pessoa se esquece de si própria — entregando-se a uma causa ou ao amor de outra pessoa — mais humana se torna e mais se efetiva ou atualiza».

Este sair de si, esta loucura sagrada é que nos salva e redime dos nossos pecados.

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